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AQUI! Os resultados do manuscrito de Bolonha têm as suas raízes na Declaração de Sorbonne (25 de Maio de 1998), onde se assistiu à emergência da ideia de criação de uma área europeia de Ensino Superior como sendo a chave para a promoção da mobilidade dos cidadãos e a da sua empregabilidade, com vista ao desenvolvimento sustentável do continente europeu. A relação empresa/escola adquire, desta forma, uma perspectiva supranacional. O último episódio desta saga teve lugar em Praga em 2001. A Declaração de Bolonha explicita um conjunto de objectivos que devem ser atingidos até 2010 e que são os seguintes: • adopção de um sistema de fácil compreensão e graus comparáveis; • adopção de um sistema baseado essencialmente em dois ciclos principais, sendo este pré-graduado (bacharelato e licenciatura) e pós-graduado; • estabelecimento de um sistema de créditos (semelhante ao ECTS (1) por forma a promover uma maior mobilidade entre estudantes; • promoção da mobilidade ultrapassando obstáculos para a livre circulação; •promoção da cooperação europeia em termos de assegurar a qualidade e desenvolvimento de metodologias e critérios comparáveis; • promoção das dimensões europeias necessárias em Ensino Superior, que se exprimem em desenvolvimento curricular, cooperação interinstitucional, esquemas de mobilidade e programas integrados de estudo, treino e pesquisa. Sistematizando, podem apontar-se os vectores chave que fundamentam esta epopeia: convergência, respeitando diversidades e autonomia, cooperação e mobilidade. Através da articulação destes factores, gerando sinergias e complementaridades que desenvolvam novas competências e capacidades, pretende dar-se resposta a problemas comuns de uma Europa onde todos se devem poder integrar, tais como a empregabilidade, a escassez de competências em determinados sectores e a expansão da educação privada/transnacional. O instrumento por excelência para a aproximação dos diversos sistemas de educação é a implementação do Sistema de Acumulação de Créditos, semelhante ao ECTS. O ECTS é um sistema de créditos baseado no conceito de trabalho anual do estudante, incluindo o número de horas de aulas e todas as actividades extra-aulas inseridas no plano de formação do aluno. Uma das vantagens da adopção de um sistema desta natureza é a possibilidade de comparação de sistemas metodológicos diferentes, para além de permitir acompanhar o esforço de internacionalização do Ensino Superior. No que respeita à adopção de um tal sistema de créditos, as situações divergem de país para país. Enquanto os países escandinavos, Holanda, Reino Unido, Bélgica Flamenga já têm em vigor sistemas de acumulação de créditos baseados no trabalho do estudante, países como Portugal e Espanha possuem sistemas baseados no número de horas de aulas, embora, actualmente, existam esforços para adoptar um sistema ECTS. O prazo estipulado para a entrada em vigor de um sistema ECTS foi o ano lectivo de 2000-01. Contudo, Portugal ainda tem um longo caminho pela frente, uma vez que o sistema de créditos nacional não é comum a todas as instituições de ensino e, quando existe, baseia-se no número de horas leccionadas e não no trabalho desenvolvido pelos alunos. É uma simples alteração de medida.
Os cursos: duração e organização Resumidamente, podem enunciar-se as linhas de força que guiam, tendencialmente, o Ensino Superior Europeu: • diminuição das cargas horárias de leccionação e do número de anos curriculares; • educação transnacional leccionada em língua inglesa; • implementação de um sistema de acreditação e controlo da qualidade de dimensão europeia por forma a assegurar a compatibilidade de sistemas com padrões baseados nos conhecimentos adquiridos e não tanto no tempo gasto e nos conteúdos curriculares; • two-tier systems – obtenção de um first-degree após 3 anos de estudos e do grau de Mestre após 5 anos; • parece existir consenso numa duração padrão de 8 anos para a obtenção do grau de Doutor. Face a este quadro e à realidade portuguesa, seria de todo benéfico que se realizasse uma pequena, embora rigorosa, reflexão sobre a situação do ensino superior em geral e dos seus cursos em particular no nosso país. Após essa análise, deve ter-se capacidade de ponderar sobre a adequabilidade dessa área comum de educação e das orientações que no caminho a percorrer devem ser tomadas à medida que esse empreendimento se aprofunda. O ensino superior em Portugal é ministrado através de um sistema binário: ensino superior de natureza universitária e ensino superior de natureza politécnica. Este sistema pode ser administrado pelo sector público e pelo sector particular e cooperativo. Por sua vez, dentro de cada um deles podem ainda coexistir métodos de ensino diferentes (ensino presencial, à distância e misto). Actualmente, existem, em Portugal, 179 instituições (universidades e institutos politécnicos) que ministram ensino superior. Destas, 114 pertencem ao sector particular e cooperativo e as restantes ao sector público. Se se desagregarem estas instituições nas suas componentes (institutos – integrados e não integrados – escolas, academias e faculdades) obtém-se qualquer coisa como cerca de 340 estabelecimentos. Estes estebelecimentos, de natureza diferenciada (organização, gestão, métodos de ensino e avaliação, formas de financiamento, capacidade de resposta regional), ministraram 2807 cursos no ano lectivo de 1999/2000. Destes, apenas 292 não conferem grau, 867 conferem grau pós-licenciatura e cerca de 1400 conferem o grau de licenciatura e bacharelato. Importa tentar aprofundar a análise em termos de semelhanças e diferenças, em termos da organização curricular e dos graus académicos que se podem obter. Pode-se começar por referir que a duração dos cursos não tem correspondência directa com o grau que conferem, i. e., existem cursos que, depois de concluídos os correspondentes planos de estudo, atribuem um mesmo grau académico com tempos de duração diferentes. Tal pode ser observado pela tabela da página seguinte. Numa tentativa de se avaliarem as diversidades ligadas à problemática dos cursos tome-se, como exemplo, o curso de “Gestão de Empresas”. São leccionados, em Portugal, 22 cursos de “Gestão de Empresas” (2). No que diz respeito a estes cursos, apontam-se algumas especificidades na caixa em anexo. Para além destas diversidades, chama-se a atenção para uma breve análise sobre os diferentes planos de estudos (3) e a sua organização, sublinhando-se os seguintes aspectos: • Disciplinas com denominações idênticas podem ter duração anual ou semestral; • Para disciplinas com denominações idênticas existem planos de estudos com cargas horárias semanais diferenciadas (com diversidade no que diz respeito à sua natureza teórica, prática e teórico-prática; • Nos primeiros dois anos do plano de estudos (assumindo a hipótese que é nesse horizonte que são leccionados os conhecimentos básicos) são poucas as disciplinas com denominação comum. Dessas (Matemática I e II, Noções Fundamentais de Direito, Contabilidade, História Económica e Social, Economia), existe uma variabilidade assinalável, em termos das cargas horárias semanais, da natureza das aulas dadas e das metodologias de avaliação. Em síntese, pode obter-se um grau académico idêntico com: • disciplinas de acesso (muito) diferentes; • notas de acesso (muito) diferentes; • fórmulas diferentes de cálculo da nota para acesso ao curso ; • organizações curriculares diferentes; • métodos e mecanismos de avaliação diferentes; • duração diferenciada dos cursos; • natureza diferenciada da instituição; • qualificação do corpo docente (muito) diferenciada, quer em termos de respeito pelos mínimos legais exigidos pelo EESPC, quer devido ao facto de um mesmo grau poder ser obtido com exigências substancialmente diferentes, em termos de composição e qualificação do corpo docente (próprio). Esta situação é grave não só pela sua existência de facto mas, principalmente, porque a sua existência está (ainda) prevista no articulado da lei. Saliente-se, também, que só faz sentido pedir uma compatibilização de resultados se houver uma harmonização de exigências, nomeadamente entre o ensino público e o ensino privado. Estes breves apontamentos pretendem mostrar a heterogeneidade existente entre um mesmo curso, na sua vertente de duração e organização. Como este exemplo poderiam dar-se dezenas. Face aos factos apresentados e à problemática enunciada na primeira parte deste texto parece, pois, importante reflectir sobre um conjunto de questões. Se se procura construir um sistema com características que nos permitam participar em situações de igualdade, em termos de acesso a uma área comum de educação, é necessário começar por procurar dominar a variabilidade existente dentro do nosso sistema de educação. Estas não são questões pouco relevantes uma vez que o instrumento principal da construção da futura área comum de educação deve passar pela adopção de um sistema de créditos. Ora, isso obriga-nos a pensar quais devem ser as componentes que entram na definição básica do crédito. Essas componentes não podem deixar de passar pelo número e tipo de aulas, pelo trabalho desempenhado por cada estudante na disciplina (trabalhos, relatórios, monografias), pelos métodos e mecanismos de avaliação, pela composição e qualificação do corpo docente que ministra as diferentes áreas do curso e pela organização curricular (plano de estudos, conteúdos programáticos, capacidade científico-pedagógica). O Curso de Gestão de Empresas é apenas um entre muitos exemplos que se poderiam estudar na tentativa de perceber a maior ou menor heterogeneidade existente entre a organização e o número de cursos leccionados nas instituições de ensino superior portuguesas. Uma das tendências que se acentuam no espaço europeu é o consenso acerca do two-tier systems – [3+2]. Esta parece ser uma solução virada claramente para a obtenção de um mínimo de conhecimentos que habilitem o diplomado a exercer uma profissão de nível superior. Pouco terá a ver com elementos tão estruturantes quanto aqueles que procuram objectivos de desenvolvimento socioeconómico, apenas com alguma sobreposição com os que pretendem alcançar objectivos de crescimento, esquecendo-se que qualquer fim é, inevitavelmente, moldado pelos meios utilizados. Se houver capacidade para responder a estas questões terá de compatibilizar-se a substância dessas respostas e as acções subsequentes com as necessárias medidas conducentes para alterar a situação caracterizada anteriormente, relativamente à miríade de cursos e instituições do sistema de ensino superior português. Apesar da proximidade que se quer cada vez maior e mais profícua entre o sistema de ensino superior e as empresas, não se deve perder de vista que a organização de cada sistema tem especificidades próprias. São precisamente essas especificidades, nomeadamente as relativas à natureza do bem oferecido, que nos podem levar a reconhecer que não é possível ao nosso sistema de educação ser competitivo, em termos da futura área de educação comum, no âmbito europeu e nem sequer eficaz em termos nacionais e regionais. É, então, indispensável pensar-se o futuro do ensino superior em Portugal e da sua relação (aproximação bidireccional) com o sector empresarial com uma forte liderança e um firme e empenhado cometimento por parte das autoridades académicas e políticas, em particular na definição de padrões de transparência, de modo a avaliar as diferentes unidades que integram a organização, padrões éticos para docentes, funcionários e alunos, padrões profissionais para os docentes (relativos ao ensino, à investigação e à gestão), padrões para a atribuição de graus e títulos académicos (desde a licenciatura até à agregação) e criação de legislação adequada às realidades do mundo actual. Será, também, fundamental garantir a coerência e a integração das intervenções, bem como a orientação dos instrumentos que se consideram disponíveis para objectivos comuns e compatíveis. Não se pode dizer, de per se, que as especificidades apontadas são prejudiciais ao desenvolvimento de um ensino superior de qualidade, uma vez que as especificidades do tecido territorial, nomeadamente as necessidades do mercado de trabalho, a natureza da produção e os contextos socioeconómicos pedem, naturalmente, soluções diferenciadas e adequadas às necessidades de cada espaço. Pode, no entanto, prever-se que serão, certamente, factor de obstrução à procura dos objectivos que Portugal assumiu no que se refere à Declaração de Bolonha. Vislumbra-se, desta forma, num futuro próximo do sistema educativo
português um paradoxo que deve ser resolvido ex-ante. Deverão pois ser
feitas escolhas na medida de procurar compatibilizar a necessidade de
incrementos de produtividade e competitividade no tecido económico territorial
e tomarem-se medidas que são inevitáveis para a aproximação aos compromissos
assumidos em Bolonha. Para este último objectivo é preciso ter consciência
de que vai ser preciso desenraizar o ensino de muitas partes do território
(e das suas componentes), precisamente uma potencial mais-valia do sistema
português de ensino e raiz de sobrevivência de muitas instituições de
ensino superior. Graus
académicos e duração dos cursos
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