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Quem ajuda quem?

Carlos M. Lopes *

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O Relatório — World Development Indicators, 2002 — sublinha a existência de um interesse partilhado pelos países em desenvolvimento e pelos países desenvolvidos na redução da pobreza global e na melhoria das condições de vida das populações. A ajuda ao desenvolvimento, por parte dos países desenvolvidos, é pois um dos pontos propostos pelo Banco Mundial para assegurar o combate à pobreza e a promoção do desenvolvimento, sendo esta gerida ao nível institucional sobretudo pelo CAD, Comité de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.

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Como sublinha o relatório do Banco Mundial, World Development Indicators – 2002, existe um interesse partilhado pelos países em desenvolvimento (PED) e pelos países desenvolvidos (PD) na redução da pobreza global e na melhoria das condições de vida das populações.

Da parte dos países em desenvolvimento existe um interesse objectivo em participar da economia global e em conseguir reduzir os seus níveis de pobreza e de desigualdade. Relativamente aos países desenvolvidos o seu interesse vital aponta para níveis mínimos de crescimento económico sustentado que garantam um melhor funcionamento dos mercados e um leque, tão amplo quanto possível, de opções de investimento. A ajuda ao desenvolvimento constitui, na óptica do Banco Mundial, um dos vértices do triângulo capaz de assegurar o sucesso do combate à pobreza e da promoção do desenvolvimento, desde que competentemente associada ao desenvolvimento institucional e a reformas políticas, no quadro de um sistema de parceria efectiva entre os países receptores, as agências de ajuda e os países doadores.

 

Motivações, objectivos e actores da ajuda ao desenvolvimento

A Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) surge institucionalizada principalmente através da acção do Comité da Assistência ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE), que constitui a principal fonte de auxílio financeiro externo aos PED e que tem como objectivos a sua coordenação e a promoção do seu crescimento e da sua eficácia.

No entanto, no seio do CAD coexistem interesses, prioridades e estratégias diferenciadas, que determinam diferentes tipos de motivações para participar na ajuda ao desenvolvimento: de ordem histórica, uma vez que grande parte dos PED foram colónias de alguns dos principais países doadores; de ordem económica-comercial, pois os PED são importantes fornecedores de matérias-primas e um mercado significativo para os produtos produzidos nos países desenvolvidos; de ordem humanitária, para dar resposta a inúmeras situações de crise (secas, cheias, terramotos, etc.) que agravam as condições de vida e as oportunidades de sobrevivência das populações dos PED; de ordem estratégico-política, porque a ajuda ao desenvolvimento permite aos países doadores o alargamento da sua esfera de influência, geradora de eventuais benefícios futuros.

Estas motivações aparecem claramente expressas nos dados do BM relativos à estrutura da ajuda bilateral em 2000: enquanto o Japão distribui 10% da sua ajuda à Indonésia, 10% ao Vietname, 8% à China, 7% à Tailândia, 4% à Índia e os restantes 61% são afectados a outros países, os EUA canalizam prioritariamente a sua ajuda para Israel e para a Federação Russa (cada um recebendo 9% da ajuda norte-americana), atribuindo 6% ao Egipto, 2% à Ucrânia, 2% à Jordânia e os restantes 72% a outros países; se a França atribui 6% ao Egipto, 5% à Polónia, 4% à Costa do Marfim, 4% ao Senegal e 4% a Marrocos e os restantes 77% a outros países, já o Reino Unido contempla o Uganda com 8%, a Índia com 7%, a Tanzânia com 5%, a Zâmbia e o Bangladesh com 4% cada e os restantes 72% são distribuidos por outros países.

Relativamente aos seus objectivos, enunciam-se os principais: prestar assistência temporária às populações afectadas por catástrofes naturais (cheias, ciclones, etc.) ou por desastres induzidos pela acção humana (guerras civis, desertificação, etc.), ajudar a melhorar as condições de vida das populações dos PED, através da co-participação em projectos de grande envergadura (construção de infraestruturas económicas, sociais, etc.) e fornecer os meios financeiros que permitam aos PED fazer face aos compromissos resultantes de elevados níveis de endividamento externo que foram acumulando ao longo das últimas quatro décadas do séc. XX. Para além do CAD, outros actores estão envolvidos no processo da ajuda ao desenvolvimento, destacando-se entre eles, as instituições financeiras multilaterais (Banco Mundial (1), Fundo Monetário Internacional, Bancos de Desenvolvimento Regional), as organizações não financeiras do sistema das Nações Unidas (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Unicef, Organização Mundial de Saúde, etc.), a União Europeia e as Organizações Não Governamentais.

 

Modalidades e tipos de ajuda ao desenvolvimento

Para além da ajuda pública ao desenvolvimento, que é exclusivamente fornecida no quadro das relações intergovernamentais, directamente ou através da mediação das organizações internacionais, podem considerar-se ainda dois outros tipos: a ajuda privada, prestada por entidades privadas, como empresas ou bancos (geralmente destinada a actividades produtivas agrícolas e industriais e que pode revestir a forma de créditos à exportação, investimentos directos, reinvestimentos de lucros, entre outras), e a ajuda voluntária, que é fornecida no quadro de iniciativas privadas com origem em actores da sociedade civil e que é geralmente mediada pelas ONGs. Relativamente à AOD, esta surge essencialmente sob a forma de ajuda bilateral, prestada por um Estado a outro Estado (cooperação técnica, ajuda alimentar, empréstimos, anulação de dívidas, etc.) ou de ajuda multilateral, quando é fornecida por intermédio das organizações internacionais.

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Registe-se que, regra geral, o carácter multilateral confere à ajuda um maior grau de neutralidade política (o país receptor corre menor risco de ser pressionado pelos doadores relativamente às orientações de política interna e externa), é menos susceptível de ser afectada como ajuda ligada (a ajuda que é concedida na condição de o país receptor efectue as suas despesas em equipamento, apoio técnico, bens de consumo, etc., no país doador ou num grupo específico de países) e permite a utilização de critérios estritamente técnicos quando se procede à avaliação da sua necessidade e dos modos de a configurar. É ainda usual distinguir-se entre ajuda de emergência (a que é prestada, numa perspectiva de curto prazo, em situações de crise, pontuais, como por exemplo a ajuda alimentar, a assistência a refugiados, etc.) e a ajuda ao desenvolvimento, fornecida, num horizonte de médio/longo prazo, com a finalidade de criar capacidades locais, meios e conhecimentos que permitam escolhas, opções e soluções autónomas e mais adequadas à realidade. Sublinhe-se finalmente que cada vez mais existe a tendência de se ligar a ajuda de emergência à ajuda ao desenvolvimento, como forma de evitar que os efeitos positivos da primeira se dissipem assim que termina.

 

A evolução da ajuda ao desenvolvimento

Browne, S. (1998) distingue quatro fases da ajuda ao desenvolvimento:

• 1950-1965 – é a fase embrionária da ajuda, associada às teorias da modernização; o papel da ajuda era equacionado como facilitador do acesso ao capital, considerado como indispensável ao crescimento económico, aos países mais atrasados; o grosso da ajuda processou-se essencialmente através de empréstimos concessionais e de dádivas aos governos e sectores públicos dos PED.

• 1965-1980 – até meados dos anos 70, enquanto os PED viam os seus níveis de endividamento aumentar substancialmente, prevaleceram as teorias da dependência e a ajuda surgiu como forma de compensação relativamente à marginalização das economias desses países em relação à economia mundo e como um meio de permitir a satisfação das necessidades básicas das populações.

• Década de 80 – caracteriza-se pelo predomínio das teses das instituições financeiras de Bretton Woods (FMI e BM), pelo seu crescente protagonismo no contexto da ajuda multilateral e pelo aparecimento em cena das ONGs; a ênfase é colocada na adopção de reformas económicas como forma dos PED solucionarem os problemas das suas contas externas e de ultrapassarem a incerteza e a dependência das receitas comerciais; os fluxos globais da ajuda diminuem em valor absoluto e inicia-se uma tendência de crescimento do peso relativo da ajuda de emergência comparativamente à ajuda ao desenvolvimento; começa a colocar-se em questão a eficácia da ajuda ao desenvolvimento.

• Anos 90 – com o desmoronar do bloco socialista assiste-se a um movimento de reorientação dos fluxos da ajuda, que passam a ter as economias em transição da Europa Central e do Leste como destino cada vez mais signficativo; começam a surgir considerações estratégicas ligando a ajuda à boa governação, à boa gestão e à responsabilização dos países receptores; emerge uma filososfia de ajuda orientada para a promoção de projectos visando a capacitação das comunidades locais e a promoção do desenvolvimento humano.

De acordo com o BM, a ajuda de emergência cresceu em termos de peso relativo face à ajuda ao desenvolvimento, entre as décadas de 60 e 90, tal como sucedeu com a ajuda multilateral relativamente à ajuda bilateral, tendo-se também assistido a uma redistribuição geográfica da ajuda. Todo este processo de mutações ocorreu no quadro de um declínio progressivo dos montantes afectados pelos países desenvolvidos à ajuda ao desenvolvimento que, na década de 90, vê decrescer a percentagem do Rendimento Nacional Bruto destinada pelos PD à AOD de 0,26% em 1995 para 0,22% em 2000.

 

A questão da eficácia e o repensar da ajuda ao desenvolvimento

Existem factores de bloqueio e de distorção, quer nos países receptores (desvio de parte da ajuda em benefício de minorias privilegiadas e corruptas, afectação da ajuda à realização de despesas militares, dificuldades de transporte e de comunicação como obstáculos à distribuição da ajuda, incapacidade técnica e administrativa para gerir e aplicar os recursos provenientes da ajuda, risco de criação de situações de dependência face à ajuda, etc.) quer nos países doadores (os projectos financiados nem sempre correspondem às necessidades dos países receptores, imposição de ajuda ligada ou de ajuda vinculada a projectos concretos, critérios políticos e interesses económicos na base da afectação e distribuição da ajuda, consumo de parte substancial dos recursos financeiros da ajuda com os salários e honorários de técnicos e consultores externos, etc.) que colocam em questão a eficácia da ajuda.

Daí que seja muito importante proceder à avaliação qualitativa da ajuda pública ao desenvolvimento (AOD), nomeadamente no que se refere à evolução das condições financeiras da ajuda, à importância e evolução da ajuda ligada e da ajuda vinculada a projectos e à repartição da ajuda entre ajuda bilateral e ajuda multilateral. O que remete igualmente para a necessidade de repensar a AOD no sentido de a tornar eficaz: capaz de resolver problemas básicos e imediatos, de incentivar a autonomia e auto-suficiência, de apostar na formação e capacitação dos agentes locais, de permitir atenuar as desigualdades no acesso a recursos e a boas condições de vida entre populações de diferentes países e regiões. Ou, como sugere Browne, S. (2000), é necessário “ajudar a acabar com a ajuda”, o que pressupõe “menos ajuda e mais cooperação” (permitir aos PED um acesso efectivo aos mercados e às novas tecnologias de informação, negociar o perdão/reescalonamento da sua dívida externa, institucionalizar princípios de obrigação contratual e proceder a reformas nos modelos de organização e de tomada de decisão das instituições internacionais que governam a economia mundial).

 

Informação complementar

Efeitos perversos da ajuda ao desenvolvimento: o caso de Moçambique

De acordo com dados do BM, publicados no World Development Indicators – 2002, Moçambique recebeu 1.064 milhões de $USD em 1.995 e 876 mi-lhões de $USD em 2000, no quadro da AOD. Em 2000, os Estados Unidos da América (13,2%), o Reino Unido (9,4%) e a Holanda (7%), encabeçaram a lista dos 10 principais doadores, que incluiu, por ordem decrescente de importância, a Alemanha, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, o Japão, a França e o Canadá. Do total de 168,2 milhões de dólares injectados em Moçambique em 2000 pelas organizações financeiras e não financeiras do Sistema das Nações Unidas, 55,7% foram da responsabilidade do BM, através do IDA, e 18% do FMI, sob a forma de empréstimos não concessionais, no âmbito dos programas de Ajustamento Estrutural que têm vindo a ser aplicados no país desde há 14 anos. O que, na opinião de Hanlon, J. (1997, “O dono de Moçambique é o FMI”) significa que “em muitas áreas da vida moçambicana, o FMI e o BM são mais poderosos do que o Governo ou o novo Parlamento. A decisão de não construir um hospital em Nacala foi tomada pelo BM. A decisão de privatizar as receitas alfandegárias foi tomada pelo FMI.

A decisão do BM de obrigar Moçambique a liberalizar a exportação da castanha crua de cajú, foi amplamente divulgada e debatida no ano passado... O poder das instituições de Bretton Woods é mostrado pela privatização do Banco Comercial de Moçambique. Em 10 de Maio, o Comité Central da Frelimo pronunciou-se contra a privatização dos bancos: menos de três meses mais tarde, o Governo da Frelimo privatizou o BCM, sabendo que não tinha outra opção”. Semelhante tese era já defendida em 1990 por Brochamann e Ofstad, num estudo sobre a avaliação da ajuda norueguesa (“Moçambique – A ajuda norueguesa em contexto de crise”), que sublinhava “o papel poderoso que o BM e o FMI têm vindo a desempenhar no estabelecimento e formulação de orientações políticas tanto a nível macro como num número crescente de níveis sectoriais em Moçambique. O poder de influência provém, não só da quantidade de fundos controlados directamente pelo BM/FMI, mas também do seu papel dominante em relação aos outros doadores”.

Em 1994, um grupo de economistas moçambicanos (“Moçambique: perspectivas económicas”) assumia que a economia moçambicana dependia sob múltiplas formas da ajuda internacional, com os donativos e créditos concessionais a representarem cerca de 70% do Orçamento Geral do Estado e inventariava algumas das questões suscitadas pela ajuda internacional, nomeadamente o facto de a existência da ajuda concorrer com a produção nacional agrícola e têxtil, o carácter de ajuda ligada de que ela se reveste e a distorção de preços relativos que implica, mesmo a nível dos salários. Um último exemplo, entre vários possíveis: Hanlon, J. (1997, “Paz sem benefício – como o FMI bloqueia a reconstrução de Moçambique”) observa que “o BM precisa de projectos grandes...os projectos têm que ser grandes porque o processo de elaboração e de avaliação é muito caro e usa muitos consultores internacionais”. O autor refere o exemplo do Roads and Coastal Shipping (Rocs), o programa para a recuperação das estradas moçambicanas, que considera um fracasso com avultadas penalizações financeiras para o Estado moçambicano.

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1 O grupo do Banco Mundial é formado actualmente por 5 instituições: o BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento), a IDA (Associação para o Desenvolvimento Internacional), a SFI (Sociedade Financeira Internacional), a MIGA (Agência de Garantia de Investimento Multilateral) e o CIRDI (Centro Internacional de Localização de Disputas de Investimento). O grupo BM desempenha um papel central no sistema de financiamento internacional: tem uma influência determinante na definição da política internacional relativa à AOD e assegura a sua coordenação.

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* Carlos M. Lopes

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Estudos Africanos pelo ISCTE. Professor no ISPA e no ISCTE.

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Dados adicionais
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