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A cooperação internacional para o desenvolvimento

Luís Amado *

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Se a última vaga da globalização permitiu reduzir a pobreza em termos absolutos, agravou por outro lado a situação da pobreza relativa (20% da população mundial controla 80% da riqueza mundial). A Cimeira de Monterrey realizada em Março de 2002 aprovou o que pode ser entendido como uma nova agenda de desenvolvimento. Na última Conferência da OMC em Doha discutiram-se questões importantes para esta matéria como os subsídios agrícolas e a melhoria do acesso ao mercado para os produtos não agrícolas, questões que se revestem de particular interesse para os países menos desenvolvidos.

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A questão do desenvolvimento adquiriu, após os acontecimentos de 11 de Setembro, uma renovada actualidade. É certo que, nos últimos 30 anos, o crescimento económico mundial, a ajuda ao desenvolvimento e a cooperação, contribuíram para significativos avanços em muitos indicadores. A esperança média de vida, por exemplo, passou, nos países em desenvolvimento, de 60 para 70 anos e as taxas de mortalidade infantil e de analfabetismo foram reduzidas em metade (1).

Apesar de tudo, a luta contra a pobreza apresenta-se como um dos principais desafios com que o mundo se confronta neste início de século.

Cerca de 2,8 mil milhões de pessoas, 45% da população mundial, vivem com um rendimento equivalente a menos de 2 dólares por dia, dos quais 1,2 mil milhões vivem com menos de 1 dólar. Esta situação é particularmente dramática na África Subsariana: 87% da população do grupo de países menos desenvolvidos desta região vivia com menos de dois dólares por dia.

Simultaneamente alarga-se o fosso entre os países mais ricos, mais directamente beneficiados pela dinâmica da globalização e os países mais pobres.

Em 1960, o rendimento médio per capita dos 20 países mais ricos era 16 vezes maior do que o rendimento dos países menos desenvolvidos, mas em 1999 esta relação já era de 35 vezes. Quando 20% da população mundial que vive nos países mais ricos domina 80% da riqueza, é fácil perceber que uma tal situação é insustentável a prazo num mundo cada vez mais interdependente (2).

Se se pode afirmar que a última vaga da globalização tem permitido reduzir a pobreza em termos absolutos, pode igualmente afirmar-se que se tem agravado a pobreza relativa, agudizando o sentimento de injustiça e alimentando a revolta que alastra de forma cada vez mais ruidosa contra a globalização.

A redução da pobreza tornou-se assim o objectivo central da cooperação internacional para o desenvolvimento.

 

De Washington a Monterrey

Durante a guerra fria a abordagem da questão do desenvolvimento foi condicionada nos seus fundamentos políticos, económicos e sociais pelo debate ideológico e pela confrontação geoestratégica. As opções teóricas, bem como as políticas expressas na acção dos governos e das organizações, foram sempre dominadas pela dimensão ideológica daquele confronto.

A queda do muro de Berlim e o colapso do império soviético permitiram recolocar o debate sobre o desenvolvimento em termos diferentes. Mas ao longo da década de 90 foi-se tornando claro que a fabulosa ideia do “fim da história” encontrava nos factos, designadamente na realidade do subdesenvolvimento e da pobreza extrema, uma refutação mais sólida do que as argumentações teóricas. Nada parecia contrariar mais a ideia de progresso e de paz universais anunciadas do que as imagens da miséria mais degradante de milhões de seres humanos e a desestruturação política, económica e social de vastas regiões do mundo.

Indirecta e simbolicamente, os acontecimentos de 11 de Setembro podem assinalar na sua violência, como foi tão comentado já, o regresso da história. Mas representam também, numa outra leitura, a revalorização do “político” perante a arrogância tecnocrática que geriu na última década o capitalismo triunfante à escala global, e que nas questões do desenvolvimento, liderada pela burocracia do FMI, impôs a sua agenda de uma forma mais ideológica do que científica (3).

Se se faz referência aos acontecimentos de 11 de Setembro, é porque eles vieram estimular o debate e a reflexão crítica sobre as condições em que se processa a globalização, sobre os seus efeitos, positivos e negativos, abrindo novas perspectivas para um outro equilíbrio entre o papel dos mercados, a acção dos governos e o papel das instituições, enfim para uma outra política, capaz de dar um novo impulso à cooperação internacional para o desenvolvimento.

O “Consenso de Monterrey” foi em boa medida resultado desse debate e de um novo espírito com que os problemas passaram a ser encarados.

No México o consenso não teria sido possível sem a mudança de atitude dos EUA perante a agenda de Monterrey, e esta mudança não teria com certeza ocorrido sem os acontecimentos de 11 de Setembro. Ao contribuir para o “Consenso de Monterrey” os EUA afastam-se em certa medida do que ficou conhecido como “novo consenso de Washington” dos anos 80 – consenso entre as instituições de Bretton Woods e o Tesouro dos Estados Unidos – que estabeleceu os princípios das políticas consideradas correctas para os países em desenvolvimento, que tanta oposição têm gerado da parte destes e que, em muitos casos, têm redundado em resultados desastrosos. Será, contudo, preciso esperar ainda algum tempo para avaliar até onde estão dispostos os EUA a ir, designadamente na procura de uma nova arquitectura financeira internacional, que depende necessariamente do seu envolvimento e da sua participação.

 

Uma parceria para a paz e para o desenvolvimento

A Cimeira de Monterrey, realizada no passado mês de Março, aprovou o que pode ser entendido como uma nova agenda do desenvolvimento, visando a realização dos ambiciosos objectivos aprovados pela Cimeira do Milénio das Nações Unidas realizada em Setembro de 2000. “Os Objectivos do Milénio”, que são objecto de novo debate durante a Cimeira do Desenvolvimento Sustentável realizada em Joanesburgo em Setembro de 2002, propõem a redução em metade até 2015, da percentagem de pessoas vivendo em extrema pobreza, no quadro de um esforço conjunto da comunidade internacional, que o presidente do Banco Mundial designou por “uma nova parceria para a paz e para o desenvolvimento”.

Esta parceria funda-se no princípio de que a luta contra a pobreza é um contributo para a paz e para a estabilidade do sistema internacional, e nessa perspectiva constitui um elemento para a segurança de todos, ricos e pobres. Por isso, o esforço de promoção do desenvolvimento deve ser assumido por todos, devendo ser objecto de uma acção mais concertada e de uma maior coordenação entre todos os governos: agências de desenvolvimento e organizações não governamentais.

A União Europeia e os respectivos Estados Membros, como principais doadores internacionais, têm neste sentido uma particular responsabilidade e por isso “complementaridade”, “coerência” e “coordenação” são três conceitos que têm dominado a agenda dos conselhos de desenvolvimento nos últimos anos. Neste sentido se insere também a reforma em curso da política de desenvolvimento da União Europeia.

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Novas opções estratégicas

Esta “nova agenda” reflecte de forma crítica as experiências das últimas décadas, procurando reorientar a acção dos governos e das agências internacionais, tendo em vista a realização daqueles objectivos e a consolidação daquela parceria no quadro de claras opções estratégicas.

Destaca-se desde logo a valorização do papel central que passou a ser atribuído aos próprios beneficiários, responsabilizando-se os respectivos governos pela definição e implementação de estratégias e políticas próprias, como base do processo de desenvolvimento dos seus países. Neste sentido, ownership e good governance tornaram-se deste modo conceitos dominantes, consolidando a orientação de privilegiar a ajuda àqueles governos que evidenciam capacidade para gerir com responsabilidade, com rigor e com transparência os recursos disponíveis.

Passou por outro lado a dar-se mais atenção às políticas que estimulam a criação de um ambiente favorável ao investimento, em particular do sector privado.

As instituições financeiras internacionais, particularmente o Banco Mundial, passaram a valorizar doutra forma o investimento nas pessoas como factor de desenvolvimento. Para além da tradicional agenda estrutural, o Banco Mundial tem hoje uma importante agenda social, com importante acção no financiamento dos programas de luta contra a pobreza e de educação e saúde.

Finalmente, a partir da última reunião da Organização Mundial do Comércio realizada em Doha e da Conferência de Monterrey, os países mais ricos aceitaram discutir em termos diferentes aquilo a que poderíamos chamar as questões duras da agenda do desenvolvimento: a questão do financiamento, a questão da dívida externa e a abertura dos mercados.

Apesar dos problemas e das dificuldades que se conhecem, existem condições favoráveis para o aprofundamento de uma verdadeira parceria para a paz e o desenvolvimento, segundo uma relação de mais confiança e de mais responsabilidade política. Confiança, porque não há parceria que sobreviva ao ressentimento, à dúvida e à desconfiança que ainda dominam muito do relacionamento entre países ricos e países pobres. Responsabilidade no respeito e no cumprimento dos compromissos assumidos no plano internacional.

 

Informação complementar

A questão do financiamento

A realização dos Objectivos do Milénio envolve um esforço acrescido de mobilização de recursos financeiros independentemente das políticas e da acção das instituições sempre determinantes no impacte efectivo da ajuda na vida das populações.

O Banco Mundial calcula ser necessário aumentar entre 40 a 60 mil milhões de dólares anuais a ajuda internacional, o que representa passar de 0,25% para 0,49% do PNB dos países da OCDE, se se quiser reduzir a pobreza em metade até 2015.

Trata-se de inverter a tendência para a redução dos níveis de cooperação técnica e financeira que se foi acentuando ao longo da última década, mobilizando de novo a comunidade internacional para o cumprimento dos compromissos assumidos pelos países mais desenvolvidos em 1992 na Cimeira do Rio, de afectarem 0,7% do seu PNB à ajuda ao desenvolvimento (0,15% aos PMAs).

 

A dívida externa

Ao contrário de anteriores mecanismos de redução da dívida, a Iniciativa para os Países Pobres Muito Endividados, sob a pressão do movimento Jubileu 2000, tomou em consideração a necessidade de reduções significativas do total da dívida, incluindo pela primeira vez a dívida às instituições multilaterais, designadamente o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Contudo, só 24 dos 42 países que reuniam à partida condições para ser abrangidos pelo programa passaram à etapa seguinte (decision point) que lhes permitirá conseguir uma redução substancial da dívida.

Existe, contudo, a convicção de que é preciso ir ainda mais longe e que muito dificilmente países em desenvolvimento com elevadas dívidas podem superar os seus problemas sem uma redução da sua dívida externa.

 

O comércio internacional

Um dos aspectos mais críticos da globalização tem que ver com desiguais condições de acesso aos mercados entre países ricos e países pobres.

A agenda do sistema multilateral do comércio até à criação da Organização Mundial do Comércio foi dominada pelas prioridades dos países desenvolvidos. Os países menos desenvolvidos foram obrigados a abrir os seus mercados aos produtos industriais dos países desenvolvidos enquanto estes vão mantendo os seus mercados fechados aos produtos daqueles, designadamente produtos agrícolas ou têxteis.

A última reunião da OMC realizada em Doha permitiu pela primeira vez a negociação de um conjunto de questões do interesse dos países menos desenvolvidos, designadamente a redução dos subsídios aos países agrícolas e a melhoria do acesso ao mercado para os produtos não agrícolas mediante redução ou eliminação de barreiras aduaneiras. Também em Doha se decidiu pelo lançamento de um “development round” para aprofundar estas questões.

Saliente-se, entretanto, o compromisso assumido pela União Europeia em eliminar de 2002 a 2004 a totalidade das restrições aduaneiras às importações dos países menos desenvolvidos de todos os bens excepto armas (All But Arms Initiative).

Também os EUA, relativamente a 34 países da África Subsariana, aprovaram o AGOA (Africa Growth Opportunity Act), que aplica a estes países o novo sistema generalizado de preferências.

__________
1 Relatório do Desenvolvimento Humano, PNUD, 2001.
2 Relatório Sobre a Situação dos Países Menos Desenvolvidos, UNCTAD, 2002.
3 Ver “Globalization and its Discontents”, Joseph Stiglitz, N.Y. 2002.

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* Luís Amado

Licenciado em Economia pelo ISEG. Ex-Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros e da Cooperacão. Visiting Researcher na Universidade de Georgetown.

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