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AQUI! Apesar de o país ter crescido anualmente a um ritmo de 4,5% (1990-5),
as crises brasileira e asiática dos anos 90, aliadas a factores externos,
arrastaram o país para desequilíbrios externos insustentáveis. Às vésperas da eclosão da crise asiática, em 1998, mal se podia imaginar que o exemplo de sucesso em que aparentemente se transformara aquela que no início do século XX se situava entre as dez economias mais prósperas do mundo (1) era apenas ilusório, escondendo uma situação económica periclitante e que fazia mesmo temer a bancarrota.
Do plano de 1991 aos planos do século XXI O apoio do FMI e uma conjuntura económica internacional favorável permitiram à Argentina encetar um período de forte crescimento nos primeiros anos da década de 90. Assim, entre 1990 e 1995, o PIB aumentou, em termos médios, acima dos 4,5% ao ano, apesar do impacte negativo da Guerra do Golfo, no início da década e, mais tarde, da crise do México (que penalizou fortemente a Argentina, cujo PIB caiu, em 1995, cerca de 2,8%). Este crescimento do produto foi acompanhado pela redução da inflação para valores inferiores a dois dígitos (2) e por uma significativa modernização do aparelho produtivo, em parte como resultado do acréscimo do investimento estrangeiro no país. O turbulento final dos anos 90, com o surgimento de crises de maior ou menor amplitude, do Sudeste Asiático ao Brasil, teve um forte impacte na economia argentina, arrastando desequilíbrios externos insustentáveis. Estes foram propiciados pela desaceleração da procura mundial e ainda pela excessiva valorização do peso, devido à manutenção de um regime de indexação irrealista ao dólar norte-americano. A questão cambial foi fulcral, sobretudo num contexto em que os principais competidores externos, como o Brasil, viram as suas moedas caírem fortemente ao relação ao dólar, o que lhes permitiu, contrariamente à Argentina, manter alguma competitividade no mercado externo. Deste modo, a partir de 1998 foram implementados vários programas económicos, que começaram por ter um cariz de médio prazo (1998-2000; 2000-2002), mas que acabaram por sucumbir, dando origem a múltiplos planos de emergência que, apesar de contarem, regra geral, com o apoio do FMI, vieram a revelar-se incapazes de alterar o preocupante cenário económico em que estava mergulhado o país das pampas. Em Junho de 2001, o ministro das Finanças Caballo fez aprovar um novo plano de recuperação da economia que assentava num conjunto de medidas de natureza orçamental e de apoio à competitividade das empresas (sobretudo as exportadoras), de que se destacava a aplicação de um regime cambial transitório. Este regime previa uma taxa de câmbio distinta da paridade para as operações que envolvessem mercadorias, sendo o primeiro passo para o termo da paridade entre o dólar e o peso, decretado oficialmente em 6 de Janeiro de 2002. Até ao final de 2001, a Argentina viveria ainda momentos dramáticos, nomeadamente com a implementação de fortes restrições ao funcionamento do sector financeiro, através da imposição de limitações às transferências de capitais e aos levantamentos bancários, como forma de evitar a fuga massiva de capitais e uma procura desenfreada de dólares. O fecho do mercado cambial (entre 20 de Dezembro desse ano e 11 de Janeiro de 2002), bem como as violentas manifestações nas ruas contra os apertados limites mensais aos levantamentos bancários e a transformação automática dos depósitos à ordem superiores a 10 mil dólares em aplicações a prazo, são dois exemplos bem sintomáticos do caos em que se encontrava mergulhada a Argentina nos primeiros dias de 2002. Finalmente, em Janeiro de 2002, o governo argentino decretou o fim do peg ao dólar. Poucos dias depois, o Estado entrava em incumprimento no pagamento de uma emissão de dívida pública: o caos estava agora no seu auge.
E agora, Argentina? A adopção de um regime de câmbios flexíveis, bem como uma aparente vontade das autoridades de combater o despesismo e equilibrar as contas públicas, foram recebidas positivamente pela generalidade dos observadores. No entanto, rapidamente se percebeu que o clima de instabilidade política e social e, sobretudo, as graves deficiências da economia estavam longe de se encontrar superadas. Uma vez mais, o detonador acabou por ser o mercado cambial, com os argentinos a assistirem estupefactos a um movimento de fortíssima depreciação do peso: da paridade face ao dólar, em Dezembro de 2001, passou-se em Junho do corrente ano para uma taxa de câmbio na ordem dos 3,50. A estabilidade do peso argentino, que continua a ser uma condição fundamental para o reequilibro da economia, parece muito longe de se poder atingir. Na verdade, a procura por dólares tem vindo a intensificar-se, reflectindo as expectativas dos agentes económicos de que, mais tarde ou mais cedo, se irá assistir a novos movimentos bruscos de depreciação do peso, pelo que é mais seguro investir em dólares. Por outro lado, os exportadores demostram uma enorme relutância em “entregar” ao sector financeiro os dólares que obtém, preferindo retê-los. Cria-se, deste modo, um desequilíbrio substancial no mercado cambial, que penaliza o peso, provoca intervenções do banco central para suster a queda da moeda (à custa das suas próprias reservas) e agrava o clima geral de desconfiança em relação à evolução do peso. Numa altura em que muito se fala de recuperação das economias a nível global, impulsionada pela esperada aceleração do crescimento nos EUA, a Argentina tem uma oportunidade única para, aproveitando uma fase mais positiva do ciclo, empreender o conjunto de reformas estruturais necessárias à modernização da sua economia. Essa oportunidade ganha contornos ainda mais consistentes se for concretizado um cenário, em que muitos apostam agora, de inversão dos movimentos de capitais (no passado mais favoráveis para os activos denominados em dólares), rumo aos mercados emergentes (3).
Estará o Brasil sossegado? Numa abordagem superficial, pareceria inevitável que os efeitos de arrastamento da crise na Argentina se sentissem um pouco por toda a América Latina, com particular incidência no Brasil, parceiro no Mercosul e com importantes ligações económicas à Argentina. Todavia, pelo menos até ao momento, tal parece não se ter verificado. Tanto o mercado cambial, como o mercado de taxas de juro e, até, o segmento accionista evidenciaram no Brasil uma maturidade assinalável, mesmo nos períodos mais conturbados da crise argentina. Na verdade, a economia e o sector financeiro no Brasil terão reagido mais intensamente aos desenvolvimentos internacionalmente marcantes, de que se destacam os atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos e a queda das bolsas a nível global durante a maior parte do ano transacto (4), do que propriamente às (más) notícias de Buenos Aires. Podem-se encontrar essencialmente duas explicações para esta ausência de efeitos de arrastamento da crise argentina. Por um lado, apesar do peso regional da economia argentina, o Brasil é uma potência económica substancialmente mais forte, com um PIB cerca de 2 vezes superior ao da Argentina. Aliás, a Argentina representa apenas aproximadamente 10% do comércio externo do Brasil, sendo os Estados Unidos e a área do euro parceiros comerciais bastante mais importantes para os brasileiros. Talvez mais importantes ainda tenham sido os ensinamentos de crises anteriores, que, tendo inicialmente origem numa área geográfica circunscrita, rapidamente alastraram para outras economias, especialmente para as mais abertas ao comércio externo. Desta vez, os governos souberam manter a calma e os investidores distinguir entre as diferentes forças em jogo, pelo que foram muito reduzidos os efeitos de contágios da crise argentina aos países limítrofes da América Latina. Por tudo isto, enquanto os principais analistas apontam para quedas do produto interno bruto na Argentina que poderão atingir 13% em 2002, e 1,5%, em 2003, para o Brasil as previsões são bastante mais optimistas, com acréscimos do produto nos dois anos em causa de 1% e 4%, respectivamente.
Informação complementar O batuque das panelas e a paciência dos militares ... O clima de turbulência social na Argentina voltou, nos últimos meses, a estar tristemente na ordem do dia. Na verdade, a suspensão das operações bancárias e cambiais pelo banco central e a transformação compulsória de uma parte substancial dos depósitos bancários em obrigações do tesouro argentino despoletaram a ira popular, com o regresso das manifestações às ruas de Buenos Aires e o inevitável barulho das panelas a voltar a invadir a capital. Para agravar um pouco mais a situação, sucessivas rondas de negociações com o FMI continuam a fracassar, com os argentinos a visitarem Washington à procura de dólares e o Fundo a “apertar” ainda mais as exigências, impondo agora como condição para a retoma das negociações o estabelecimento de um pacto orçamental entre o governo central e as autoridades provinciais, por forma a controlar os gastos públicos. Por outro lado, estima-se que neste momento cerca de 25% da população argentina esteja no desemprego, muitos em condições próximas do limiar da pobreza. Perante este enquadramento, começa a pairar novamente a sombra dos
militares que, até ao momento, têm dado provas de grande contenção, sem
se imiscuírem na evolução política do país. Ou não tivesse a Argentina
do pós-II Guerra Mundial vivido mais de 25 anos em regime de ditadura
militar... Plano de fundo monetário internacional para a econemia Argentina Previsões
do fundo monetário internacional em abril de 2002
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