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Portugal no contexto da globalização

José Manuel Amado da Silva *

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No contexto do posicionamento de Portugal face à globalização, foi editada recentemente uma publicação coordenada por Boaventura Sousa Santos, intitulada “A Sociedade Portuguesa Perante os Desafios da Globalização: Modernização Económica, Social e Cultural”. A publicação em oito volumes inclui uma classificação de países relativamente ao fenómeno da globalização em centrais, semi-periféricos e periféricos. Portugal estaria incluído na segunda categoria, tanto podendo retirar vantagens do fenómeno da globalização, como sofrer uma despromoção na hierarquia do sistema mundial.

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Procurando ser objectivo, que dados empíricos são relevantes para medir a posição de Portugal no contexto da globalização?

E que contexto é este? Como se mede?

No entanto, os dados empíricos, para serem úteis, pressupõem, a um tempo, uma definição do que está a ser medido e uma métrica para a sua efectivação. Mas como fazê-lo para a globalização e, sobretudo, para um país pequeno?

E a este propósito não posso calar a voz de Alessandro Baricco que, a propósito da globalização, afirma: “Uma definição da globalização, boa para todos, não existe pela simples razão de que nós temos ideias diferentes sobre o que é verdadeiramente esta globalização... e porque já não há definições.” E continuava: “… Quase toda a gente se acha capaz de se declarar pró ou contra a globalização, mas muito poucos sabem o que ela é”.

A posição de Baricco sobre a globalização é muito interessante porque assenta numa busca de entendimento do fenómeno que foi sendo traduzido na modificação da sua posição face a ele, começando por confessar a sua ignorância face ao visionamento na TV das cenas de Génova e o sentimento de culpa por não saber de que lado estava para encetar um processo de aprendizagem que o levou de uma posição inicial muito crítica a uma conclusão interessantíssima:

“… Penso nas pessoas convencidas de que a globalização que nos estão a vender não é um sonho errado. É um sonho pequeno. Parado. Bloqueado. É um sonho cinzento, porque sai directamente do imaginário dos chefes de empresas e dos banqueiros. Num certo sentido, tratar-se-ia de substituir o sonho deles pelo nosso e realizá-lo.”

É talvez este mesmo objectivo que persegue B. Boutros-Ghali quando propõe a “democratização da globalização”, incluindo a democratização e a desburocratização das instituições internacionais, particularmente as ligadas à ONU e a modificar as abordagens das instituições criadas em Bretton Woods.

Neste particular, Alain Minc em artigo publicado em Agosto de 2001 no “Público” afirmou, a propósito dos incidentes de Génova ligados à globalização, que se o nascimento de uma opinião internacional é uma boa notícia, era necessário não o confundir com as ONG, “tornadas vestais da modernidade”, porque estas não aplicam a si mesmas os princípios de transparência e de governação que zelosamente exigem aos outros detentores do poder.

A par dos objectivos de B. Boutros-Ghali, vale a pena evidenciar, até pela experiência específica dos seus autores, as propostas de Michel Albert, Jean Boissonat e Michel Camdessus de humanizar a globalização, ao mesmo tempo que salientam que a opinião pública permanece legitimamente céptica quanto às posições de líderes mundiais que se dizem empenhados em transformar a globalização mas não falam de reformas para aí chegar.

B. Boutros-Ghali ratifica esta posição ao afirmar a falta de interesse dos Estados e da opinião pública face aos problemas internacionais, que se interessa sobretudo pelos problemas locais e nacionais.

Um texto sobre “Portugal no Contexto da Globalização” poderia ser espúrio face à publicação bastante recente de 8 volumes relativos ao projecto “A Sociedade Portuguesa Perante os Desafios da Globalização: Modernização Económica, Social e Cultural”, coordenado por Boaventura de Sousa Santos.

Só que o estudo não dá resposta aos problemas da métrica da globalização e da posição portuguesa nesse contexto.

Com efeito, no prefácio ao 1º volume, Boaventura S. Santos reconhece que “os quadros analíticos desenvolvidos pelas ciências sociais tiveram como unidade de referência as sociedades nacionais,” … pelo que as teorias existentes são obsoletas.

Este aviso reclama, então, muita cautela com conclusões precipitadas e a não confusão entre sinais da globalização e efeitos da globalização.

Tentando uma classificação de países, Boaventura S. Santos classifica-os em centrais (“os que presidem à globalização hegemónica (e) que são os que dela têm tirado mais vantagens, os semiperiféricos (onde coloca Portugal) e os periféricos.

Diz que os semiperiféricos “tanto podem cavalgar a globalização hegemónica para, com base nela, obter alguma promoção na hierarquia do sistema mundial, como podem ser cavalgados por ela nos declives que conduzem à despromoção”. Centrando-se no espaço da UE, coloca a Espanha e a Irlanda naqueles onde a primeira possibilidade tem ocorrido e a Grécia e, sobretudo, Portugal, que parecem condenados à segunda.

É, afinal, este o desafio que a globalização põe a Portugal. Deixamos aqui alguns traços desse desafio, a par de, em texto secundário, darmos as diversas posições de Portugal no contexto do desenvolvimento humano.

O primeiro deles é, segundo o estudo para 2002 do IMD – International Institute for Management Development no seu “World Competitiveness Yearbook”, um estudo sobre 48 economias desenvolvidas e emergentes, Portugal aparecer colocado no 33º lugar, longe do 28º do ano 2000 e, atenção, atrás da Estónia, Hungria e República Checa, candidatos à integração europeia, aparecendo em 40º no que toca ao impacte da globalização e em 46º na resposta à pergunta sobre se “a globalização está a ameaçar a vossa economia”. Estes dados parecem dar razão aos receios de Boaventura S. Santos, mas vão em sentido contrário à posição de Robert Solow, Prémio Nobel da Economia, em Lisboa, que afirmava que Portugal é favorecido pela globalização.

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O segundo aspecto, que em nosso entender não tem sido suficientemente valorizado como criando assimetrias de desenvolvimento no âmbito da globalização (que deveria ser um encontro multicultural), é o da língua, devido à hegemonia anglo-saxónica. O primeiro gráfico evidencia bem como as PME portuguesas, em princípio, não estariam mal colocadas nesse contexto. E, no entanto, … veja-se a Irlanda! Uma lição a tirar por todos!

E isso leva-nos ao terceiro traço – a vertente cultural da globalização. É muito curioso que no seu “The World in 2002”, “The Economist” descrevendo, sumariamente, vários países do mundo, acaba sempre com uma nota sobre o que é importante observar no ano que está para vir. Na grande generalidade dos países as questões em observação são económicas e políticas. Mas, para Portugal, o que se pretende observar é surpreendente: “Os Lusíadas”, o poema épico com 400 anos, contando a viagem de Vasco da Gama à Índia, é um clássico normalmente ensinado aos estudantes no 9º ano. Mas em 2002 o Governo quer colocá-lo no 12º ano. Não é suficientemente relevante para as novas gerações, dizem os proponentes, e a linguagem está fora de moda.

Os tradicionalistas lutarão para evitar a mudança.” Também B. Boutros Ghali (pág. 129-130) salienta o papel da francofonia, da lusofonia e da hispanofonia, sobretudo em África, como fundamentais na sua “agenda para a democratização”, dizendo mesmo que “esses países (os africanos) receiam menos o neocolonialismo dos antigos impérios que o neocolonialismo das organizações internacionais”.

No fundo, está em questão a identidade cultural no âmbito da globalização. Esta leva à necessidade de entender quem são os principais actores da globalização, que podem ser vistos em dois planos. O plano económico é um deles e aí tem-se salientado o papel das transnacionais e a subserviência inevitável, por falta de força dos governos nacionais, a esses colossos. Duas notas põem algum “grão de sal” nessa posição. No segundo gráfico, retirado de um artigo de Martin Wolf (Financial Times 2.06.2002), contraria-se, em bases sólidas, a ideia largamente difundida de que, das 100 maiores economias no mundo, 51 são empresas e apenas 49 são países. Como diz M. Wolf “a ideia de que as ‘corporations’ têm mais poder que os governos baseia-se em cálculos enviesados e confusão conceptual (confundem Valor Acrescentado com Volume de Negócios)”.

A outra nota retira-se de “From Global to Metanational: How Companies win in the knowlegde economy”, de que um dos autores é o português J. Pinto dos Santos, evidenciando o papel relevante das empresas metanacionais que nascem em países pequenos, que não consideram fatalidades nem a dimensão nem a periferia. Desafios, pois, aos governantes e aos empresários portugueses.

No segundo plano – o geográfico – tal como refere Allen Scott, a globalização cria um novo regionalismo que radica numa série de nós densos de trabalho humano e comunidades de trabalho – as designadas cidades-região globais – que polvilham o mundo e são os centros das grandes decisões. Como adensar esses nós em Portugal? Como incluí-los nas redes das cidades-região globais? E como ligá-los ao resto do território? Os desafios estão aí. Semiperiféricos para sempre?

 

Informação complementar

Globalização e Desenvolvimento Humano

As preocupações de democratizar e humanizar a globalização referidas no texto principal têm sido assumidas pela PNUD, que dedicou o seu Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 1999 ao problema da globalização. Mesmo sem ter subtítulo na capa, creio poder assumi-lo como o que vem na introdução do Relatório – Globalização como uma face humana. Curiosamente, três anos depois, o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2002 tem como subtítulo “Aprofundar a democracia num mundo fragmentado”. Isto significa que a globalização (ainda?) não homogeneizou, mas terá feito emergir a visão da fragmentação do mundo, perante uma série de critérios e propostas para a concretização da globalização humana feita no Relatório de 1999. De entre essas propostas, saliento o envolvimento de políticas de promoção do desenvolvimento humano, incluindo as de “protecção social”, numa lógica de cooperação internacional, mas que tem que envolver países, comunidades, empresas e ONG. Pretende-se, com isso, que a globalização signifique: ética – respeito pelos direitos humanos, desenvolvimento – menos pobreza das pessoas e dos países, equidade – menos e não mais disparidades, inclusão – não marginalizar nem excluir pessoas e países, segurança humana, sustentabilidade – com respeito pelo ambiente. Como políticas específicas, pôr a tecnologia (sobretudo a da informação e a biotecnologia) ao serviço de todos, criação de um mecanismo nacional para lidar com a globalização, ultrapassando a tradicional rigidez de divisão de funções ministeriais e reinvenção dos processos de governação mundial.

Como se situa Portugal no meio de tudo isto? Procuramos dar um breve desenho a partir dos dados do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2002 (ver tabela desta página). No contexto europeu, Portugal apresenta uma fraca posição para responder às solicitações impostas pela globalização, sendo que do ponto de vista institucional também não há adequada coordenação nesta matéria.

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* José Manuel Amado da Silva

Licenciado em Engenharia Mecânica pelo IST. Doutorado em Economia pela Universidade Católica Portuguesa. Docente da UAL, onde dirige o Departamento de Economia e o Centro de Estudos económicos Empresariais.

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Bibliografia

Alessandro Baricco, Next – Petit Livre sur la globalization et le monde à venir, Paris: Albin Michel, 2002.

Boutros Boutros-Ghali, entretien avec Yves Berthelot, Démocratizer la globalization, Paris: Ed. Du Rocher, 2002.

Michel Albert, Jean Boissonnat et Michel Camdessus, Notre Foi dans ce siècle, Paris: Arléa, 2002.

Allen Scott (ed.), Global City-Regions – Trends, Theory, Policy, Oxford: Oxford U. Press, 2001

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Posição de Portugal no contexto do IDH

Link em nova janela Percentagem de PME cujos executivos podem negociar em mais de uma língua

Link em nova janela Países e empresas ordenados por PIB / Valor acrescentado

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