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AQUI! Em finais dos anos 60, contudo, de uma forma recorrente e coerente, multiplicam-se as referências aos públicos, em boa medida devido a preciosas contribuições trazidas pelos cultural studies e pelas teorias da recepção. Banaliza-se, aliás, a expressão “democratização cultural”, embora proliferem os seus usos e interpretações ambíguas ou de “banda larga”. Importa, por isso, esclarecer conceitos. Como se refere no estudo sobre políticas culturais em Portugal, coordenado por Maria de Lourdes Lima dos Santos (1), “tende a associar-se a democratização cultural a programas e processos de conquista ou conversão de novas categorias sociais para o conjunto de obras legítimas, constitutivas da “cultura cultivada. O problema é então como angariar e fidelizar outros e antes arredios consumidores de obras de arte, sejam elas compostas de livros, de filmes, de peças de teatro, de peças musicais, de objectos musicais, etc. Esta constituição de novos públicos tem também por finalidade assegurar (pelo menos parcialmente) a solvência económica dos produtos culturais, minorando a dependência de subsídios e apoios públicos” (2). Duas constatações interligam-se nesta viragem em direcção aos públicos. Uma delas, como de resto se depreende da citação anterior, sublinha a legitimidade social acrescida que públicos alargados conferem às orientações das políticas culturais. Dito de outra forma, políticas públicas, criadoras de “mercados assistidos” e constitutivas do carácter excepcional dos bens culturais (a sua desmercadorização ou autonomia relativa perante os mecanismos de funcionamento livre dos mercados) requerem audiências vastas que, por si mesmas, comprovam a extensão e validade social de tais políticas. Não raras vezes, aliás, entram em conflito orientações “populistas” (defensoras da quantidade de audiências como decisivo indicador de utilidade social) e “elitistas” (narrativas de apologia de que as obras devem permanecer num patamar acima da sua apropriação real, já que a qualidade não pode ou não deve ceder a imperativos de legitimação política, social e/ou económica e dado, ainda, que muitas dessas criações, pela vanguarda ou originalidade dos seus códigos, se dirigem a um público que há-de vir). Uma outra razão para a centralidade das orientações políticas visando alargar a composição social, etária, sexual, étnica dos públicos liga-se, por sua vez, a um conjunto de redefinições dos direitos de cidadania e de participação democrática. A valorização das instâncias de mediação cultural surge intimamente associada ao combate às velhas e novas formas de “exclusão social”, impossíveis de descortinar, por sua vez, sem uma análise cuidadosa da génese das “culturas de imposição” de um gosto, de um código estético e/ou artístico ou de uma visão do mundo.
Portugal e a UE: défice ou fosso? A análise comparativa é a mãe das especificidades e dos estudos de caso. Sem o conhecimento do outro, sem esse permanente e tenso jogo de espelhos, torna-se impossível descortinar uma identidade, um perfil, uma diferença específica ou distintiva. Ao analisarmos os dados resultantes de um recente inquérito eurobarómetro sobre a participação dos europeus nas actividades culturais (3) obtemos acrescida luz sobre o já vasto património de saber acumulado a propósito das práticas culturais dos portugueses (4). É em relação, afinal, que nos apercebemos da situação... É possível, então, notar três tendências mais marcantes: • Integração nas lógicas dominantes das práticas culturais europeias, nomeadamente as que se encontram ligadas aos espaços-tempos doméstico-receptivos e ao que Donnat (5) apelidou de economia mediático-publicitária: ver televisão e ouvir rádio. É a este nível do panorama audiovisual europeu que se situa uma das ambiguidades mais curiosas de afirmação identitária. Por um lado, favorece-se, em combinação estreita com as indústrias culturais e com a publicidade, a produção de um stock relativamente limitado de programas e conteúdos. Corre-se o risco, inclusivamente, de um nivelamento por baixo, próprio do que alguns apelidam de cultura Mcworld ou tendência fast thinking. Por outro lado, é neste mesmo terreno que se joga uma das mais significativas possibilidades de um mosaico cultural europeu, dotado de uma certa coerência, em particular face aos Estados Unidos, mas internamente fragmentado, respeitando diferenças e adicionando repertórios. As discussões sobre o serviço público de televisão, a educação para os media, a autonomia do cinema europeu, o carácter excepcional dos bens culturais, a proliferação de canais especializados por cabo encontram aqui o seu domínio de eleição. • Com excepção da marca anteriormente referida – uma fortíssima exposição à economia mediático-publicitária por parte de um número esmagador de europeus, independentemente da sua nacionalidade – os portugueses revelam persistentes indicadores de um fortíssimo e amplo alheamento face aos mundos da cultura. Num domínio considerado crucial para a aquisição de competências (fala-se, já, de uma literacia digital) Portugal sobressai na cauda da União Europeia. Não acredito, é certo, em determinismos tecnológicos nem tão-pouco em atrasos irreversíveis. Se, em vastas áreas, Portugal recuperou em escassas dezenas de anos de atrasos ancestrais, nada obriga a um pessimismo devastador. Aliás, analisando de uma forma mais fina as razões subjacentes à utilização da internet pelos europeus constatamos, com facilidade, que predominam os usos lúdicos e conviviais como, por exemplo, “trocar e-mails com a família, os amigos ou os colegas”, razão primeira com 5,8% das respostas. Contudo, é inegável que se assiste a uma formação de comunidades interpretativas a partir da net, que se desenvolvem linguagens e redes originais e que, por poderoso efeito de analogia, vastas práticas sociais são colonizadas por esta gramática em emergência. Daí que o lugar ocupado por Portugal possa acrescentar iliteracia à iliteracia...Contudo, algo surpreendentemente, deparamo-nos com uma forte adesão dos portugueses à leitura expressiva, isto é, dissociada de obrigatoriedade e fortemente conotada com usos lúdicos. De qualquer forma, a esmagadora maioria não lê mais do que uns escassos sete volumes por ano. Confirma-se, assim, o diagnóstico de vários inquéritos à leitura dos portugueses (6) no que concerne ao predomínio dos “pequenos leitores”. Não deixa de ser curioso apontar, uma vez mais, o divórcio existente entre o universo escolar e o mundo da leitura. Lê-se por prazer – e este encontra-se algures fora dos muros da escola... (7) Além do mais, o livro perde, definitivamente, o estatuto de objecto cultural por excelência, num campo onde se diversificam os repertórios e os suportes. Não é por acaso que os europeus – para além da crescente adesão à informação digital – lêem bem mais frequentemente revistas e jornais. Nestes domínios, uma vez mais, o défice português é avassalador. Atente-se apenas neste indicador: enquanto 46% dos europeus lê jornais entre cinco a sete dias por semana, apenas 25,1% dos portugueses se encontra em iguais condições. • Finalmente, a cultura de saídas e a frequência dos espaços públicos e semi-públicos encontra-se em regressão junto de parte considerável dos europeus. Com excepção do cinema (de novo a ligação ao pólo audiovisual...), da frequência de bibliotecas, da visita a monumentos históricos e da ida a acontecimentos desportivos, insinua-se e cresce o deserto... Concertos, teatro, museus, galerias e dança captam públicos residuais. Na maior parte dos casos Portugal obtém, de novo, das mais baixas taxas de frequência. Tal não acontece, no entanto, no que diz respeito à frequência das bibliotecas públicas, indicador, parece-me, do que de mais coerente e consolidado existe ao nível das políticas culturais públicas em Portugal: a expansão contínua e com constantes saltos qualitativos da rede de bibliotecas públicas que abrange hoje a esmagadora maioria dos concelhos. Sem surpresa, é colossal o peso relativo dos europeus alheados de qualquer actividade criadora – fazer fotografia, teatro, canto, dança, escrever... Esta é, sem dúvida, uma das esferas que não pode igualmente fugir a uma política audaz de democratização cultural, tão audaz que toque, mesmo, nos pilares da democracia cultural, enquanto exercício reconhecidamente legítimo e legitimado de expressão por obras e formas de expressão/participação de uma determinação percepção cultural e/ou artística do mundo.
Nota conclusiva Existe, é sabido, um défice cultural português que espelha, embora não de forma automática, níveis e modelos de desenvolvimento, formas de gestão e apropriação democrática dos espaços públicos e semipúblicos, grandes desigualdades no espaço social, percepção aguda dos níveis de distância face ao poder e elevados níveis de (des)mobilização cognitiva (89. No entanto, parece igualmente claro que partilhamos as mesmas tendências gerais. O que me leva a citar Villaverde Cabral: a prazo verificar-se-á “um gradual esbatimento das diferenças de atitudes e comportamentos que ainda distinguem Portugal dos padrões médios da Europa Comunitária” (9). Mas fica sempre a pergunta, como dedo apontado: “Quando”? Cabral, Manuel Villaverde, “Portugal e a Europa: diferenças e semelhanças” in Análise Social, nº 118/119, 1992. Conde, Idalina, “Cenários de práticas culturais em Portugal (1979-1995) in Sociologia – Problemas e Práticas, nº 23, 1996. Donnat, Olivier, Les Français face à la Culture, Paris, éditions la Découverte, 1994. Freitas, Eduardo et al., Hábitos de Leitura. Um Inquérito à População Portuguesa, Lisboa, D. Quixote, 1998. Santos, Maria de Lourdes Lima dos Santos (coord.), As Políticas Culturais em Portugal, Lisboa, Observatório das Actividades Culturais, 1998. Spadaro, Rosário, La Participation des Européens aux Activités Culturelles, Bruxelles, Commission Européenne/Eurostat, 2002.Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Europeus
que lêem por razões exteriores à escola e ao trabalho
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