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AQUI! O artigo baseia-se num estudo que procura identificar o papel do
habitat na inserção social de ciganos e da população africana ou de
ascendência africana, a residir nas áreas metropolitanas de Lisboa
e Porto. A identidade social, enquanto “organizador” e referente de relação entre grupos, indicia e reflecte trajectórias individuais e sociais, constituindo sinais sobre situações de (des)ajustamento social. Os estudos sobre os mecanismos de formação de identidade social revelam que a identidade social positiva em relação ao grupo de pertença e deste em relação aos demais grupos afigura-se fundamental à existência do grupo. Contudo, a reprodução de uma identidade social positiva não gera por si só reciprocidade intergrupal. É necessário que haja aceitação, abertura e tolerância em relação à sociedade de acolhimento (imigrantes) e/ou grupo maioritário (grupos étnicos minoritários). Estudos recentes (Verkuyten, 2000) têm demonstrado que os grupos minoritários possuem identificações mais fortes em relação ao seu grupo e sentem-se mais ligados a ele, do que os próprios grupos maioritários relativamente aos seus próprios grupos de referência. Estes estudos têm também vindo a demonstrar que nem sempre as fortes identificações ao grupo de referência encontram correspondência em relação à manifestação de proximidade no que toca ao grupo maioritário, o que poderá estar na base do surgimento de trajectórias de afastamento ou de isolamento social. O estudo que esteve na base do que aqui se apresenta procurava identificar o lugar do habitat na inserção social dos ciganos e da população africana ou de descendência africana, ambos a residirem nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto (1). A parcela referente às trajectórias identitárias dominantes de africanos e ciganos, residentes em bairros de realojamento e de habitação degradada, foi conseguida a partir da valorização positiva ou negativa na atribuição de significado a valores, atitudes, práticas e comportamentos ao seu grupo de referência e à sociedade de acolhimento ou grupo maioritário (2). Do confronto entre estas duas avaliações resultou a construção de uma tipologia identitária, inspirada na proposta de Nimmi Hutnik (1991). Em primeiro lugar, e a partir da análise das tipologias identitárias (ver gráfico) desagregadas em função da matriz étnica de pertença, do tipo de alojamento e da área de residência, podemos observar que a aculturação surge como a principal estratégia identitária em todos os grupos considerados. O estado de dissociação, segunda tipologia mais frequente, surge em ambos os grupos com proporções significativas, principalmente nos africanos que residem em Lisboa em bairros de realojamento e nos ciganos que residem no Porto. O desejo de aculturação é um tipo de posicionamento identitário exclusivo do grupo cigano e remete para a expressão de uma forte identificação ao grupo étnico de pertença, a par de alguma “timidez” social em abarcar o que de positivo se reconhece no grupo maioritário. Como vemos, são os grupos de ciganos a residir em bairros de realojamento, quer em Lisboa, quer no Porto, os portadores deste tipo identitário. O isolamento social e a assimilação constituem os tipos identitários a receber menor atenção por parte da população inquirida.
A especificidade do grupo africano Verificamos, em primeiro lugar, a existência de um padrão muito semelhante entre homens e mulheres. Nos homens, a aculturação surge como a estratégia identitária mais marcante, sendo particularmente vincada na faixa etária mais velha. A excepção encontra-se no grupo com idades compreendidas entre os 25-29 anos, no qual a dissociação apresenta valores mais elevados. A assimilação, apesar de constituir uma posição identitária com fraca expressão, atinge o seu máximo no grupo dos 15-19 anos. Também no grupo feminino a aculturação surge com valores mais elevados em quase todas as faixas de idade, constituindo uma excepção o grupo dos 15-19 anos, no qual o estado de dissociação surge com valores mais elevados, e o grupo dos 25–29 anos em que tanto a aculturação como a assimilação apresentam valores iguais.
A especificidade do grupo cigano A análise da população cigana apresenta uma marcada distinção, quer por referência ao grupo étnico anterior, quer entre homens e mulheres. Nos homens ciganos, podemos claramente perceber a instabilidade que as tipologias aculturação e dissociação assumem à medida que vai aumentando a idade dos inquiridos. A aculturação surge como a estratégia de identidade mais marcante no grupo dos jovens ciganos (15-19 anos) e no grupo dos adultos de 30-45 anos. Por outro lado, o estado de dissociação é mais visível nos ciganos de 20-24 anos e com mais de 46 anos de idade. O grupo dos ciganos com idades compreendidas entre os 25 e os 29 anos de idade apresenta resultados suficientemente curiosos para serem alvo de maior detalhe. Ao contrário dos outros grupos, em que os inquiridos definem uma ou duas estratégias identitárias de maior prevalência, neste grupo o estado de dissociação e desejo de aculturação assumem igual valor percentual. As mulheres ciganas assinalam a diferença relativamente ao padrão masculino: a aculturação é maioritária em todos os grupos de idade, sendo particularmente saliente nas mais novas. Para além disso, enquanto a aculturação vai diminuindo à medida que a idade vai aumentando, no estado de dissociação acontece o inverso. O desejo de aculturação é um tipo identitário que encontra aqui algumas irregularidades: atinge níveis elevados nas ciganas mais novas e nas de 30–45 anos e vai, ora aumentando, ora diminuindo, nas restantes faixas etárias.
Principais tendências: da aculturação ao estado de dissociação As trajectórias identitárias de africanos e ciganos são marcadas pela existência de uma dicotomia entre a aculturação e o estado de dissociação. Este dado remete-nos para uma questão a que é preciso estar atento, na medida em que ela traduz um oscilar entre ajustamento e desajustamento social. O facto de grande parte dos estados de dissociação se encontrarem nos homens africanos e ciganos a residirem em bairros de realojamento de Lisboa, indicia que a promoção habitacional não auxiliou, pelo menos para estes casos, uma aproximação ao grupo maioritário. Em termos de desajustamento social, coloca-se a hipótese de este estado remeter para um risco social marcante, na medida em que traduz um afastamento claro em relação ao grupo maioritário/sociedade de acolhimento e um fechamento no seu grupo de referência, em particular no caso dos jovens. A consonância entre os discursos dos dois grupos considerados, em relação ao seu grupo de origem, centra-se na valorização positiva que ambos atribuem à forma como as festas e comemorações se processam, bem como a importância reconhecida ao apoio às gerações mais velhas e à solidariedade entre pares. Os aspectos negativos salientados na avaliação do endogrupo dividem africanos e ciganos: enquanto os africanos se mostram preocupados com o comportamento da chamada segunda geração – tantas vezes associado a problemas de delinquência, insegurança e conflitualidade urbana – alguns, entre a população cigana, começam a entender o papel da escola com outros olhos, ao referirem o abandono escolar precoce como um factor de prejuízo para o seu próprio grupo. Por fim, no que se refere à leitura que estes grupos fazem dos “portugueses”, duas tónicas sobressaem: uma positiva, ancorada no sucesso profissional e escolar, e uma negativa centrada no abandono de que os idosos são alvo, a par do reconhecimento de uma sociedade etnicamente preconceituosa e promotora de discriminação.
Informação complementar As tipologias identitárias A tipologia identitária criada contempla cinco tipos, designadamente, a aculturação, a assimilação, o estado de dissociação, o isolamento social e o desejo de aculturação, este último criado especificamente para o estudo em apreço. A aculturação significa a adesão simultânea a valores, normas e regras do grupo étnico de pertença e da sociedade de acolhimento/grupo maioritário, significando, ainda que teoricamente, uma forma “ideal” de integração social. O desejo de aculturação resulta de uma avaliação positiva que os sujeitos fazem do seu próprio grupo e de uma avaliação neutra face ao grupo dos “outros”. A assimilação expressa um “corte” com o grupo de referência e uma forte identificação ao grupo maioritário/sociedade de acolhimento. O quadrante do desajustamento social é composto pelos dois tipos identitários remanescentes: o isolamento social e o estado de dissociação. No primeiro, os sujeitos veiculam representações negativas sobre ambos os grupos, expressando, assim, o seu desagrado quer em relação ao seu próprio grupo, quer ao grupo maioritário/sociedade de acolhimento. Ao contrário do tipo anterior, o estado de dissociação apresenta ainda
ícones identitários positivos, por referência ao próprio grupo. Neste
caso, os sujeitos evidenciam uma forte e positiva identificação ao grupo
de origem, mas expressam claramente o seu desgosto, ou talvez as suas
dificuldades, na assunção de um projecto de adesão a características
identitárias do exogrupo. Hutnik, N. (1991). Ethnic minority identity: a social psychological perspective. Oxford, Clarendon Press. Verkuyten, M. (2000). The benefits to social psychology of studying ethnic minorities. European Bulletin of Social Psychology, 12(3): 5-21.Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Concelhos
de residência da população africana e cigana inquirida
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