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Reconfigurações familiares: Portugal na Europa

Ana Nunes de Almeida *

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Portugal entrou tardiamente na modernidade demográfica europeia: a fecundidade iniciou a trajectória descendente sómente na década de 60, vindo desde então a registar uma rápida diminuição. Em 1983 deixou de ser assegurada a substituição de gerações. Outra alteração mais moderada diz respeito à relação entre fecundidade e nupcialidade - apesar de ainda estarem institucionalmente interligadas, 22% dos nascimentos ocorrem fora do casamento — contrastando com os restantes países do sul da Europa, com valores mais baixos, e com os países nórdicos e França, com valores mais elevados.

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A sociedade portuguesa tem sido atravessada, nas últimas décadas, por transformações relevantes no seu espaço geográfico, tecido económico, estrutura social e regime demográfico. Portugal é um Estado membro da União Europeia, uma democracia onde os valores circulam livre e intensamente. No seu território, acentuam-se os processos de litoralização e (sub)urbanização, de desertificação do interior. A terciarização da economia e a feminização do mercado de emprego são intensas. A escolarização das camadas mais jovens, a qualificação da mão-de-obra, a recomposição socioprofissional da população activa, bem como a emergência de novas classes médias urbanas (embaladas em processos de mobilidade ascendente) progridem, a maior ou menor velocidade. E as novas vagas da imigração imprimem, mais recentemente, outras marcas no tecido social.

A família constitui, também, um estratégico lugar de mudança de comportamentos e de valores. Face aos contornos do passado, o seu retrato está hoje, em certos traços, muito alterado e a variação de alguns indicadores demográficos, acentuada a partir de 1975, é disso um sinal indiscutível. Em Portugal, e na Europa.

 

Fecundidade: viragem recente e abrupta

Desde 1960 até ao presente, a fecundidade no nosso País decresce muito rapidamente: do valor médio de 3,1 filhos por mulher em idade fértil, registado em 1960 (2,6 na UE), passa-se para 1,5 em 2000 (igual à média da UE). Desde 1983, deixa de assegurar-se a substituição das gerações (ver gráfico sobre fecundidade).

A paisagem regional, outrora bem contrastada (entre litoral/interior, Norte e Sul), tende a surgir agora mais plana e homogénea. Comparando com o cenário europeu, Portugal (como de resto os países da Europa do Sul) entra tardiamente na modernidade demográfica mas, quando o faz, é de forma brusca e a velocidade vertiginosa. A queda da fecundidade contribui poderosamente para o envelhecimento da população, na base e no topo da pirâmide; para a diminuição da dimensão média da família; e os laços familiares, verticais, entre gerações alongam-se no tempo, enquanto diminui a quantidade de laços colaterais.

Como interpretar uma queda tão vincada?

O acesso cada vez mais generalizado à contracepção médica, segura e eficaz, é um factor imediato a ter em conta. Contudo, há que apontar as razões sociais desta procura contraceptiva: a emergência de novos valores sobre a sexualidade e o corpo, a conjugalidade e a procriação, bem como sobre o lugar da criança na família moderna.

A “mobilização educativa” dos pais, a aposta na escolarização dos filhos é, entre outros, um poderoso incentivo à limitação dos nascimentos.

 

Fecundidade e nupcialidade: um jogo em mudança

Outra alteração, mais moderada mas significativa, diz respeito à relação entre fecundidade e nupcialidade – no passado intimamente interligadas, hoje dando sinais de alguma dissociação. Tomando o país, como um todo (ver gráfico intitulado “Nascimentos fora do casamento”), não se nota uma viragem tão abrupta quanto a da regressão dos índices da fecundidade; aparentemente, o enquadramento institucional da maternidade continua a ser de uma importância considerável para os portugueses – ao contrário do que sucede, por exemplo, nos países nórdicos ou em França, onde a percentagem de nascimentos fora do casamento é actualmente superior a 40%. Contudo, em Portugal e em 1999, os pais de 22% dos nado-vivos (10% em 1960) não são casados, vivendo cerca de 3/4 em coabitação; é um resultado que contrasta com os dos restantes países da Europa do Sul (onde o mesmo indicador surge com valores baixos, entre os 4% da Grécia, os 9% de Itália e os 14% de Espanha). Sublinhe-se, entretanto, que a realidade nacional se revela aqui muito heterogénea: na Grande Lisboa, Península de Setúbal e Algarve, cerca de 1/3 dos bebés nasce hoje de pais não casados, enquanto a mesma situação, na Região Norte, Centro ou Açores oscila entre os 13 e 15%.

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Outros cenários para a conjugalidade

Moderada e diversamente, a união de facto (encarada ora como estádio prévio, ora como modelo alternativo ao casamento) avança assim no País e os modos de entrada na conjugalidade diversificam-se.

A taxa de nupcialidade (ver gráfico correspondente), regride lentamente desde 1975 (11,3 ‰) até ao presente (6,1‰ em 1999), muito embora seja hoje a mais alta na UE. A nupcialidade religiosa recua com intensidade (91% de casamentos católicos em 1960, 65% em 1999/2000), mostrando como, em Portugal, a laicização dos comportamentos conjugais é mais evidente que a sua desinstitucionalização.

O alongamento da duração dos estudos, para homens e mulheres, a sua entrada mais tardia no mercado de emprego atrasam, também, a idade média ao primeiro casamento (ver gráfico respectivo) situada hoje em Portugal nos 27,2 anos para os homens (30,3 na UE), 25,5 para as mulheres (28,1 na UE); ainda assim, com os belgas, os portugueses são os europeus que se casam mais jovens.

A representação da relação de casal como compromisso privado e afectivo construído a dois, independentemente de constrangimentos exteriores, torna-a mais vulnerável à ruptura. Assim, o divórcio tende a adquirir maior visibilidade nas sociedades europeias contemporâneas (ver gráfico sobre divórcio). Em Portugal, a taxa sobe continuamente desde 1975 (ano de revogação da Concordata) até ao presente (1,9‰), momento em que iguala o valor médio na UE. A sua distribuição regional e social é de resto contrastada: incide especialmente nas áreas urbanas do Sul do País e entre as classes médias.

A monoparentalidade, que em si não é um traço típico do presente (em Portugal os fenómenos migratórios alimentam tradicionalmente aquele arranjo familiar), surge agora também associada à turbulência dos novos trajectos conjugais dos adultos.

 

Universo doméstico: resistência à mudança

O ingresso massivo das mulheres no mercado de emprego, em marcha desde a passada década de 60, assume um particular vigor a partir dos anos 80 (18% de activas, em 1960, 63 % em 1999). A taxa de actividade feminina em Portugal é uma das mais altas da UE, surgindo destacada da dos outros países da Europa do Sul (onde, em média, ronda os 48%); corresponde, esmagadoramente, a um trabalho a tempo integral (nos países nórdicos, onde se aproxima dos 75%, predomina, ao invés, o tempo parcial); e incide, sobretudo, sobre as mulheres jovens e em idade de ser mães (ver quadro sobre taxas de actividade masculina-feminina). Ora, esta entrada feminina em universos tradicionalmente masculinos poderia alterar, também, os modos de organização interna da vida familiar.

A partilha de uma actividade profissional, por marido e mulher, está longe, porém, de se traduzir numa maior simetria na divisão do trabalho doméstico entre os sexos nas famílias portuguesas; independentemente de serem ou não activas, são as mulheres que asseguram o grosso das tarefas domésticas e de criação dos filhos. A casa continua a não ser um espaço misto.

Eis, assim, um domínio da vida familiar que, ao contrário dos anteriores, se mantém um bastião de comportamentos tradicionais.

 

Informação complementar

Representações e valores

O European Values Study, aplicado também em Portugal (1990, 1999), procura identificar e caracterizar valores dos europeus sobre domínios fundamentais da sua vida (trabalho, família, religião, política, amigos e tempos livres). Os resultados permitem captar representações dominantes, em Portugal e na Europa, sobre os comportamentos e os papéis familiares. Genericamente, pode apontar-se uma consensual tendência que contraria ideias feitas sobre uma suposta “crise” da família: do ponto de vista dos valores, ela continua a deter uma relevância primordial como esfera de realização pessoal. Em 1999, e face aos outros domínios, a família continua a ser “o aspecto da vida” a que os portugueses (84%) atribuem mais importância.

Entretanto, 24% dos portugueses considera “o casamento uma instituição antiquada”; mas se este resultado se aproxima, por excesso, da média respeitante à União Europeia (22%), já aquele que estima o peso objectivo da união de facto na mesma amostra, afasta dela Portugal, agora por defeito (apenas 8% dos inquiridos co-residem sem casamento, contra 18% na UE). Por outro lado, é muito acentuado no País o ideal da conjugalização da felicidade: 70% dos inquiridos (57% na UE) considera que “uma pessoa para ser feliz precisa de um casamento/relação estável”. A importância da maternidade ou paternidade para “a realização de uma mulher” ou de “um homem” continua a ser extremamente valorizada: 68% e 60% de “sim”, em Portugal – 48% e 39% na UE.

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* Ana Nunes de Almeida

Licenciada em Sociologia pela Universidade de Genebra. Doutorada em Sociologia pelo ISCTE. Investigadora principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

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Bibliografia

Almeida, A.N., “Família, conjugalidade e procriação: valores e papéis” in J. Vala, M. V. Cabral, A. Ramos(eds.) Valores sociais: mudanças e contrastes em Portugal e na Europa. Lisboa: ICS, 2002 (prelo).

Almeida, A.N., Wall, K.. “Família e quotidiano: movimentos e sinais de mudança” in J. M. B. de Brito (org.). O País em Revolução. Lisboa: E. Notícias, 2001, p. 277-307.

Ferrão, J. “Três décadas de consolidação do Portugal demográfico moderno” in A. Barreto (ed.). A situação social de Portugal, 1960-1995. Lisboa: ICS, 1996, p. 165-190.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Idade média do primeiro casamento

Link em nova janela Nascimentos fora do casamento

Link em nova janela Taxa de divórcio

Link em nova janela Taxa de nupcialidade

Link em nova janela Taxa de actividade - 1999

Link em nova janela Evolução da fecundidade 1960-1999

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