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AQUI! A família constitui, também, um estratégico lugar de mudança de comportamentos e de valores. Face aos contornos do passado, o seu retrato está hoje, em certos traços, muito alterado e a variação de alguns indicadores demográficos, acentuada a partir de 1975, é disso um sinal indiscutível. Em Portugal, e na Europa.
Fecundidade: viragem recente e abrupta Desde 1960 até ao presente, a fecundidade no nosso País decresce muito rapidamente: do valor médio de 3,1 filhos por mulher em idade fértil, registado em 1960 (2,6 na UE), passa-se para 1,5 em 2000 (igual à média da UE). Desde 1983, deixa de assegurar-se a substituição das gerações (ver gráfico sobre fecundidade). A paisagem regional, outrora bem contrastada (entre litoral/interior, Norte e Sul), tende a surgir agora mais plana e homogénea. Comparando com o cenário europeu, Portugal (como de resto os países da Europa do Sul) entra tardiamente na modernidade demográfica mas, quando o faz, é de forma brusca e a velocidade vertiginosa. A queda da fecundidade contribui poderosamente para o envelhecimento da população, na base e no topo da pirâmide; para a diminuição da dimensão média da família; e os laços familiares, verticais, entre gerações alongam-se no tempo, enquanto diminui a quantidade de laços colaterais. Como interpretar uma queda tão vincada? O acesso cada vez mais generalizado à contracepção médica, segura e eficaz, é um factor imediato a ter em conta. Contudo, há que apontar as razões sociais desta procura contraceptiva: a emergência de novos valores sobre a sexualidade e o corpo, a conjugalidade e a procriação, bem como sobre o lugar da criança na família moderna. A “mobilização educativa” dos pais, a aposta na escolarização dos filhos é, entre outros, um poderoso incentivo à limitação dos nascimentos.
Fecundidade e nupcialidade: um jogo em mudança Outra alteração, mais moderada mas significativa, diz respeito à relação entre fecundidade e nupcialidade – no passado intimamente interligadas, hoje dando sinais de alguma dissociação. Tomando o país, como um todo (ver gráfico intitulado “Nascimentos fora do casamento”), não se nota uma viragem tão abrupta quanto a da regressão dos índices da fecundidade; aparentemente, o enquadramento institucional da maternidade continua a ser de uma importância considerável para os portugueses – ao contrário do que sucede, por exemplo, nos países nórdicos ou em França, onde a percentagem de nascimentos fora do casamento é actualmente superior a 40%. Contudo, em Portugal e em 1999, os pais de 22% dos nado-vivos (10% em 1960) não são casados, vivendo cerca de 3/4 em coabitação; é um resultado que contrasta com os dos restantes países da Europa do Sul (onde o mesmo indicador surge com valores baixos, entre os 4% da Grécia, os 9% de Itália e os 14% de Espanha). Sublinhe-se, entretanto, que a realidade nacional se revela aqui muito heterogénea: na Grande Lisboa, Península de Setúbal e Algarve, cerca de 1/3 dos bebés nasce hoje de pais não casados, enquanto a mesma situação, na Região Norte, Centro ou Açores oscila entre os 13 e 15%.
Outros cenários para a conjugalidade Moderada e diversamente, a união de facto (encarada ora como estádio prévio, ora como modelo alternativo ao casamento) avança assim no País e os modos de entrada na conjugalidade diversificam-se. A taxa de nupcialidade (ver gráfico correspondente), regride lentamente desde 1975 (11,3 ‰) até ao presente (6,1‰ em 1999), muito embora seja hoje a mais alta na UE. A nupcialidade religiosa recua com intensidade (91% de casamentos católicos em 1960, 65% em 1999/2000), mostrando como, em Portugal, a laicização dos comportamentos conjugais é mais evidente que a sua desinstitucionalização. O alongamento da duração dos estudos, para homens e mulheres, a sua entrada mais tardia no mercado de emprego atrasam, também, a idade média ao primeiro casamento (ver gráfico respectivo) situada hoje em Portugal nos 27,2 anos para os homens (30,3 na UE), 25,5 para as mulheres (28,1 na UE); ainda assim, com os belgas, os portugueses são os europeus que se casam mais jovens. A representação da relação de casal como compromisso privado e afectivo construído a dois, independentemente de constrangimentos exteriores, torna-a mais vulnerável à ruptura. Assim, o divórcio tende a adquirir maior visibilidade nas sociedades europeias contemporâneas (ver gráfico sobre divórcio). Em Portugal, a taxa sobe continuamente desde 1975 (ano de revogação da Concordata) até ao presente (1,9‰), momento em que iguala o valor médio na UE. A sua distribuição regional e social é de resto contrastada: incide especialmente nas áreas urbanas do Sul do País e entre as classes médias. A monoparentalidade, que em si não é um traço típico do presente (em Portugal os fenómenos migratórios alimentam tradicionalmente aquele arranjo familiar), surge agora também associada à turbulência dos novos trajectos conjugais dos adultos.
Universo doméstico: resistência à mudança O ingresso massivo das mulheres no mercado de emprego, em marcha desde a passada década de 60, assume um particular vigor a partir dos anos 80 (18% de activas, em 1960, 63 % em 1999). A taxa de actividade feminina em Portugal é uma das mais altas da UE, surgindo destacada da dos outros países da Europa do Sul (onde, em média, ronda os 48%); corresponde, esmagadoramente, a um trabalho a tempo integral (nos países nórdicos, onde se aproxima dos 75%, predomina, ao invés, o tempo parcial); e incide, sobretudo, sobre as mulheres jovens e em idade de ser mães (ver quadro sobre taxas de actividade masculina-feminina). Ora, esta entrada feminina em universos tradicionalmente masculinos poderia alterar, também, os modos de organização interna da vida familiar. A partilha de uma actividade profissional, por marido e mulher, está longe, porém, de se traduzir numa maior simetria na divisão do trabalho doméstico entre os sexos nas famílias portuguesas; independentemente de serem ou não activas, são as mulheres que asseguram o grosso das tarefas domésticas e de criação dos filhos. A casa continua a não ser um espaço misto. Eis, assim, um domínio da vida familiar que, ao contrário dos anteriores, se mantém um bastião de comportamentos tradicionais.
Informação complementar Representações e valores O European Values Study, aplicado também em Portugal (1990, 1999), procura identificar e caracterizar valores dos europeus sobre domínios fundamentais da sua vida (trabalho, família, religião, política, amigos e tempos livres). Os resultados permitem captar representações dominantes, em Portugal e na Europa, sobre os comportamentos e os papéis familiares. Genericamente, pode apontar-se uma consensual tendência que contraria ideias feitas sobre uma suposta “crise” da família: do ponto de vista dos valores, ela continua a deter uma relevância primordial como esfera de realização pessoal. Em 1999, e face aos outros domínios, a família continua a ser “o aspecto da vida” a que os portugueses (84%) atribuem mais importância. Entretanto, 24% dos portugueses considera “o casamento uma instituição
antiquada”; mas se este resultado se aproxima, por excesso, da média
respeitante à União Europeia (22%), já aquele que estima o peso objectivo
da união de facto na mesma amostra, afasta dela Portugal, agora por defeito
(apenas 8% dos inquiridos co-residem sem casamento, contra 18% na UE).
Por outro lado, é muito acentuado no País o ideal da conjugalização da
felicidade: 70% dos inquiridos (57% na UE) considera que “uma pessoa
para ser feliz precisa de um casamento/relação estável”. A importância
da maternidade ou paternidade para “a realização de uma mulher” ou de
“um homem” continua a ser extremamente valorizada: 68% e 60% de “sim”,
em Portugal – 48% e 39% na UE. Almeida, A.N., Wall, K.. “Família e quotidiano: movimentos e sinais de mudança” in J. M. B. de Brito (org.). O País em Revolução. Lisboa: E. Notícias, 2001, p. 277-307. Ferrão, J. “Três décadas de consolidação do Portugal demográfico moderno” in A. Barreto (ed.). A situação social de Portugal, 1960-1995. Lisboa: ICS, 1996, p. 165-190.Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Idade média do primeiro casamento Evolução
da fecundidade 1960-1999
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