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Trabalho infantil: o fenómeno no mundo

Catalina Pestana *

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O conceito de trabalho infantil não tem uma definição universalmente aceite. Para efeitos estatísticos, até 2002, foi considerado pela Organização Internacional do Trabalho como “qualquer actividade desenvolvida por menores de 15 anos, durante mais de uma hora por semana e cujo efeito se reflectisse no PIB”.
Na última Conferência Anual desta organização, avançou-se mais na definição do conceito, distinguindo o trabalho infantil da actividade económica aceitável de menores, o que permite diferenciar o trabalho como componente de socialização e o trabalho como factor de exploração.


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O trabalho infantil é um fenómeno de origem e causalidade remotas e complexas. Tolerado e mesmo estimulado socialmente durante séculos pelas sociedades agrícolas, onde raramente existia intencionalidade educativa e a “educação” era adquirida por impregnação social, ganhou dimensões de violência extrema no início da industrialização.

Não sendo este o espaço para percorrer a história do trabalho infantil, ou mais exactamente da exploração do trabalho das crianças, procuraremos situar-nos na contemporaneidade para saber do que falamos quando abordamos este fenómeno socioeconómico-cultural.

A definição referência para o trabalho das crianças, em actividades lícitas da esfera económica, provém da Organização Internacional do Trabalho (OIT), através da Convenção nº 138 e da Recomendação nº 146, ambas de 1973, que determinam a idade mínima de admissão ao trabalho.

A Convenção nº 138 tem efeitos direccionados ao sector formal da economia, a cuja malha fogem muitas formas de exploração do trabalho de menores. Esta preocupação conduz à criação, junto da OIT, em 1992, do International Programme on the Elimination of Child Labour – IPEC – que visa estudar o fenómeno e apoiar os países que tomam a decisão de o combater.

De acordo com a legislação internacional, ratificada por Portugal, e com as leis nacionais que regulam o sector laboral, chamamos trabalho infantil a todas as actividades desenvolvidas por crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 15 anos de idade, que se considera terem efeitos negativos na saúde, educação e no harmonioso desenvolvimento psíquico, social e ético da criança.

Não existe qualquer definição de trabalho infantil subscrita universalmente, correspondendo esta a um consenso alargado mas que, a muito curto prazo, exige revisão, nomeadamente no que se refere à idade mínima, uma vez que todos assumimos com “boa consciência”, publicidade vária, passagens de modelos ou produções artísticas protagonizadas por bebés ou crianças com idade inferior a 6 anos.

Para efeitos estatísticos até 2002, foi considerado pela OIT que trabalho infantil era qualquer actividade desenvolvida por menores de 15 anos, durante mais de uma hora por semana e cujo efeito se reflectisse no PIB.

O relatório do Director-Geral da OIT, Sr. Somavia, “Um Futuro Sem Trabalho Infantil”, presente à 90ª Conferência anual da organização, em Junho de 2002, especifica o conceito de trabalho infantil distinguindo-o de actividade económica aceitável de menores. No parágrafo 46, é referido que “com uma única tabela para crianças economicamente activas, não era possível incluir as diferentes categorias e os diferentes graus de intensidade do trabalho que estas realizam; portanto passou a estimar-se o número de crianças (menores de 18 anos), que realizavam as seguintes categorias de actividade económica no ano 2000:

• Crianças que realizavam todos os tipos de actividade económica, inclusive durante períodos breves e cujo trabalho era leve (excepto crianças dos 12 aos 14 anos, que realizam apenas trabalhos leves; a saber, menos de 14 horas por semana, para efeitos estatísticos).

• Crianças que realizavam trabalhos perigosos que, pela sua natureza e pelo número de horas de trabalho, constituem uma ameaça para a sua saúde, segurança e desenvolvimento moral.

• Crianças que realizavam as formas inquestionavelmente mais graves de trabalho infantil.”

O conceito começa pois a ganhar contornos mais diferenciados, permitindo distinguir o trabalho como componente de socialização, de desenvolvimento do sentido de pertença ao grupo familiar ou outro, do trabalho como factor de exploração cujo combate é uma causa civilizacional.

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Dimensão e distribuição geográfica do fenómeno no mundo

As estimativas mundiais apresentadas pela OIT das diferentes dimensões do fenómeno, encontram-se categorizadas na figura “Pirâmide de crianças que trabalham”.

Percorrendo as diferentes categorias de trabalho infantil que é preciso eliminar, constatamos que são consideradas crianças com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos, facto que resulta da Convenção 182/99 da OIT sobre as piores formas de trabalho infantil, todas elas interditas a menores de 18 anos, ao contrário do acontece com o trabalho tradicional. Existe pois a partir deste documento uma clara distinção na qualificação da gravidade do problema, o que permite definir prioridades de intervenção.

O quadro relativo à distribuição geográfica do trabalho infantil no mundo mostra-nos que se a Ásia e o Pacífico são responsáveis por mais de metade das crianças exploradas, quer pela pobreza dos países que compõem esta região do mundo, quer pela sua densidade populacional, o 1% de crianças vítimas do fenómeno nos países desenvolvidos assume uma gravidade que deve interpelar cada um dos cidadãos destes países.

A maior parte da informação quantitativa sobre a exploração do trabalho infantil no Mundo, resulta de estimativas elaboradas pela OIT, através do cruzamento de dados, de vários dos seus departamentos, nomeadamente da OCDE, do Conselho da Europa e do Banco Mundial e de estudos realizados nos Estados Membros. Em alguns países, o IPEC apoiou a realização de inquéritos de âmbito nacional cujo resultado é estatisticamente rigoroso.

Muita da informação com a qual se trabalha hoje resulta de estudos de âmbito sectorial de actividade económica.

 

O que fazem as crianças que trabalham

O quadro “Distribuição do Trabalho Infantil por sectores, 1997” é ainda um referencial quando confrontado com estudos mais recentes realizados em alguns países, nomeadamente em Portugal (Caracterização dos menores em idade escolar e suas famílias – 1998, replicado em 2001).

Constatamos que 70,4% de crianças de países muito pobres trabalham no sector agrícola em condições extremamente perigosas durante mais de 10h por dia, como acontece na Índia e nas Filipinas no subsector agropecuário; no Bangladesh ou no Zimbabwe. O trabalho neste sector adquire muitas vezes uma das formas consideradas intoleráveis pela Convenção 182/99 da OIT – a servidão por dívidas. Camponeses muito pobres contraem dívidas com os donos das terras que trabalham em regime de arrendamento e não lhes resta alternativa que não seja a de oferecer, em regime de servidão, os seus filhos e filhas até à liquidação da dívida.

O trabalho agrícola pode atingir proporções graves no quadro das grandes explorações de algodão, café, sisal ou chá. Estudos realizados no Brasil, Quénia e México revelam que, entre 25% a 30% da força de trabalho utilizada nestas grandes explorações pertence a menores de 15 anos (OIT “Um desenvolvimento agrícola sustentável numa economia mundializada”, Genève 2000). Pelo contrário, em muitos países desenvolvidos ou em transição, o trabalho agrícola pode ter lugar no quadro de explorações familiares, durante certos períodos de tempo, em paralelo com a actividade escolar.

Na Federação Russa há indicadores de que actualmente as crianças trabalham menos em actividades agrícolas do que durante o período soviético.

A pesca é uma actividade ancestral dos humanos e em países como a Tailândia, S. Salvador ou as Filipinas, o trabalho das crianças nesta actividade começa muitas vezes antes dos 10 anos.

Nos países desenvolvidos o trabalho agrícola de crianças situa-se basicamente no contexto familiar ou no de actividades sazonais em período de férias escolares: vindimas, apanha de fruta entre outros. Torna-se pois evidente que dentro da categoria: trabalho agrícola, silvicultura, caça e pesca, se encontram realidades muito diferentes, a que corresponderão obrigatoriamente medidas políticas, económicas, sociais e legislativas distintas.

A diferença entre a percentagem de crianças a trabalhar em manufacturas é significativamente diferente da anterior, mas os riscos das condições de vida dessas crianças não são menores. Em produções de vestuário e calçado, bolas de futebol, fogo de artifício, paus de incenso ou velas, a mão-de-obra infantil é utilizada massivamente, nos acabamentos. No ano 2000, na China, morreram muitas crianças que no intervalo da escola fabricavam foguetes. Ninguém esquecerá as imagens de crianças de 3 anos a virar tijolos no Paquistão. Na área das manufacturas, muitas empresas utilizam o trabalho domiciliário para fugir à acção das inspecções de trabalho. Os produtos para acabar são entregues por intermediários em casas particulares, onde mulheres e crianças cosem bolas, abrem casas para botões, põem atacadores em ténis em ritmos de trabalho muito violentos, por ser pago à peça.

Na Europa, países como a Itália e a Espanha são sinalizados pela OIT como tendo um número significativo de crianças a trabalhar nesta área. Portugal foi, na década de 90, um dos países europeus mais conotados com a utilização do trabalho infantil, mas o relatório da OIT de 2002 refere no seu parágrafo 90, a prioridade dada nos últimos anos pelo Estado português ao combate do fenómeno, tendo as medidas adoptadas sido integradas no capítulo “Governos nacionais de primeira linha”.

 

Informação complementar

Legislação Internacional

Portugal ratificou os mais importantes instrumentos de direito internacional nesta matéria, nomeadamente a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), as Convenções da OIT nº 138, sobre idade mínima de admissão ao emprego (1973), e nº 182, sobre proibição e eliminação das piores formas de trabalho das crianças (1999), bem como a Carta Social Europeia, incluindo o seu artigo 7º e ainda a Carta Social Europeia Revista, nomeadamente no seu artigo 17º sobre direitos das crianças e adolescentes a uma protecção social, jurídica e económica. Por outro lado, procedeu à transposição da Directiva do Conselho da Europa 94/35/CE, relativa à protecção dos jovens no trabalho (1994).

Note-se que, no que se reporta ao direito internacional, a Constituição reconhece o princípio da recepção automática (art. 8º nº 2), segundo o qual as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. Assim, o direito internacional acima referido é parte integrante da ordem jurídica portuguesa.

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* Catalina Pestana

Licenciada em Filosofia na Universidade de Lisboa. Mestre em Psicologia Educacional pelo ISPA/Universidade de Bristol. Professora da Faculdade de Motricidade Humana (FMH). Directora do Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI).

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Distribuição geográfica do trabalho infantil

Link em nova janela Distribuição do trabalho infantil por sectores

Link em nova janela Pirâmide de crianças que trabalham

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