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Combate à exploração do trabalho infantil: o escrito e o feito

Catalina Pestana *

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No fim dos anos 80 o trabalho infantil assumia uma dimensão tal que levou a sociedade civil, a Igreja e algumas ONG’s a denunciarem a situação a nível nacional e internacional. Na sequência desta denúncia, uma ONG estrangeira elaborou um relatório e um documentário, difundindo mundialmente a mensagem de que existiam na época 200.000 crianças a exercer actividade laboral em Portugal. Em 1998 é realizado um inquérito nacional sobre esta temática, repetido em 2001, permitindo refutar o número encontrado pela ONG e chegar a uma percepção mais apurada das dimensões do fenómeno em Portugal.

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Portugal, país que durante muitos anos dispôs de um tecido económico de forte componente agrícola, tem, sobretudo em determinadas regiões, uma grande tolerância cultural em relação ao trabalho infantil.

O emergir tardio da industrialização, trouxe para as indústrias transformadoras o trabalho de crianças com a complacência da comunidade envolvente e dos próprios pais, que, portadores de muito baixa escolaridade, continuam a considerar que a utilidade dos saberes escolares é muito reduzida e que o melhor para os filhos é aprender cedo um ofício em contexto laboral.

Nos finais da década de 80, a situação assumia uma dimensão tão preocupante que a sociedade civil, sobretudo no Norte do país, se organizou para denunciar reais situações de exploração de crianças, através da sua força de trabalho. Sindicatos, organizações da Igreja Católica, ONGs que trabalham com crianças em risco, entre outros, denunciaram o fenómeno a nível nacional e internacional.

Alguns sectores produtivos, como os têxteis, o vestuário e o calçado, começaram a ser preteridos nos mercados europeus em função do estigma de que os seus produtos utilizavam a exploração de crianças na sua produção. Nalguns casos era verdade.

Uma ONG respeitável, a Anti-Slavery, envia a Portugal, em 1990/91, alguém para investigar a situação. Desse trabalho resulta um relatório e um filme. Qualquer dos documentos são militantes e impressionistas. O filme é apresentado ao mundo através da BBC e é divulgada a estimativa de 200.000 crianças a trabalhar em Portugal.

O combate ao fenómeno começa a ser assumido pelo poder político em 1991, com a reformulação do quadro básico do trabalho de menores através da qual é fixada a idade mínima de admissão para prestar trabalho em 15 anos, e em 16 anos a partir de 1 de Janeiro de 1997, com a publicação do Dec-Lei nº 396/91. Entre 1993/95 é realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), em articulação com outras estruturas da administração pública central e local e associações de pais, a campanha “Um tempo para crescer”. Em 1996, o governo pede à CNASTI (Confederação Nacional de Acção sobre o Trabalho Infantil) e ao IAC (Instituto de Apoio à Criança) a elaboração de um relatório sobre “O trabalho infantil em Portugal”, do qual decorre a constituição de um grupo de trabalho interministerial para o combate ao trabalho infantil e a criação da Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. Em 1996, o governo e os parceiros sociais inscrevem no Acordo de Concertação Estratégica o combate ao fenómeno como preocupação prioritária. Muito trabalho foi desenvolvido neste período mas defrontar um problema com grande complexidade causal e com características muito diferentes em zonas específicas do país é tarefa que exige rigor no conhecimento da realidade e decisão política para a alterar. Em 1998, é estabelecido um protocolo de colaboração entre a IPEC/OIT (International Program on the Elimination of Child Labour/Organização Internacional do Trabalho) e o Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego e Formação Profissional, para a realização do estudo “Trabalho Infantil em Portugal – Caracterização Social dos menores em idade escolar e suas famílias” e é criado o Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI) bem como o Conselho Nacional Contra a Exploração do Trabalho Infantil, estrutura independente do poder político que acompanha e supervisiona a actividade do PEETI.

O inquérito de 1998 é replicado em finais de 2001 e permite a percepção do evoluir do fenómeno. Os resultados obtidos em ambos os estudos demonstram que as estimativas internacionais estavam próximas da ficção. As previstas 200.000 crianças a trabalhar deram lugar aos resultados expressos nos gráficos aqui apresentados.

A surpresa mais significativa deste estudo nos aspectos qualitativos, situa-se na dimensão encontrada de trabalho agrícola, em quadro de ajuda familiar e com frequência da escola.

O nível etário destas crianças também passou a ficar claro, como se observa no gráfico correspondente.

Definidos os contornos gerais do problema, havia condições para definir políticas e implementar medidas legislativas, educacionais e sociais.

O PEETI definiu, em 1998, três pressupostos que continua a considerar pilares fundamentais da sua intervenção:

• O trabalho da criança é na Escola. Numa Escola inclusiva, onde os saberes conceptuais sejam tão valorizados como as áreas das expressões ou as competências sociais e manuais.

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• O trabalho é um bem precioso, que no III Milénio terá que ser bem partilhado, como a água, para chegar para todos.

A exploração de qualquer pessoa através do trabalho é um crime; se essa pessoa é uma criança, é um crime contra toda a sociedade.

• O trabalho infantil não pode continuar a ser percepcionado como um flagelo nacional ao qual o governo tem que dar resposta, mas como uma causa nacional que integra a agenda dos poderes e das oposições, das administrações públicas e privadas, das Igrejas e das colectividades laicas e sobretudo da consciência cívica de cada cidadão.

Com suporte nestes princípios sociopolíticos, foram definidas estratégias de sensibilização e formação do tecido social, nomeadamente dos grupos profissionais mais directamente relacionados com o combate ao fenómeno: professores, juízes, autarcas, médicos, profissionais de intervenção social entre outros; prevenção, procurando reduzir fenómenos de pobreza, através da articulação com as respostas sociais existentes, como o Rendimento Mínimo Garantido, ou os Programas de Luta Contra a Pobreza; identificando e procurando reduzir em colaboração com o Ministério da Educação o abandono escolar precoce, nomeadamente o que ocorre antes da conclusão da escolaridade obrigatória; remediação, sinalizando as situações de efectivo trabalho infantil e a partir daí, em diálogo com os menores e com as suas famílias, construir Planos Individuais de Educação e Formação, que podem passar pelo regresso ao sistema educativo regular, ou pela frequência de modalidades alternativas de conclusão de escolaridade básica em paralelo com formação profissional credenciada, segundo a idade das crianças envolvidas. Ambos os percursos são acompanhados por equipas móveis multidisciplinares, que articulam trabalho com os vários departamentos envolvidos e suportam o percurso de menores recuperados de situações ilícitas de trabalho. Nas situações em que a fragilidade económica da família foi causa determinante do envolvimento da criança no mundo do trabalho, são atribuídas bolsas de formação que permitem evitar desequilíbrios orçamentais graves.

A tabela sobre os “Planos integrados de educação e formação” sintetiza a actividade de remediação desenvolvida durante o ano de 2001.

Refere-se exclusivamente às situações em que aos menores foram facultadas alternativas de educação e formação, ao abrigo do Despacho-conjunto 882/99 do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Portugal é, de entre os parceiros da Europa Comunitária, o único país que assumiu o risco político de estudar rigorosamente o problema, em parceria com a OIT, e para a sua resolução tomou medidas políticas e legislativas. O relatório “Um Futuro Sem Trabalho Infantil” já referenciado, estima que na Itália existem 400.000 crianças vítimas de exploração da sua força de trabalho e em Espanha 200.000. Este tipo de estimativas revelaram-se sobredimensionadas no caso português, situação que poderá também acontecer nas situações referidas. Afigura-se-nos surpreendente que outros países que assumiram, na Conferência de Lisboa “Políticas de Combate à Exploração do Trabalho Infantil na Europa”, em Fevereiro de 2001, a existência deste problema, não sejam referenciados. Mesmo nas organizações internacionais mais respeitáveis, como é o caso da OIT, onde todos os Estados membros são considerados de igual forma, uns parecem apesar de tudo... mais iguais que outros.

 

Informação complementar

Legislação Nacional

Constituição da República Portuguesa

Artigo 69º, nº 3 – É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar.

Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408 de 24 de Novembro de 1969, capítulo VIII, alterado pelo Decreto-Lei nº 396/91 de 16 de Outubro, pela Lei nº 58/99 de 30 de Junho e pela Lei nº 118/99 de 11 de Agosto, artigos nos 122º, 123º e 124º e artigos 5º e 6º da lei nº 58/99.

Os menores não podem ser admitidos a prestar trabalho

Antes dos 16 anos completos.

Antes de concluída a escolaridade obrigatória.

Se não dispuserem da capacidade física e psíquica adequada ao posto de trabalho, certificada por exame médico a realizar antes do início da prestação do trabalho, ou até 15 dias depois da admissão, se esta for urgente e houver consentimento dos representantes legais do menor.

Se se verificar oposição escrita dos seus representantes legais.

Resoluções do Conselho de Ministros nº 75/98 de 2 de Julho e nº 1/2000 de 13 de Janeiro que criam o Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil e o Conselho Nacional Contra a Exploração do Trabalho Infantil.

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* Catalina Pestana

Licenciada em Filosofia na Universidade de Lisboa. Mestre em Psicologia Educacional pelo ISPA/Universidade de Bristol. Professora da Faculdade de Motricidade Humana (FMH). Directora do Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI).

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Bibliografia

Azevedo, J. (1999), Inserção precoce de jovens no mercado de trabalho, Colecção Cadernos PEETI 1 – Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Leitão, M. J e Grupo de Trabalho nomeado, Guia de legislação e Recursos sobre Trabalho Infantil, (1999),  Colecção Documentos PEETI 1 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Leitão, M. J. (1999) A Regulamentação do trabalho de menores, Revista Sociedade e Trabalho nº.5 – Ministério do Trabalho e da Solidariedade

Pestana, c. (2001), Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil: Medidas Políticas e Legislativas, Colecção Documentos 3 – Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Sarrmento, M. J. e outros (2000), Trabalho domiciliário infantil – um estudo de caso no Vale do Ave, Colecção Cadernos PEETI 2 – Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Sousa Fialho, a. e Grupo de Trabalho nomeado (2000), Trabalho Infantil em Portugal – Caracterização social dos menores em idade escolar e suas famílias, Colecção Cadernos PEETI 3 – Ministério do Trabalho e da Solidariedade

Actas do Seminário Exploração do Trabalho Infantil, Conhecer, Intervir, (1999), Colecção Documentos PEETI 2 – Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Actas da Conferência Internacional Políticas de Combate à Exploração do Trabalho Infantil na Europa (2001), Colecção Documentos PEETI 4 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Réclamation nº 1/98: Commission internationale de Juristes contre le Portugal (2000), Droits de l’homme, Cahiers de la Charte sociale – nº 9, Editions du Conseil de l’Europe.

Um Futuro Sem Trabalho Infantil (2002), Relatório do Director-Geral da OIT,  90ª. Reunião da Conferência Internacional do Trabalho em Genebra.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Síntese dos planos individuais de educação e formação

Link em nova janela Distribuição dos menores com actividade económica

Link em nova janela Menores com actividade económica na semana de referência

Link em nova janela Situação dos menores face à actividade económica na semana de referência

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