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AQUI! Os acontecimentos do 11 de Setembro tornaram evidente a deslocação do centro de gravidade das tensões mundiais da Europa, onde residiu durante a “Guerra Fria”, para a Ásia e evidenciaram como actores fundamentais das décadas que se seguem, países como a Índia, a China, o Irão e a Turquia, pertencentes a civilizações bem distintas das do Ocidente; a posição futura dos EUA na geopolítica mundial vai depender do modo como cooptarem algumas destas potências para o seu sistema de poder mundial, e do modo como neutralizarem a capacidade de outras se organizarem como pólos de oposição ao poderio americano. Os acontecimentos do 11 de Setembro aceleraram uma profunda mudança na estratégia dos EUA para lidar com as potências nucleares não aliadas e com os Estados que ameaçam tornar-se potências nucleares; esta mudança cristaliza-se no papel central das defesas estratégicas – envolvendo nomeadamente o abandono do Tratado ABM – e na ameaça de ataques preventivos convencionais contra Estados que se aliem ao terrorismo internacional e levem a cabo programas destinados à obtenção de armas de destruição maciça que possam ameaçar os EUA ou os seus aliados regionais. Os acontecimentos do 11 de Setembro trouxeram para primeiro plano a Al-Qaeda enquanto actor geopolítico não estatal que deve ser visto não como um movimento fundamentalista islâmico mas como um movimento político radical, usando métodos terroristas, disposto a dar uma nova solução política unificadora ao mundo árabe, utilizando o islão como factor legitimador (muito possivelmente sob a forma da instauração de um novo califado); a Al-Qaeda opõe-se quer aos nacionalismos árabes de matriz laica e socializante, que a seu ver se revelaram incapazes de realizar essa unificação, quer às monarquias saudita e hachemita consideradas como aliadas do Ocidente e por isso mesmo detestadas; o projecto político da Al-Qaeda supõe o acesso a armas de destruição maciça sob controlo árabe, uma utilização agressiva da arma do petróleo e uma alteração radical das expectativas das sociedades árabes que torne possível gerir com maior liberdade as receitas do petróleo; a Al-Qaeda, segura da sua base de apoio junto de sectores da Arábia Saudita, utilizou as relações estabelecidas durante a fase final da “guerra fria” para se implantar no Afeganistão, através dos taliban, e para estreitar relações no interior do Paquistão, o único país islâmico detentor da arma nuclear. Derrotada no Afeganistão, a Al-Qaeda, para além de prosseguir uma batalha de retaguarda neste país, pode ter dois objectivos centrais no curto prazo: “incendiar” a Caxemira e desestabilizar o Paquistão ou selar uma aliança com o Iraque, coordenando com este a dissuasão de um eventual ataque americano, em contrapartida do acesso a armas de destruição maciça, possivelmente biológicas. Após o 11 de Setembro, e a derrota do regime taliban no Afeganistão, dois Estados viram deteriorar-se substancialmente a sua posição internacional – Paquistão e Arábia Saudita; Estados onde é visível a influência de movimentos fundamentalistas islâmicos que também suportam a Al-Qaeda: • O Paquistão foi obrigado a abandonar a sua estratégia de expansão em direcção à Ásia Central, com base numa aliança com os sauditas, para regressar a um relacionamento privilegiado, embora muito conflituoso, com a Índia, centrado na questão de Caxemira; • A Arábia Saudita, além de ter sofrido uma pesada derrota no Afeganistão, viu a sua credibilidade como principal aliado dos EUA no Golfo seriamente comprometida e assistiu a uma aproximação entre a Rússia e os EUA, que não deixará de ver como uma ameaça ao seu papel-chave na gestão do preço do petróleo; e regressou à questão palestiniana como principal meio para reforçar as suas credenciais árabes. A prazo, e em ambos os casos como alternativa a uma relação privilegiada com os EUA, Paquistão e Arábia Saudita poderão aprofundar a sua cooperação, agora claramente centrada nas armas nucleares – num caso para financiar a expansão do seu arsenal, noutro para aceder à tecnologia e eventualmente às próprias armas. Após o 11 de Setembro, e a revelação das cumplicidades árabes, e em especial sauditas, na actuação da Al-Qaeda, os EUA deparam-se com uma situação muito grave no Golfo Pérsico: tendo “perdido” o Irão no final dos anos 70, deparando-se com um Iraque hostil, se bem que limitado na sua capacidade de actuação, são hoje forçados a deixar de confiar na Arábia Saudita como seu principal interlocutor na região; uma das formas de resolver esta situação é promover uma mudança de regime no Iraque (1), que abra caminho à sua transformação no principal aliado dos EUA no Golfo; e os EUA poderão ter êxito político neste empreendimento desde que surjam como os garantes da integridade territorial do país e como promotores de uma solução política democrática que assegure o equilíbrio entre sunitas e xiitas. Os acontecimentos de 11 de Setembro ocorreram já depois do fracasso do processo de paz no Médio Oriente – tal como havia sido definido pelos acordos de Oslo – e da ascensão de Ariel Sharon ao poder em Israel; esta coincidência torna mais difícil aos EUA encontrar uma plataforma que satisfaça os seus aliados árabes tradicionais – Jordânia, Arábia Saudita e Egipto (todos receando ser vistos como cúmplices da violência exercida por Israel sobre os palestinianos) e responda às exigências de segurança de Israel, defraudadas pela actuação da Autoridade Palestiniana; estas dificuldades acrescidas na Palestina inviabilizam a obtenção de um acordo expresso árabe prévio a uma intervenção dos EUA no Iraque. Mas não se pode esquecer que os problemas do Médio Oriente, e em particular os que se reportam à criação de um Estado palestiniano podem ser vistos de forma diferente se for abandonada a fixação na actual configuração de Estados e no actual desenho das fronteiras; uma nova abordagem pode ser possível no contexto de uma mudança de regime no Iraque; basta que se reconheça que na Jordânia se sobrepõem hoje duas realidades distintas – um Estado que na sua actual configuração territorial pode ser dispensável – e uma dinastia – a dos hachemitas – que é cada vez mais imprescíndivel à modernização do mundo árabe; se a dinastia hachemita, e nomeadamente o seu ramo jordano, for chamada a desempenhar o papel central num Iraque pós-Saddam Hussein torna-se possível imaginar uma nova solução territorial para o futuro Estado palestiniano e uma nova abordagem da questão de Jerusalém. Os EUA não podem deixar de ter como objectivo estratégico no “Arco de Crise” a desnuclearização do Golfo Pérsico; e se de imediato as atenções se concentram na destruição do arsenal químico e bacteriológico e na desarticulação do programa nuclear do Iraque, a prazo, o maior risco para os EUA reside na emergência do Irão como potência regional dispondo de armas de destruição maciça e de um forte potencial militar; com efeito, uma das possíveis consequências dum Irão nuclear seria uma mudança de orientação na Arábia Saudita, por exemplo em favor de uma aproximação estratégica à China, envolvendo a obtenção de armamento nuclear. No pós-11 de Setembro duas potências viram substancialmente ampliado o seu papel, exactamente porque aumentaram a sua importância para o dispositivo geopolítico que os EUA estão a construir a fim de assegurar a gestão do “Arco de Crise” – a Rússia e a Índia; qualquer dessas potências partilha com os EUA uma viva apreensão quanto aos movimentos fundamentalistas islâmicos; e qualquer delas presta uma viva atenção ao modo de emergência da China como potência regional. Mas estas novas relações não estão isentas de sérias dificuldades. Basta pensar nas dificuldades de convergência entre os EUA e a Rússia em torno do futuro do Iraque e das ambições do Irão. Um melhor relacionamento dos EUA com a Rússia e a Índia colocaria em termos completamente novos – e mais desfavoráveis – a posição internacional da China, que veria a presença americana na Ásia Central, com o beneplácito da Rússia, como uma operação de cerco; se àquela aproximação se adicionasse uma maior ambiguidade dos EUA quanto ao estatuto futuro de Taiwan, o dilema que se colocaria aos dirigentes chineses nas próximas décadas atingiria o rubro – assegurar a prosperidade da população chinesa aceitando uma integração pacífica na ordem económica mundial e adoptando uma postura de maior flexibilidade nas relações com Taiwan, ou optar pela maximização das tensões ao longo do “Arco de Crise”, com o objectivo de contribuir para a dispersão das forças dos EUA, e para o seu enfraquecimento. Os EUA, depois do 11 de Setembro, tornaram-se os herdeiros incontestáveis do império britânico; a sua aproximação à Índia põe fim à tentativa da URSS de expansão nesse mesmo espaço – Índia, Egipto e Iraque – como forma de competição com os EUA; por isso a melhoria das relações dos EUA com a Rússia, ao ser simultânea com a melhoria das relações dos EUA com a Índia, e ao exigir a colaboração russa na mudança de regime no Iraque, não deixará de contar com a firme oposição de todos os que na Rússia ainda não se aperceberam que a URSS acabou e que só a partir deste reconhecimento será possível reconstituir a influência internacional russa; por sua vez os EUA, ao tornarem-se herdeiros do Império britânico, colocam o Reino Unido perante o dilema de participar na gestão deste “império virtual” ou de acompanhar a União Europeia na tentativa de travagem sdo poderio mundial dos EUA, único objectivo coerente que a UE, enquanto tal, pode prosseguir no campo da política externa e de segurança. Depois do 11 de Setembro, e da aproximação à Rússia, a Aliança Atlântica,
para além de funcionar como factor de estabilização na Europa central
e oriental, tem como valor essencial para os EUA o acesso garantido a
infraestruturas e meios militares sob seu comando colocados na proximidade
da vertente ocidental do “Arco de Crise”; a colaboração activa dos aliados
– com a excepção óbvia do Reino Unido – na gestão das crises nesse Arco
é de muito menor importância, dada a pouca valia dos activos diplomáticos
e militares que podem oferecer. Actores e alinhamentos 2002-2012: uma visão 1979-1989:
principais actores e seus alinhamentos
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