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AQUI! O que é então o fundamentalismo islâmico? Pode ser definido como uma ideologia política que pretende estabelecer um Estado islâmico, com um enquadramento constitucional e uma organização política baseados no islamismo, com a Shari’a, ou Lei Islâmica, como única referência. Os fundamentalistas advogam a observância estrita da religião, ou seja, seguem à risca os preceitos estabelecidos no Corão, tal como foram revelados em 610 ao profeta Maomé. Rejeitam todas as interpretações da Shari’a, que deve ser aplicada literalmente. Contudo, decorrente das diferentes interpretações que os teólogos islâmicos fazem do Corão, existem movimentos fundamentalistas mais radicais que querem impor os seus objectivos, recorrendo à violência se necessário, porque consideram que o Estado Islâmico deve ser estabelecido imediatamente.
Do esplendor da civilização à descolonização A expansão do islamismo começou em 622, com a revelação do texto sagrado pelo anjo de Deus ao Profeta. A expansão fez-se rapidamente. Pouco mais de um século depois, em 732, estavam já às portas de Poitiers, na França. O Islão tornou-se rapidamente a religião dominante em todo o Oriente Médio, ao longo da costa do Norte de África, pelo deserto do Sara até à África Ocidental, pela África Oriental, até ao Quénia, pelo Irão, Afeganistão e o que é agora a Ásia Central, no Norte e no Nordeste da Índia, na Malásia e Indonésia, na Turquia e parte dos Balcãs. A sua zona de influência estende-se hoje em crescente, desde a ponta mais oriental da Indonésia até à África Ocidental. Com larga tradição de humanismo, o Islão tornou-se de facto a religião da tolerância. É paradigmática a história da expansão muçulmana na Península Ibérica, onde conviveram lado a lado os três povos do Livro – Cristãos, Judeus e Muçulmanos – e conhecido o esplendor da civilização que aqui floresceu. No século XIX, as potências europeias alargaram a sua colonização à região do Médio Oriente. É no entanto após as guerras mundiais, com os novos países saídos da descolonização, que se assistiu a um exacerbar do fundamentalismo. Na maioria dos casos, estes novos países eram governados por elites, influenciadas pelos costumes europeus. Os muçulmanos desencantaram-se com estes governos, cada vez mais corruptos e incapazes de melhorar as condições de vida das populações. Pelo mundo islâmico, as sociedades fundamentalistas muçulmanas trabalhavam há décadas para providenciar desde cuidados de saúde básicos à educação religiosa e cultural a milhares de comunidades, substituindo-se ao Estado. A influência desta rede informal de ajuda tinha começado a crescer. O fundamentalismo também está ligado a efeitos negativos da modernização: a migração massiva das aldeias, acompanhada de um rápido e desregrado crescimento dos centros urbanos, e o declínio dos laços familiares tradicionais, com o respectivo efeito colateral do declínio dos valores sociais e religiosos e a adopção de um estilo de vida mais ocidental, entusiasticamente empreendido como um símbolo de modernidade mas igualmente criticado como fonte de declínio moral e doença espiritual, corrupção, desemprego e má distribuição de riqueza. Assim, para a maioria dos muçulmanos, o fundamentalismo é um reafirmar da sua identidade cultural, da rigorosa observância dos ritos religiosos, dos valores familiares e da moralidade e um regresso ao esplendor do passado.
O exacerbar dos conflitos Depois da Segunda Guerra Mundial, Gamal Abdel Nasser invoca o nacionalismo e a unificação árabe – o Pan-arabismo – como resposta aos problemas sociais enfrentados pelo Egipto e pelos seus vizinhos árabes, solução, que por ser de carácter secular, é do desagrado de alguns grupos fundamentalistas, como a Irmandade Muçulmana, criada em 1929 como reacção ao colonialismo britânico. Desde o estabelecimento do Estado de Israel, em 1947, que os árabes e os israelitas desenvolveram um conflito sangrento, responsável por milhares de mortos. Em 1956, Nasser nacionalizou o canal do Suez. Israel juntou-se à Inglaterra e à França na tentativa de recuperar o domínio do Canal. A situação foi controlada somente quando a ONU colocou tropas na fronteira entre Israel e o Egipto. Entre a Crise do Suez e a Guerra dos Seis Dias, em 1967, as tensões acumularam-se. Surgiram organizações de libertação da Palestina, como a OLP e a Al-Fatah. A Guerra dos Seis Dias foi uma pesada derrota para os muçulmanos. Num curtíssimo espaço de tempo, Israel conseguiu desfazer a coligação egípcia e síria e humilhar os árabes. Como consequência, muitos muçulmanos intensificaram a sua devoção ao Islão. Mas um novo sentimento de orgulho ressurgiu aquando da guerra de 1973, iniciada durante o feriado judaico do Yom Kippur, e do embargo petrolífero, bem como com a revolução iraniana, em 1979, quando se dá a subida ao poder da revolução islâmica e a instauração do primeiro Estado islâmico fundamentalista.
Os pilares da fé Islão significa “submissão”. O muçulmano é submisso a Deus. Esta é de facto a noção-chave. O Islão prega com fervor a igualdade espiritual entre os homens, e encontra-se organizado em torno de cinco preceitos: a profissão de fé – a Shahada –, onde se recita a grandeza de Deus (“Não existe nenhum deus para além de Alá e Maomé é o seu profeta”), as cinco rezas diárias, o jejum no nono mês do calendário lunar – o Ramadão, a esmola e a peregrinação a Meca. O Islão é ainda uma religião na qual o diálogo é feito entre o crente e o seu Deus. Não existe qualquer intermediário entre um e outro, não existe uma igreja, com uma hierarquia clerical. O Corão é o livro sagrado, mas mais do que isso, é a palavra divina incarnada. É também a matéria prima da Shari’a, a Lei Islâmica. Existem igualmente alguns preceitos que o muçulmano deve seguir na sua conduta diária, seja individualmente ou em sociedade. São eles a maneira de se vestir, o corte dos cabelos e das unhas, o uso do véu para as mulheres e a higiene corporal. O Islão encoraja também o uso da barba nos homens, com um tamanho que não pode ir além de um palmo. Dever-se-á também respeitar a proibição do consumo da carne de porco e de álcool. O objectivo é manter o controlo total da mente e do corpo para que não se possa correr o risco de cair em tentações, tais como o jogo, e abandonar as obrigações religiosas. O vestuário, que deverá ser sóbrio e pouco revelador, constitui igualmente uma afirmação do Islão, por oposição às vestes ocidentais. O véu para as mulheres significa o pudor, a respeitabilidade e a virtude. Todos estes preceitos devem ser seguidos por qualquer muçulmano, mas dado representarem a devoção e a fé, são evidentemente a marca que distingue os crentes dos não crentes. O fundamentalismo, com a sua filosofia de retorno às origens, segue com rigor estes preceitos e não tolera qualquer desvio. O percurso do Islão desde a sua origem, há cerca de 1400 anos atrás, foi influenciado pela sua grandeza enquanto civilização, e pela sua queda. O Islão é humanista quando a civilização é florescente, e torna-se uma religião que pode ser usada com ódio, e desde logo, pretexto para confrontos entre civilizações, quando ameaçada.
Informação complementar Fundamentalismo – os últimos anos do século XX 1960/1970 – A corrupção e a ineficiência dos governos dos países islâmicos levam ao desencanto e ao fundamentalismo. 1967 – Israel ganha a Guerra dos Seis Dias. Os muçulmanos voltam-se para o Islão. 1970 – Morre o presidente do Egipto, Gamal Abdel Nasser, pai do moderno nacionalismo árabe. 1977 – O general Zia ul-Haq derruba o governo no Paquistão e introduz a Shari’a – Lei Islâmica. 1979 – Os fundamentalistas no Irão derrubam o Xá. 1980 – É fundado no Líbano o Hiezb’allah (Partido de Deus). 1981 – Militantes islâmicos assassinam o presidente egípcio Sadat. 1989 – Depois de um golpe militar, Hassan al-Turabi estabelece o regime islâmico no Sudão. 1990 – Na Jordânia, os fundamentalistas ganham 32 assentos no parlamento. 1992 – A Argélia aborta o processo eleitoral para impedir que os fundamentalistas da FIS ganhem as eleições, originando uma guerra civil. 1993 – Militantes islâmicos bombardeiam o World Trade Center em Nova Iorque, matando seis pessoas. 1994 – Os taliban começam a campanha para unificar o Afeganistão e estabelecer um Estado Islâmico. Mai. 1997 – O reformista Mohammad Khatami é eleito presidente no Irão. Nov. 1997 – Extremistas islâmicos matam 58 turistas em Luxor, Egipto. Muitos egípcios voltam-se contra os fundamentalistas como consequência deste atentado. 1998 – Osama bin Laden é conotado com a destruiçaõ de duas embaixadas americanas em África. Fev. 2000 – Os reformistas vencem as eleições no Irão. Set. 2001 – Atentado ao World Trade Center. Milhares morrem. Osama bin Laden é considerado responsável.
O estado islâmico O Islão é a religião maioritária em 48 países e está presente em muitos outros. O país com o maior índice de população muçulmana é a Indonésia, com cerca de 160 milhões de habitantes, seguido do Paquistão. Existem minorias muçulmanas em quase todo o mundo, incluindo a Rússia e a China. É também a segunda religião em muitas partes da Europa, e a terceira nos EUA. Os meios para atingir os fins propostos pelos fundamentalistas – a imposição do Estado Islâmico – diferem de país para país. Por exemplo, na Argélia, os fundamentalistas da FIS (Frente Islâmica de Salvação) e da GIA (Grupo Islâmico Armado) entraram em guerra com o Estado, após as eleições de 1992 darem como certa a vitória à FIS. Para evitar que o país se transformasse num Estado islâmico, o exército interveio e acabou com o processo eleitoral. Milhares de pessoas foram mortas em ataques brutais e sangrentos pelos fundamentalistas. No Sudão, em 1989, um golpe militar levou ao governo um regime islâmico, liderado por Omar Bashir. No Irão a revolução dos Mullahs levou o fundamentalismo ao poder em 1979. Tomando a seu cargo exportar a revolução islâmica, o Irão forneceu ajuda militar ao Hezb’allah (Partido de Deus), no Líbano, grupo fundamentalista ocupado na luta contra o Estado de Israel. Apesar de na Arábia Saudita o regime ser pró-ocidental e, como tal, bastante criticado pelos vizinhos árabes, a grande maioria da sua população é Wahabi, que é uma corrente do Islão fundamentalista, que advoga o regresso à pureza da unicidade do Islão.
Corão, o livro sagrado O Corão é o livro mais decorado do mundo. Todas as crianças muçulmanas aprendem de cor alguns capítulos – as suras – para as suas orações diárias. Milhões decoram o livro todo, como um acto de devoção. Uma vez que o Corão é a palavra de Deus, tal como foi ditada ao Profeta, recitá-lo, ouvi-lo, estudá-lo e memorizá-lo é estar perto do divino. A história do Corão está intimamente ligada à história do Profeta. Estando um dia em meditação, Maomé teve uma visão que lhe pedia para ler o que estava escrito à sua frente. Mas, sendo analfabeto, ele não o podia fazer. A aparição recitou-lhe então uns versos. Mais tarde, Maomé descobriu que a aparição era o anjo Gabriel que lhe recitava a palavra de Deus. Esta experiência, que é chamada a Revelação, continuou por muitas vezes, com Maomé a decorar tudo o que ouvia. Estas revelações foram escritas pelos seus seguidores em folhas de palmeiras, ossos e tecido e organizadas em capítulos. Uma vez que os escritos usavam apenas as consoantes, as vogais foram
determinadas pela versão oral. Estas duas fontes, a oral e escrita, asseguram
a autenticidade do livro sagrado. Apenas duas décadas após a morte de
Maomé, uma versão do livro era publicada. O Corão, tal como o Profeta
e o Islão, nascia para a história. O
fundamentalismo no mundo Islâmico
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