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AQUI! Esta analogia serve também para entendermos melhor o facto de alguns (muitos?) muçulmanos se identificarem com várias premissas fundamentalistas, sem no entanto apoiarem o seu carácter totalitarista, da mesma forma que vastos sectores da inteligentsia ocidental abraçaram elementos fundamentais do pensamento comunista – a necessidade de justiça social, da redistribuição equitativa da riqueza e da alteração do sistema económico, etc., – não obstante rejeitarem a visão totalitária e determinista da doutrina soviética.
O nascimento do islamismo armado Iniciada na década de 70, assistiu-se a uma verdadeira explosão de grupos terroristas religiosos, ao ponto de, actualmente, cerca de um quarto das organizações terroristas a nível mundial serem motivadas por questões prioritariamente religiosas, não obstante seguirem considerações políticas específicas do seu contexto de luta, sendo esta proporção ainda maior no Médio Oriente, Ásia do Sul e Sudeste e Ásia Central – áreas fortemente islamizadas – visto a separação entre as esferas política e religiosa serem, no Islão, ténues ou inexistentes, evidenciado pelo facto de o Hezb’Allah, o GIA, o MIU e o HAMAS(1) (por exemplo) tanto se basearem em ideologias religiosas como seguirem, simultaneamente, objectivos e finalidades políticas precisas, o que dificulta frequentemente ao observador externo a separação entre estas duas esferas. Com o fim da Guerra Fria – e a explosão de conflitos étnico-religiosos daí resultantes – potenciou-se a emergência de novas linhas de ruptura e de movimentos anti-situacionistas em todo o mundo, o que gerou o aparecimento de novas respostas à realidade social, política e económica. Dá-se em simultâneo no mundo islâmico, devido à sua débil coesão social, combinada com um legado histórico adverso e com condições generalizadas de repressão política, desigualdade económica e instabilidade social, um aprofundamento da desilusão quanto ao presente e o aumento da angústia perante o futuro, traduzida, a nível interno, na rejeição dos regimes políticos existentes e das elites instaladas (corruptas política e economicamente, no seu ver) e, inclusive, das hierarquias religiosas tradicionais – coniventes com a situação –, apresentando-se-lhes o “regresso às origens” representado pelo fundamentalismo, enquanto alternativa político-religiosa, como o único meio de expressar, com maior ou menor violência, a sua oposição e desejo de mudança. Neste contexto, e fruto também da “neocolonização” imposta pela sua cultura secular e moderna, o Ocidente – com o “Grande Satã” à cabeça – passa a ser visto como a maior ameaça externa ao idílio político-religioso fundamentalista, enquanto a nível interno continua a apoiar e garantir a sobrevivência dos regimes instaurados, a assegurar a continuada submissão dos povos islâmicos (segundo os próprios, quais herdeiros dos cruzados medievais), apoiando ainda incondicionalmente os inimigos do Islão – como Israel, o seu “peão” no coração do mundo islâmico –, e sendo, ao fim e ao cabo, o motor da modernização que acorrentou o Islão. Esta leitura reforçou a sensação de crise aguda – vórtice culminante e por isso decisivo – do mundo islâmico, acentuando-se a psicose da ameaça e da perseguição, propícia à tomada de posições extremas e intransigentes, levando os islamitas – muçulmanos fundamentalistas, em oposição aos ortodoxos (moderados ou reformistas) – a defenderem as suas acções, neste contexto, como essencialmente reactivas, o que justifica a apropriação do conceito da jihad para definir as regras do combate e, consequentemente, (auto) justificar o grau e intensidade da violência empregue.
“Jihad”, a guerra justa Esta doutrina islâmica – que encontra paralelo, no contexto cristão, na doutrina da “Guerra Justa” de Santo Agostinho e Tomás de Aquino – é fundamentalmente defensiva, sancionada como defesa justa contra a opressão e, em último caso, como justificação religiosa (moral) de actos violentos para a defesa da comunidade (islâmica) e do próprio Islão. Aliás, o próprio G.W. Bush apelou, imediatamente após os ataques de 11 de Setembro , nos EUA a uma jihad: uma “cruzada” bélica, “justa”, contra os “inimigos do Ocidente”, em defesa da comunidade de Estados democráticos. Daí que, ao apontarem a secularização e modernização das suas sociedades como um atentado à tradicional comunidade islâmica e ao Islão como sistema político-religioso, seja legítima a utilização de violência extrema contra as suas causas e os seus promotores, interna e externamente. Entendendo esta luta como uma guerra total, reduzem-na a uma visão maniqueísta: trata-se de uma luta religiosa – consequentemente sem compromissos possíveis – e violenta entre o bem e o mal (2), conducente a uma irredutibilidade extrema que, por seu turno, funciona ainda como pólo aglomerador e de atracção para algumas camadas de excluídos e insatisfeitos. No entanto, esta aceitação e crescente base de apoio não se baseia exclusivamente nas anteriores premissas, pois não raras vezes complementam-nas com a oferta de alternativas viáveis e realistas à submissão ao secularismo e aos regimos “modernos”, re-islamizando as camadas sociais excluídas e marginalizadas política e economicamente – infelizmente uma grande maioria da população dos países islâmicos – através dos seus serviços sociais, da melhoria da sua qualidade de vida, do acesso à justiça (não oficial) e da defesa dos seus interesses, proporcionando-lhes, mesmo que afastados do poder, o que os regimes seculares não lhes garantem, arregimentando assim às suas frentes políticas uma larga base de simpatizantes e partidários. E foi exactamente neste ponto que residiu um dos principais factores de radicalização do fenómeno fundamentalista islâmico. A iminente vitória eleitoral da Frente Islâmica de Salvação (FIS) na segunda volta das legislativas argelinas de 1992 provou ser possível obter o poder por via democrática e, paradoxalmente, que esta forma de ascensão ao poder lhes estava vedada, claramente implícita no sinal dado pelo Ocidente e pelos regimes que esta mobilização política enfrentava: qualquer veleidade de obtenção de poder através do voto político seria – com maior ou menor violência – reprimida ou falseada (veja-se a Argélia, Turquia, Paquistão, Egipto, etc.). O silêncio da comunidade internacional e particularmente do Ocidente perante a anulação da segunda volta eleitoral em 1992 e da imposição da lei marcial e perseguição aos islamitas, cimentou efectivamente a descrença nos processos democráticos e confirmou a hostilidade do Ocidente perante o islamismo – enquanto movimento político-religioso – e o Islão. O facto de muitos opositores políticos (pseudodemocratas ou abertamente autoritários) terem passado a utilizar o combate ao islamismo – e agora ao “terrorismo islâmico” – como caução para repressões violentas de movimentos moderados islâmicos (desde o Magrebe ao Cáucaso e à Ásia Central) apenas levou ao extremar de posições, situação prontamente aproveitada pelos radicais, por vezes (como aparenta o caso argelino) facilitado e fomentado pela classe dirigente, exactamente com o propósito de justificar a brutal repressão encetada.
O pan-islamismo Aliado a este factor, outro acontecimento veio internacionalizar o movimento fundamentalista islâmico e aumentar as hostes islamitas radicais. Vitoriosos perante o exército soviético, muitos “Guerreiros de Allah” – a maioria estrangeiros no Afeganistão mas posteriormente conhecidos por Afghanis – com treino militar profundo e uma rede pan-islâmica de contactos e cumplicidades, optam pela continuação da luta revolucionária nos seus países de origem com a finalidade de imporem um Estado islâmico “puro”, enquanto outros se tornam mercenários religiosos em demanda da união dos povos islâmicos. Tendo o Islão uma visão estruturalmente bipolar do mundo, onde as divisões e fronteiras nacionais nada significam – estando por isso tudo dividido entre o Dar al-Islam, o “mundo islâmico”, e oDar al-Harb, o mundo não-islâmico ou dos hereges – os islamitas lutam em última análise pela instauração do “Grande Califado” que irá consolidar politicamente o Dar al-Islam, unindo todos os muçulmanos sob a bandeira verde do Islão e a justeza divina da Sharia, a lei islâmica. Com o objectivo de fomentar a edificação de Estados islâmicos e de liderar a defesa de minorias islâmicas, organizando-as no sentido de fortalecer a sua luta global, muitos Afghanis criaram estruturas clandestinas em todo o mundo, não raras vezes com o apoio mais ou menos explícito dos governos legítimos (Afeganistão, Paquistão, Iémen, Sudão, Somália, etc.) e dos seus “senhores” (o mundo ocidental, liderado pelos EUA), criando assim as condições concretas que deram origem a uma “Internacional islâmica fundamentalista” e que nos conduz directamente a Bin Laden e à sua rede terrorista mundial: a Al-Qaeda, verdadeiro fenómeno de globalização da luta violenta contra a secularização e modernidade ocidental, de uma parte do mundo que se convencionou – monoliticamente – chamar de islâmico, reforçando assim efectivamente a noção do “nós contra eles” ou, visto do pólo oposto, do Dar al-Harb contra o Dar al-Islam.
Informação complementar O Paquistão das Madrassas Tornou-se evidente após o 11 de Setembro de 2001 que a Ásia do Sul, com o epicentro localizado no Paquistão, suplantou o Médio Oriente como “crescente fértil” de grupos islamitas violentos. São conhecidas as implicações na formação e apoio do Estado paquistanês a várias organizações extremistas islâmicas, primeiro – com financiamento norte-americano – contra os soviéticos no Afeganistão, posteriormente na luta de “libertação” de Caxemira, onde estas “tropas irregulares” constituíram um sucedâneo (barato) contra um adversário superior – dados de 1999 indicam um orçamento militar que, apesar de 4,4% do PNB (contra 2,4% do indiano) representa menos de 1/3 dos gastos militares totais indianos (3) – e finalmente aos taliban. Por outro lado, data de finais da década de 70 o apoio e financiamento – como forma de garantir a lealdade dos líderes religiosos e assim manter o poder – por parte dos vários governantes paquistaneses, ao estabelecimento das madrassas, escolas corânicas, verdadeiras academias de combatentes religiosos, fanaticamente doutrinados para a jihad. Num Paquistão sem escolaridade obrigatória, estas madrassas – apoiadas financeiramente pelas ricas comunidades sunitas do Golfo Pérsico – passaram a fornecer educação gratuita (e acolhimento, alimentação e vestuário) a uma larga camada da população (masculina) jovem e ignorante. Com uma interpretação retrógrada e violenta do Islão – tendo o Al-Corão como currículo único – arregimentaram milhares de “estudantes” paquistaneses e caxemires e, posteriormente, de toda a Ásia, África e inclusive da Europa, transformando-se em centros de treino e exportação de quadros para a jihad fundamentalista. No entanto descurou-se o acompanhamento que a situação requeria, por pensar-se estar sob controlo “estatal”, até que passou abruptamente, com a recente visibilidade da actual internacionalização da jihad, para o centro das preocupações da comunidade internacional. Internamente e escapando gradualmente ao controlo do Estado paquistanês,
originaram uma clivagem sectária – advogando a eliminação da minoria
xiita – traduzida num grave e sangrento confronto social, com laivos
de guerra civil, que desestabiliza o país há largos anos. Simultaneamente
avolumavam-se os indícios da preparação de uma jihad em solo paquistanês
com a intenção de imposição violenta de um Estado islâmico fundamentalista. Organizações
extremistas islâmicas
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