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- JANUS 2003 -

Janus 2003



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Caxemira

Marisa Abreu Safaneta *

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Mais de meio século após a independência da Índia e do Paquistão, a questão de Caxemira permanece sem solução. O destino do território torna-se problemático a partir de 1947, com o fim do domínio britânico, deparando-se o Marajá que governava na época em Caxemira, com três alternativas: a independência, a integração na Índia ou a integração no Paquistão. Face às várias soluções possíveis, o Marajá acabou por optar pela integração na Índia, ao ser confrontado com a invasão do território por militares paquistaneses. No entanto as pretensões sobre Caxemira alargam-se a outros países da região.

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Mais de meio século depois da independência da Índia e do Paquistão permanece por resolver a questão de Caxemira. Este território, situado numa região desde há muito contestada, ainda hoje é motivo de discórdia entre os Estados que se situam na sua periferia, com particular destaque para os dois herdeiros do Império Britânico.

Usualmente inserida no contexto da Ásia do Sul, esta zona sempre foi ponto de contacto entre diferentes interesses, na maior parte das ocasiões divergentes.

No passado, as ambições expansionistas dos Impérios Russo, Chinês e Britânico determinaram constantes mutações, fronteiriças e de composição étnica, ainda hoje relevantes.

Quando em 1947 chega ao fim a dominação britânica a questão de Caxemira reflecte justamente este passado. Tratando-se de um território de dimensão considerável e com tradição de autonomia, três alternativas se apresentavam: a independência, a integração na Índia ou a integração no Paquistão.

Hari Singh, Marajá reinante em Caxemira na altura, era partidário da opção independência mas acabou por aceitar a integração na Índia quando confrontado com a entrada de militares paquistaneses no norte do território. Singh interpretou este episódio como uma ameaça à sobrevivência da identidade caxemire e aceitou um estatuto parcial de autonomia no quadro do novo estado indiano em troca do apoio contra a “invasão” paquistanesa.

Estes acontecimentos desencadeiam a 1ª guerra indo-paquistanesa que termina com a intervenção das Nações Unidas e o estabelecimento de uma linha de cessar-fogo monitorizada através do UNMOGIP (UN Military Observer Group on India and Pakistan). Apesar das resoluções das NU apelarem à realização de um referendo com vista à resolução do problema, este nunca teve lugar e como tal esta linha, também conhecida como linha de controlo, é, ainda hoje, a fronteira real entre os dois Estados.

Caxemira emerge desta primeira guerra dividida. Cerca de um terço da área disputada foi absorvida pelo Paquistão e repartida em duas entidades territoriais: Azad Caxemira (Caxemira Livre) e Territórios do Norte. O vale de Caxemira, a região de Jammu e parte das montanhas do Ladakh ficam sob controle indiano tomando a designação de Estado de Jammu-Caxemira, o único Estado indiano de maioria de população muçulmana.

A planície de Aksai Chin, na fronteira com o Tibete, é anexada pela China na sequência da ocupação deste território por este mesmo país. Em 1963 o Paquistão cede à China uma extensa faixa de terra a norte da região montanhosa de Caracorum em troca da passagem de Mintaka.

Os anos que se seguiram foram bastante conturbados assistindo-se ainda a mais duas guerras indo-paquistanesas (1965 e 1971) antes da assinatura do Acordo de Simla a 2 de Julho de 1972. Neste acordo os dois Estados comprometiam-se a resolver as suas diferenças pacificamente respeitando a linha de controlo. No entanto, este acordo, regulando apenas as relações indo-paquistanesas, adiava sine die a resolução do problema.

Em 1989 eclode a rebelião caxemire na zona administrada pela Índia, alimentada pela insatisfação crescente face a sucessivos governos pouco atentos à realidade da região. No centro desta esteve a Frente de Libertação de Jammu-Caxemira (JKLF – Jammu-Kashmir Liberation Front) sob liderança de Yasin Malik reivindicando a independência total do território.

Em 1994 este movimento anuncia o abandono da luta armada em benefício da combate político. Este desarmamento voluntário esgota a vertente armada reivindicativa da opção independência total deixando apenas como herdeiros pequenos grupos fragmentados e duramente perseguidos pelas autoridades indianas. Mesmo no plano da discussão política a independência permanece uma utopia.

Da rebelião inicial restaram apenas os defensores da união com o Paquistão empenhados na luta armada contra a Índia. Treinados e financiados pelo governo paquistanês são estes os verdadeiros actores da violência no território a par com as autoridades indianas que entretanto adoptaram uma postura de repressão ultra violenta em Jammu-Caxemira.

A luta contra a presença soviética no Afeganistão terá permitido o treino inicial destes homens, movidos pela solidariedade muçulmana, e terá estabelecido laços decisivos para o envolvimento, também deste país, no apoio a estes movimentos e facilitado o seu acesso a armas.

Do nacionalismo caxemire resta muito pouco, já que o pretendido não é a independência, e nem mesmo a autonomia, mas sim a adesão ao Paquistão e consequente “libertação” do território.

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A edificação do regime taliban no Afeganistão, com apoio paquistanês, veio reforçar os receios indianos face às movimentações destes grupos armados.

A perspectiva de um Paquistão interventivo em Caxemira motivou um endurecimento da posição indiana, traduzida no reforço da presença de forças de segurança no território, e um aumento significativo das escaramuças indo-paquistanesas junto à linha de controlo.

Em resposta aumentaram também os atentados terroristas contra interesses indianos dentro e fora de Caxemira, de que são exemplo o atentado de 1 de Outubro de 2001 contra o Parlamento de Jammu-Caxemira, em Srinagar, e o de 13 de Dezembro, desse mesmo ano, contra o Parlamento Federal Indiano em Nova Deli.

Desde 1998 um novo elemento é introduzido nesta relação: o factor nuclear. Em Maio deste ano a Índia anuncia a realização de vários testes nucleares. Pouco tempo depois o Paquistão responde da mesma forma relançando os receios de proliferação nuclear na região.

Após grande pressão da comunidade internacional é assinada a Declaração de Lahore em Fevereiro de 1999, através da qual os dois Estados se comprometem a regressar às negociações bilaterais sobre Caxemira e a proceder a um aviso prévio da outra parte na eventualidade de realização de novos testes nucleares.

Apesar de tudo, a referida Declaração não tem sido sinónimo de maior tranquilidade uma vez que não tem impedido a realização dos referidos testes, embora antecedidos de aviso, e uma vez que parece ter despoletado uma preocupante corrida a armamentos convencionais no subcontinente.

A nova dimensão do combate ao terrorismo, lançada no pós-11 de Setembro, trouxe novos desenvolvimentos.

Do lado indiano defende-se a ideia da legitimidade de acção violenta contra estes grupos armados responsáveis por atentados terroristas, e contra os Estados que os patrocinam, numa referência óbvia ao Paquistão.

Do lado paquistanês, a recente aliança com os EUA na guerra contra o Afeganistão, parece ter conferido novo à-vontade na prossecução do apoio aos referidos grupos que oficialmente refere apenas apoiar política e diplomaticamente.

Sem solução à vista, o cerne do problema continua exactamente o mesmo dos anos 40: saber que destino dar a este território.

 

Informação complementar

Principais Movimentos Armados em Caxemira

Frente de Libertação de Jammu-Caxemira – Criada em 1977 como dissidência da JKNLF (Jammu-Kashmir National Liberation Front). Inicialmente um dos grupos mais activos, hoje praticamente desapareceu. Reivindica a Independência de Caxemira numa primeira fase com recursos às armas e desde 1994 pela via política.

Hizbul Moujahidin – Criada em 1989, profundamente ligada à Jamiaat-i-Islami paquistanesa. A maior parte dos seus membros vem da Islami Jamiate Talaba, ala estudantil da J-i-I. Actualmente é a maior organização activa contabilizando nas suas fileiras cerca de 800 membros. Reivindica a libertação de Caxemira da ocupação indiana e posterior união com Paquistão. Defende ainda a criação de um Estado islâmico através da Jihad.

Lashkar-e-Taiba (Exército dos Puros) – Foi criada em 1990 como braço armado da organização religiosa Markaz Dawa-ul-Arshad (O Centro para a Pregação) tendo como principais objectivos a pregação e a Jihad. Esta organização mãe controla cerca de 30 escolas na região de Lahore e obtém financiamento próprio através da gestão de algumas fábricas têxteis também nessa região. Estas escolas formam espiritualmente os futuros operacionais denominados Lashars (Puros) mas a sua formação só se completa com o treino militar em campos afegãos e paquistaneses. Estima-se que existam cerca de 300 Lashars operacionais em Caxemira.

Harkat-ul-Moujahidin – Resulta da extinção em 1997 da Harkat-ul-Hansar. Não tem estrutura de recrutamento própria sendo que a maior parte dos seus membros são dissidentes de outras organizações. Terá cerca de 300 membros activos em Caxemira, a maior parte dos quais afegãos treinados em campos de Azad Caxemira.

Jaish-e-Mohammad (Exército do Profeta, Maomé) – Com o nome completo de Jaish-e-Mohammad Mujahideen E-Tanzeem, criada recentemente no Paquistão reivindica a união de Caxemira com este país. Tornou-se conhecida quando alguns dos seus membros desviaram um avião indiano em 2000 e exigiram a libertação do seu líder Masood Azhar. O número de operacionais nas suas fileiras é incerto.

 

As posições em presença

Posição Indiana – Para as autoridades indianas a questão é até simples: toda a Caxemira histórica pertence à India. Como Caxemira histórica entendam-se todas as possessões governadas por Hari Singh – todo o Estado de Jammu-Caxemira e ainda as zonas ocupadas pelo Paquistão, convenientemente denominadas POK – Pakistan Ocupied Kashmir, e pela China – Aksai Chin e norte de Karakorum. Esta é sem dúvida a visão mais ambiciosa.

Posição Paquistanesa – Para Islamabad a reivindicação abrange obviamente o Estado de Jammu-Caxemira designado IOK – Indian Ocupied Kashmir mas excluí a planicíe de Aksai Chin sob controlo chinês bem como as zonas a norte da região montanhosa de Karakorum cedidas à China em 1963. Do ponto de vista deste país os territórios do Norte não fazem parte da unidade caxemire uma vez que compreendem a região do Baltistan que é, desde 1947, parte integrante do Paquistão. De acordo com esta visão, Azad Caxemira é um Estado protegido com o seu próprio governo beneficiando como tal de um estatuto completamente diferente dos territórios do Norte.

Posição Chinesa – Para Pequim, o problema nem sequer se põe. As zonas do Aksai Chin e as cedidas pelo Paquistão não faziam parte da Caxemira histórica. Este argumento escuda-se na não existência de mapas históricos que apresentem traçados precisos para esta região.

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* Marisa Abreu Safaneta

Licenciada em Relações Internacionais. Docente na UAL. Secretária Académica do Instituto Sócrates da UAL.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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