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11 de Setembro: consequências estratégicas para a Ásia-Pacífico

Luís Leitão Tomé *

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O “reinvestimento” norte-americano na Ásia após o 11 de Setembro foi particularmente desfavorável à República Popular da China. Em primeiro lugar, os EUA afirmaram expressamente que não apoiariam qualquer tentativa de reprimir os activistas muçulmanos Uigures da província de Xinjiang, sob o pretexto do terrorismo; em segundo lugar a aliança EUA-Rússia pode deitar por terra a parceria estratégica sino-russa com o objectivo de contrariar a hegemonia americana, anunciada desde 1996 e confirmada em Julho de 2001 por um tratado de cooperação e apoio mútuo com uma duração de 20 anos.

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Depois do 11 de Setembro de 2001, os EUA decidiram reinvestir fortemente em toda a Ásia, incluindo na sua parte mais oriental. Verificou-se de imediato uma forte pressão dos EUA para que o conjunto da Ásia, tal como o resto do mundo, escolhesse o seu campo. Nenhum “não alinhamento” seria possível: “Ou bem que estão connosco, ou estão com os terroristas”, declarou Bush aquando do seu discurso no Congresso, a 20 de Setembro do mesmo ano.

Os sintomas desta enorme pressão americana foram visíveis, por exemplo, na cimeira da Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC) em Shangai, no mês de Dezembro, que acabou por fazer a primeira declaração eminentemente política em 12 anos de história ao condenar claramente os ataques de 11 de Setembro apelidando-os de “terroristas” e considerando o terrorismo internacional como “uma ameaça à paz e à segurança mundial”.

 

Nova paisagem estratégica na Ásia Oriental

O “reinvestimento” americano na Ásia tem uma influência considerável sobre as relações de força e os equilíbrios estratégicos regionais. Acima de tudo, contribui para redesenhar a paisagem estratégica daquela área. A República Popular da China (RPC) parece ser quem mais tem a perder com a nova situação estratégica. Começou por hesitar no apoio aos EUA, esperando obter contrapartidas em relação aos seus próprios problemas no Xinjiang, no Tibete e até em relação a Taiwan. No entanto, no início de Março de 2002, o Departamento de Estado dos EUA divulgou um documento onde se recusa explicitamente a tratar como “terroristas” os activistas Uigures muçulmanos do Xinjiang, no Noroeste da China, afirmando ainda que os Estados Unidos não pactuariam com qualquer regime que, a pretexto da guerra contra o terrorismo, cerceasse as liberdades de um povo ou lhe negasse o direito à autodeterminação. Este relatório sobre a situação dos direitos humanos no mundo também não hesita em assinalar que “persistem sérios abusos contra os direitos humanos no Tibete e no Xinjiang”. Paralelamente, Washington não diminuiu os seus fornecimentos de armas a Taiwan. Um verdadeiro apoio de Pequim na guerra contra o terrorismo internacional tinha e tem de passar por neutralizar algumas das estratégias de oposição em relação aos EUA que a China promove desde o início dos anos 1990, em particular aquelas que muitas vezes assumem a forma de actividades proliferantes na direcção de Estados considerados perigosos e/ou bastiões do islamismo fundamentalista radical. Neste aspecto, a margem de manobra da RPC ficou claramente reduzida. Não deixa de ser paradoxal, aliás, que os EUA tenham recusado levantar as sanções impostas à China por ter fornecido ao Paquistão material susceptível de ser utilizado no fabrico de mísseis – o que Pequim nega – quando os próprios americanos levantaram, depois de 11 de Setembro, as sanções impostas ao Paquistão e à Índia em nome da luta contra a proliferação nuclear!

O caso da China é bem diferente do da Rússia que, colocando-se de imediato ao lado dos EUA, procura reivindicar um renovado estatuto, em particular na vasta região que vai dos Urais e do Cáucaso às fronteiras ocidentais da China. Com efeito, o Presidente Putin vem procurando colocar a Rússia como parceiro estratégico vital dos EUA, quer na Europa (já se sonha com a entrada da Rússia na NATO) quer na Ásia, numa inflexão política que lhe vale muita contestação interna mas que conseguiu captar o apoio americano contra as “acções terroristas” na Tchetchénia.

A perspectiva de parceria ou aliança EUA-Rússia é muito preocupante para a China: pode bem deitar por terra a parceria estratégica China-Rússia – anunciada desde 1996 exactamente para contrabalançar a hegemonia americana e confirmada pela assinatura em Julho de 2001, em Moscovo, por um tratado sino-russo de cooperação e apoio mútuo com uma duração de 20 anos – e pode ainda confirmar a ameaça de uma defesa estratégica antimíssil tão duramente criticada pela RPC.

Pior: depois de ter lutado contra as veleidades de “cerco” da União Soviética brejneviana, e de ter afrontado a hegemonia americana, a RPC tem tudo a temer de uma partilha de papéis de vigilância e de controlo entre os EUA e seus aliados ou parceiros – antigos e novos – à volta da China, apenas com excepção do Myanmar e da Coreia do Norte.

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No flanco ocidental da China, o regime paquistanês, para assegurar a sua sobrevivência, aceitou um lugar na órbita americana; por seu lado, a Índia, velha rival da RPC e numa curva de estreitamento de relações com os EUA, não hesitará em tentar aumentar o seu estatuto como potência regional à custa da China; enquanto isso, o regime afegão pós-talibã conta com o apoio dos EUA e da comunidade internacional para a reconstrução do país; as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central estão na órbita da Rússia e se, eventualmente, procuram marcar a sua individualidade e independência face a Moscovo fazem-no numa estratégia de aproximação aos EUA.

Pequim tem ainda razões para se inquietar com a perspectiva da instalação duradoura das forças dos EUA junto das suas fronteiras ocidentais. Sobre o seu flanco oriental, a China pode vir a confrontar-se com o renascimento de um papel político-militar do Japão (simbolizado com o envio de um cruzador Aegis para o Oceano Índico), o que poria em causa toda a estratégia da RPC em relação ao arquipélago, sendo que o império nipónico, também um rival histórico da China, é o principal aliado dos EUA na Ásia-Pacífico.

Por outro lado, Washington continua a sustentar a individualidade de Taiwan em relação à “mãe-pátria” China, e hostiliza abertamente a Coreia do Norte (aliada de Pequim), incluindo-a no identificado “eixo do mal”. No Sudeste Asiático, ou seja, para sul e sudeste da China, verifica-se um “regresso” americano, bem patente no envio de 400 militares das suas tropas especiais para as Filipinas a fim de auxiliarem o governo de Manila no combate contra os “terroristas” muçulmanos existentes no arquipélago, e no apoio dado a alguns países da região no controle ou na luta contra o fundamentalismo islâmico, em particular na Indonésia e também na Malásia.

Ou seja, ao serviço de uma “causa nobre e justa”, e com uma legitimidade particular conferida pelos ataques de que foi alvo, a guerra contra o terrorismo, por dar de novo um rosto ao “inimigo comum” assim definido, contribui para reforçar alianças antigas dos EUA e para alargar as coligações e parcerias existentes.

Com o fim da URSS e a redefinição do dispositivo americano, a RPC sonhou com o objectivo de “segurança quase absoluta” assente numa “revassalização” do seu ambiente próximo e na manutenção à distância de qualquer ingerência de potências externas. Hoje, ao contrário, em virtude da recomposição estratégica que parece existir, os concorrentes estratégicos de Pequim enquanto potências regionais – Japão, Rússia e Índia –, que rapidamente fizeram “boas opções”, estão em posições mais vantajosas, enquanto os EUA aumentam a sua hegemonia no mundo e em toda a Ásia.

No fundo, a China arrisca pagar hoje por uma situação que manteve de “ambiguidade estratégica” e de compadrio com Estados considerados cada vez mais como párias e perigosos para a segurança mundial. De qualquer forma, este cenário que agora parece definir-se pode sofrer uma rápida oscilação se os EUA insistirem demasiado num intervencionismo unilateral e se pressionarem exageradamente no sentido da sua hegemonia absoluta na Ásia, eventualmente ferindo sensibilidades e interesses vitais da Rússia.

 

Outros desafios na Ásia Oriental

A nível económico, os países da região sofrerão certamente as consequências negativas de uma crise na economia mundial provocada por uma instabilidade que advenha quer das circunstâncias relacionadas com a guerra contra o terrorismo, quer de uma competição estratégica na região.

A prazo, as economias da Ásia Oriental podem ainda ver-se prejudicadas por uma deslocação de investimentos para outras áreas consideradas mais interessantes, como a Ásia Central num cenário de muito maior estabilização.

Ao nível político, as “novas democracias” da Ásia têm um novo desafio à sua capacidade de resistência pelo risco de serem confrontadas quer com a escalada na competição estratégica entre as grandes potências, quer com a radicalização de movimentos islamitas nos seus territórios. Por outro lado, no Sudeste Asiático, o princípio de “não ingerência” – instrumentalizado durante décadas para salvaguardar a individualidade dos países da região – foi subitamente posto em causa a seguir aos atentados de 11 de Setembro, não só porque se assistiu ao tal “regresso” americano como também porque reactivou uma vontade de acção concreta e concertada entre os países da área, com vista à implementação de meios de controle acrescidos nas vias de passagem marítimas e nos riscos ligados à influência do islamismo radical na zona.

Em suma, poderemos dizer que o 11 de Setembro aumentou a importância geoestratégica e geopolítica da Ásia-Pacífico para os EUA pelo peso considerável do Islão em alguns países da região, pela ameaça do fundamentalismo islâmico e do terrorismo, e pela fragilidade dos processos de democratização em curso na área, confrontados agora com novos desafios. Não é estranho, portanto, o “reinvestimento” americano na Ásia que, se ocorre essencialmente por motivações externas à região – o 11 de Setembro colocou em causa directamente um interesse vital dos EUA –, constitui a garantia mais segura do engagement americano numa área cuja maioria dos países temia um desinteresse americano e que dispõe de importantes e sedutores recursos energéticos (no mar da China Meridional). Ora, isto pode favorecer ainda mais uma certa tutela americana da Ásia, e da Ásia Oriental em particular, o que deixa uma margem de manobra muito mais limitada a outras potências (como a China) e põe em causa ambições e sonhos multipolares. Mas pode significar também, paralelamente, que da Ásia do Sul ao Sudeste Asiático, a perda de autonomia induzida pelo reenvolvimento americano pode traduzir-se num reforço da ordem e da estabilidade. Ou não...

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* Luís Leitão Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Docente na UAL. Investigador na NATO. Assitente no Parlamento Europeu.

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