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Afeganistão: a aplicação da tecnologia na luta contra o terrorismo

José Luís Pinto Ramalho *

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A campanha militar contra o Afeganistão foi palco privilegiado para o ensaio das mais recentes tecnologias militares norte-americanas, para a acção das Forças de Operações Especiais e dos Serviços de Informações. A mudança de regime neste país processou-se fundamentalmente através do apoio militar, financeiro e logístico à Aliança do Norte, a oposição aos taliban refugiada nas montanhas. Em relação ao auxílio humanitário prestado às populações locais, foram levantadas questões quanto à sua eficácia e princípios, nomeadamente no que se refere à utilidade da prática “bread and bombs”.

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Os acontecimentos de 11 de Setembro trouxeram uma vez mais a público a quase impossibilidade de prevenir acções terroristas de natureza suicida, uma vez iniciado esse tipo de operações. A primeira experiência deste tipo ocorreu em 22 de Julho de 1968, quando a FPLP desviou um avião israelita da companhia aérea EL-AL, voando de Roma para Telavive e o fez explodir no ar.

Estamos perante a concretização de uma ameaça levada a cabo por actores que, utilizando meios não bélicos, basearam a sua acção na decepção, na surpresa e no confronto assimétrico; um inimigo invisível, que se auto-destrói no momento da agressão, sem base territorial conhecida e, se a tem, não se fixa nem oferece alvos remuneradores à retaliação, afinal o que fundamentava o tradicional conceito de dissuasão.

Passado quase um ano sobre o início da campanha no Afeganistão contra a Al-Qaeda e contra os taliban, acções que hoje se traduzem na actual situação política existente naquele país de apoio ao regime de Hamid Karzai, a par do completo desconhecimento quanto à situação (morto ou vivo e paradeiro) de Osama bin Laden, pode dizer-se que esta “guerra” foi palco privilegiado para as Forças de Operações Especiais, para a “intelligence” e para, mais uma vez, serem testadas e aperfeiçoadas tecnologias e novos equipamentos/sistemas de armas que, novamente, confirmaram a surpresa estratégica e a efectiva superioridade americana neste domínio.

Por outro lado, não se ignorando a opção estratégica americana, quer quanto à sua liderança da resposta operacional e ao quadro político em que as diversas participações nacionais se efectivaram, quer quanto ao papel desempenhado pela OTAN, pode caracterizar-se a “campanha” em cinco aspectos distintos: o esforço na obtenção de informações; as características dos bombardeamentos aéreos; o emprego das Forças de Operações Especiais; a estabilização do novo regime no Afeganistão; e, por último, o carácter prolongado da “guerra” contra o terrorismo, onde quer que ele se encontre no mundo e em todo o momento.

Relativamente à procura das informações, indispensáveis à campanha militar, importa distinguir duas vertentes, uma levada a cabo pelas Forças Especiais no terreno (HUMINT) e outra, desenvolvida com grande intensidade antes do início dos ataques aéreos, por meios electrónicos (ELINT).

As actividades no âmbito da detecção electrónica foram inicialmente desempenhadas pelos UAV da CIA, os GNAT 750, durante os finais de Setembro e intensificadas em 6 de Outubro, e posteriormente pelas Forças Especiais, utilizando a informação proveniente dos sistemas operados pela Força Aérea, o RQ-1 Predator e o RQ-4 Global Hawk. Relativamente a estes últimos, o Global Hawk está especialmente vocacionado para a vigilância de infraestruturas fixas, a partir de grande altitude e por longos períodos, praticamente sem ser detectado; quanto ao Predator é especialmente apto para vigiar movimentos de tropas e de viaturas, tendo alterado o conceito de utilização dos UAV de apenas “vigilância”, para “vigilância – ataque – análise de danos”.

No Afeganistão o Predator foi armado com mísseis Hellfire, tendo executado ataques contra pessoal, veículos e edifícios, sendo-lhe atribuída a detecção do grupo onde seguia Muhammad Atef, a sua destruição e a confirmação destes mesmos resultados.

Durante toda a operação, meios aéreos tripulados e UAV, assim como satélites, mantiveram uma vigilância constante sobre todo o teatro, quer no domínio SIGINT, quer no âmbito das novas capacidades relativas a IMINT e a MASINT. Para esse efeito foram utilizados aviões E-3 AWACS, E-8 JSTARS, EC-135 Rivet Joint e ainda Lockeed NP-3 modificados, equipados com múltiplos sensores ar-terra e “data links”, cuja profusão de antenas e “pod” exteriores lhes valeu o nome de código “Hairy Buffalo”.

Quanto aos ataques aéreos tiveram início a 7 de Outubro e visaram posições antiaéreas, depósitos militares e paióis, concentrações de artilharia e blindados, infraestruturas de comando e controlo e ainda posições guarnecidas por tropas nas regiões de Kabul, Kandahar, Jalabad, Herat e Mazar-e Sharif; constituíram também alvos prioritários, os campos de treino da Al-Qaeda, que já haviam sido referenciados.

Nas primeiras vagas a intenção foi destruir as defesas antiaéreas e os centros de comunicações fixos, obrigando a que passassem a ser utilizadas as comunicações rádio, estas facilmente detectadas, interceptadas ou empasteladas, se necessário.

Na primeira noite terão sido atingidos 31 alvos com 50 mísseis de cruzeiro Tomahawk (Land Attack Cruise Missiles – TLACMs), lançados de navios e submarinos no Mar Arábico, tendo sido utilizados também aviões B-1B, B-2, B-52H (segundo as informações disponíveis, num total de 15 aparelhos) e mais 25 aviões de ataque, alguns deles “stealth”, provenientes de porta-aviões. Os B-1 e B-2 utilizaram, fundamentalmente, “bombas inteligentes” (guiadas por laser), as Joint Direct Attack Munitions (JDAMs), enquanto os B-52 usaram mísseis de cruzeiro, os Conventional Air Launched Cruise Missiles (CALCMs).

Seguindo a doutrina estabelecida durante a guerra do Kosovo, todas as missões aéreas foram acompanhadas por aviões EA-6B Prowlers, equipados com sistemas USQ-113 para “jamming” das comunicações rádio e VAQ-137 para neutralização dos meios radar taliban.

Os ataques continuaram nos quatro dias seguintes, mas rapidamente se esgotaram os alvos significativos, passando as acções aéreas a ser dirigidas contra as concentrações de tropas que se opunham à Aliança do Norte.

Foi nestes ataques contra tropas que foram utilizadas, na região de Tora Bora, as bombas BLU-82/B conhecidas por “Daisy Cutter” de 15000 libras, com explosivo convencional de alta potência, lançadas por aviões MC-130 E “Combat Talon”, do Air Force Special Operations Commmand, inicialmente concebidas para criarem instantaneamente áreas de desembarque para helicópteros em florestas densas, como era o caso no Vietname. Contrariamente ao que tem sido referido, o seu efeito sobre as tropas é mais psicológico do que antipessoal ou mesmo sobre campos de minas. Embora seja certamente a maior bomba convencional, com um efeito potencialmente letal da ordem dos mil metros de raio relativamente ao impacte, produzindo um extraordinário clarão e um estrondo audível a longas distâncias, a sua potência é inferior a um milésimo da potência da bomba nuclear lançada sobre Hiroshima.

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De referir também que a BLU-82/B não se trata de uma Fuel-Air Explosive (FAE), pois estas são constituídas por um agente explosivo com um detonador incorporado, os quais, uma vez libertos, criam uma “nuvem” explosiva que utiliza como elemento oxidante o oxigénio do ar, cujo rebentamento o elimina nos espaços fechados, sufocando quem aí se encontre.

Quanto ao emprego das Forças de Operações Especiais, para além da sua missão de recolha de informações, através de reconhecimentos especiais a longas distâncias, efectuaram ataques contra alvos selectivos, designadamente contra o Quartel General do Mullah Mohammed Omar, tornando claro aos líderes taliban ou da Al-Qaeda, que poderiam ser atacados em qualquer lugar e a qualquer momento, causando a desorientação e a desconfiança no seu seio; apoiaram a campanha aérea com a colocação de designadores laser, em alvos pré determinados; estabeleceram a ligação com as Forças da Aliança do Norte; levaram a cabo operações psicológicas, quer através do lançamento de panfletos, quer com aviões EC-130E “Commando Solo” e os seus êxitos reforçaram o moral da Coligação e afectaram o dos opositores no terreno.

Com aquele meio aéreo foram conduzidas emissões radiofónicas em AM, FM, HF e também de TV a cores, nas bandas VHF/UHF, sobrepondo-se aos canais afegãos e tornando apenas acessível a informação produzida por aquele meio.

As Forças Especiais americanas utilizaram também o avião C-130, AC-130U Spooky Gunship, armado com um canhão gatling de 25 mm de seis tubos (1800 tiros por minuto), um canhão de tiro rápido 40 mm Bofors e um obus de 105 mm; este avião executou missões de apoio aéreo às forças especiais no terreno, reconhecimentos armados e ataques a objectivos constituídos por tropas instaladas no terreno.

Quanto à operação visando a alteração do regime afegão, para além das acções militares, foi igualmente apoiada por uma ajuda à Aliança do Norte, em material, meios financeiros, ligação com as Forças Especiais americanas e inglesas e informação operacional, incluindo bombardeamentos aéreos sobre as forças taliban; simultaneamente foi estabelecida a ISAF, garantida a segurança de Kabul e desenvolvidas acções de apoio humanitário às populações.

Este apoio humanitário começou com os lançamentos por aviões C-17, a grande altitude, para evitar quaisquer acções por parte das armas antiaéreas. Este facto levantou algum criticismo por materializar uma estratégia discutível de “bread and bombs”, de eficácia duvidosa, porquanto lançamentos efectuados em tais condições levavam a que cada conjunto de rações individuais se espalhasse por uma área com cerca de 4 km2.

Por último, a estratégia americana de combate ao terrorismo internacional levou a alterações profundas na estrutura de comandos militares nos EUA, privilegiando a “Homeland Defence”, desvalorizando a importância do espaço euro-atlântico no seio da OTAN e do próprio SACLANT, provocando ainda uma intensa discussão na Aliança sobre a actual estrutura de comandos e de forças.

Paralelamente assiste-se a uma postura estratégica americana que balança entre o tradicional unilateralismo republicano e a opção por coligações de oportunidade, utilizando a OTAN mais como palco de diálogo político do que as suas efectivas capacidades militares, causando reais dificuldades políticas à União Europeia e à própria posição de cada um dos aliados europeus, relativamente ao seu parceiro americano.

Também a posição dos EUA, ao eleger o terrorismo como a ameaça prioritária, pondo ênfase no desenvolvimento tecnológico que amplie as capacidades que consideram necessárias para o seu combate, colide com a posição europeia, que procura orientar esse desenvolvimento no sentido da construção de uma capacidade convencional equilibrada que seja, ela própria, dissuasora de eventuais acções terroristas.

Uma última consideração de carácter global para salientar a necessidade de enfrentar o terrorismo com uma estratégia militar bem articulada, orientada por objectivos políticos bem identificados. Contudo, o poder aéreo e as Forças de Operações Especiais serão certamente insuficientes, se não houver uma clarificação desses objectivos políticos, feita numa perspectiva de “realpolitik”, em que compromissos sejam possíveis, distinguindo o que são práticas e procedimentos inaceitáveis, das queixas e razões de fundo, que devem ser convenientemente analisadas.

Uma perspectiva exclusivamente militar levará a um processo interminável, com uma possível escalada ao cyberterrorismo e às armas de destruição maciça, que não favorece nem cria grandes oportunidades para o entendimento entre as partes, para a paz, ou para a estabilidade internacional.

 

Informação complementar

Siglas utilizadas

ELINT – Electronic Intelligence, (informação obtida a partir da análise das emissões electrónicas);

HUMINT – Human Intelligence, (informação obtida através de meios humanos);

IMINT – Imagery Intelligence, (detecção dos vários tipos de imagens electrónicas);

ISAF – International Security and Assistance Force (22DEC01);

MASINT – Measurement and Signature Intelligence, (capacidade de medida de todo o tipo de emi-ssões e radiações);

Pod – Equipamento que pode ser instalado na asa ou na fuselagem da aeronave, para um fim específico;

SACLANT – Supreme Allied Commander Atlantic (Comando Supremo Aliado do Atlântico, na OTAN);

SIGINT – Signals Intelligence, (informação obtida a partir da detecção de sinais radioeléctricos);

STEALTH – Tecnologia de construção e revestimento de meios aéreos que os torna quase “invisíveis” ao radar;

UAV – Unmanned Aerial Vehicle, (meio aéreo não tripulado).

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* José Luís Pinto Ramalho

Major General. Mestre em Estratégia pelo ISCSP/UTL. Professor dos Mestrados de Estratégia e Relações Internacionais no ISCSP. Director Geral de Política de Defesa Nacional do Ministério de Defesa Nacional.

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Dados adicionais
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(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela BLU-82/B - bomba "Daisy Cutter"

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