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Janus 2003



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Do Médio Oriente à Ásia Central: o gás natural

Rui Nunes *

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O gás natural apresenta-se como a alternativa energética viável ao petróleo, cujas reservas se deverão esgotar num prazo de quarenta anos. O principal fornecedor será a Rússia, possuidora de 30% das reservas mundiais, enquanto alguns países do Médio Oriente, como o Irão, a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes Unidos e o Qatar também desempenharão um papel importante no fornecimento de gás natural ao nível mundial. A Europa é actualmente o maior consumidor do gás natural russo, absorvendo 20% da produção da Gazprom, conglomerado russo, e representando 73% das receitas desta entidade.

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Com a idade do petróleo a chegar ao fim – 40 anos é o prazo mais referido (BP 2002; AIE 2001; Maurice 2001), dada a relação entre reservas e produção –, o gás natural (GN) prepara-se para basear a transição para a sociedade do hidrogénio (Shell 2001). Neste cenário, a Rússia terá um papel central ao possuir 30% das reservas de GN: 48,1 biliões [milhão de milhões] de metros cúbicos (bmc). Em toneladas equivalentes de petróleo possui reservas de 44 mil milhões no GN que comparam com sete mil milhões no petróleo. A Ásia Central terá um papel menor. As maiores reservas são as do Turquemenistão (2,9 bmc), seguido por Casaquistão (2,3) e Uzbequistão (1,8); o Azerbeijão terá 1,4 bmc. Como o petróleo, o gás natural concentra-se no Médio Oriente e na Rússia. O Irão tem 35 bmc, a Arábia Saudita 25, o Qatar 16 e os Emirados Árabes Unidos e Iraque sete bmc cada.

Às maiores reservas, a Rússia acrescenta as vendas ao maior importador, Europa OCDE, Alemanha à cabeça, o que foi fundamental para o desenvolvimento desta indústria, estruturada na/pela Gazprom. Este conglomerado possui 65% das reservas, vale 91% da produção, paga 25% do orçamento federal, representa 8% do produto interno bruto (PIB). O seu peso interno advém, porém, da exportação para a Europa, a qual apesar de só absorver 20 a 25% da sua produção lhe propicia 73% das receitas. Além do preço de exportação (100 dólares por mil metros cúbicos (mmc)) ser mais do sêxtuplo do preço interno (16 dólares/mmc), a Gazprom não recebe as vendas internas todas em dinheiro, devido à generalizada desmonetarização das trocas na ex-URSS, além dos calotes. Dir-se-ia que a Europa OCDE sustenta a Rússia com as compras de GN. Aliás, GN e petróleo respondem por 65% das exportações russas. A União Europeia (UE) recebe 53% das exportações russas de petróleo (que valem 16% do seu consumo) e 62% das de GN (que valem 20% do seu consumo).

Em 2000 a produção russa aproximou-se dos 600 mil milhões de metros cúbicos (mmmc). A fonte de incerteza é a velocidade do declínio dos campos de Urengoy, Yamburg e Medvezhe, na Sibéria Ocidental. Estes campos representam 75% da produção russa, mas a sua produção deve cair 75% até 2020. Substitui-los exigirá desenvolver a produção offshore no mar de Barents, na península de Iamal e no mar de Kara – o que pressupõe dinheiro para investir (AIE 2001).

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A perspectivada liberalização do mercado do GN na UE afectará as exportações russas, com a concorrência a aumentar e o preço a baixar. Investimentos de longo prazo ficam em causa. Esta previsão originou que UE e Rússia entabulassem um diálogo sobre energia, que levou ao designado Plano Prodi (trocar investimentos europeus pela energia russa). Putin sugeriu, entretanto, a criação de uma ‘OPEP do gás’ com os produtores da Ásia Central, uma proposta mais simbólica que real, dado que a rede de gasodutos tem passagem obrigatória por território russo, o que dá à Rússia direito de veto e capacidade de determinar o preço destas exportações. Resolvido parece estar o problema da Ucrânia, por onde passam 90% das exportações para a Europa, com o controlo dos gasodutos. Moscovo tem acusado Kiev de roubar gás, não pagar o que consumia e aplicar direitos de trânsito exorbitantes. Mas a principal mudança será a nível interno, com aumentos de preços (o governo fala em subidas de 250%), pressão para pagamentos em cash e... instalação de contadores.

Devido àquele veto, a produção do Turquemenistão caiu de 80 mmmc em 1990 para 13 mmmc em 1998; com a permissão de exportar recuperou para 47 mmmc em 2000. Hoje, o Uzbequistão é o maior produtor na ex-URSS com 56 mmmc. Estes Estados têm as perspectivas de exportação comprometidas por estarem encravados, longe dos consumidores, sujeitos à concorrência de outros fornecedores e necessitados de investimento e serem instáveis. Os únicos que exportam para fora da ex-URSS são a Rússia e o Turquemenistão, que vende ao Irão dois a três mmmc, desde que em Dezembro de 1997 abriu o primeiro gasoduto que não passa pela Rússia. Esta première do Turquemenistão poderá ser seguida pelo Azerbeijão, cujas descobertas no Cáspio lhe permitirão exportar para a Turquia, em gasoduto paralelo ao oleoduto Baku-Tbilissi-Ceyhan; mas inviabilizaram as exportações do Turquemenistão, através do prolongamento deste gasoduto sob o Cáspio.

Este Estado centro-asiático está assim com dificuldade em chegar à Turquia, sem gasoduto trans-Cáspio e com a rota iraniana confrontada com as sanções dos EUA ao Irão e a vontade de Teerão se reservar uma quota no mercado turco. Fica reduzido ao Irão, Rússia e Estados da ex-URSS maus pagadores, enquanto China e Paquistão/Índia continuarem a ser uma miragem.

O designado gasoduto afegão, para o Paquistão, com possível extensão para a Índia, regressou com a queda dos taliban. Em 30 de Maio de 2002, os presidentes do Paquistão e Turquemenistão e o líder da Autoridade Interina afegã decidiram promover um estudo de viabilidade deste gasoduto. Ressuscitavam os projectos da Bridas e Unocal, apadrinhados por Turquemenistão, Paquistão, Arábia Saudita e EUA, que terão levado os taliban ao poder em Cabul, mas foram inviabilizados pela guarida que estes deram a Bin Laden, após os atentados de 1998 às embaixadas dos EUA na Tanzânia e no Quénia (Brisard e Dasquié 2001; Rashid 2000). Esta rota tem o contra da tensão indo-paquistanesa e da instabilidade e divisão étnica afegãs. A AIE (2001) duvida mesmo que o transporte de GN para a Índia por gasoduto do Médio Oriente ou Ásia Central seja viável nos próximos 10 anos. A grande incógnita é, porém, a de saber como se processará a ligação de um consumidor em ascensão (China) com um grande produtor (ex-URSS/Irão). Visões mais ambiciosas já vêem a China como ponte energética para a península coreana e o Japão.

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* Rui Nunes

Jornalista.

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Bibliografia

Agência Internacional de Energia (2001), World Energy Outlook, Paris: OCDE/AIE.

BP (2002), BP Statistical Review of World Energy, Junho, versão internet.

Brisard, Jean-Charles e Guillaume Dasquié (2001), Ben Laden – La Vérité Interdite, Paris: Denoel.

Maurice, Joel (2001), Prix du Pétrole, Paris: La Documentation Française.

Rashid, Ahmed (2000), Taliban, Londres: I.B. Tauris.

Shell (2001), Energy Needs, Choices and Possibilities – Scenarios to 2050, Londres.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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