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Onde estou: | Janus 2003 > Índice de artigos > A convulsão internacional > O “arco de crise” (I): o Afeganistão e a Ásia Central > [Convergência russo-americana no mercado do petróleo] | |||
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A procura global de petróleo tem aumentado, anualmente, entre 1,5 a 2 milhões de barris por dia (mb/dia), uma taxa de crescimento com consequências alarmantes a longo prazo. Ao citarem o Departamento de Energia dos EUA e a Agência Internacional de Energia, os dois especialistas norte-americanos sublinham que a procura global de petróleo deve aumentar, nos próximos 20 anos, dos actuais 77 mb/dia para 120 mb/dia, prevendo-se que a maioria dos fornecimentos surjam da OPEP, que deverá aumentar a sua produção de 28 mb/dia em 1998 para 60 mb/dia em 2020. E como 63 por cento das reservas mundiais de petróleo estão concentradas no Médio Oriente, o objectivo da Arábia Saudita, que possui 23 por cento destas reservas, consiste em perpetuar a sua posição na economia mundial. A sua extraordinária capacidade de reserva (spare capacity), que pode destruir as exportações dos países que ousem disputar a sua liderança, tem-lhe permitido manter a sua importante quota de mercado. Logo após o desmantelamento da URSS, em 1991, as empresas petrolíferas ocidentais, os bancos de investimentos e os estrategos começaram a encarar as reservas de petróleo da Rússia e Ásia Central como uma possível alternativa, ainda que parcial, ao crude do Médio Oriente. As monarquias do Golfo responderam (tentando atrair investimento estrangeiro para os sectores do petróleo e gás), mas os países da Comunidade de Estados Independentes (CEI, as ex-repúblicas soviéticas à excepção dos três Estados do Báltico), não desistem de assegurar a sua posição: as suas reservas são mais vastas que o inicialmente calculado, enquanto a produção no Médio Oriente estagnou nos últimos 20 anos.
À procura de recursos A exportação de petróleo russo aumentou pela primeira vez, desde os tempos da União Soviética, em 2000 (Vladimir Putin é eleito Presidente em Março desse ano), beneficiando os produtores russos das relações com firmas estrangeiras, incluindo a Conoco, BP Amoco, ExxonMobil, Royal Dutch Shell, Halliburton e Schlumberger. As exportações da CEI deverão aumentar pelo menos para 2mb/dia entre 2002 e 2006. As projecções dizem que a capacidade de exportação no mar Báltico também crescerá. O consórcio do oleoduto do Cáspio, que liga os campos petrolíferos do Cazaquistão aos portos russos no Mar Negro, visa contribuir com 1,5 mb/dia em 2006-2008. Os projectos de exportações da ExxonMobil e da Shell nas Sacalinas, extremo oriente russo, deverá acrescentar mais 0,2 mb/dia. Os recursos ao longo da fronteira da Rússia asiática podem revelar-se tão vastos como os da Ásia Central. E a Yukos, o segundo maior produtor russo após a Lukoil, prepara-se para exportar para a China cerca de 0,5 md através dos seus campos do Leste da Sibéria. No Báltico, Moscovo desenvolve o projecto de exportar mais petróleo por via marítima. O novo oleoduto do Báltico vai fornecer petróleo russo proveniente do Norte e Oeste da Sibéria, e destinado aos mercados ocidentais, incluindo os EUA. A Lukoil já começa a reivindicar o estatuto de “quarta irmã” face às liderantes ExxonMobil, Shell e BP Amoco. Está a investir na Bulgária, Roménia, Grécia. Em 2000, comprou as 1.300 estações de gasolina “Getty”, nos EUA. E planeia a aquisição de uma grande refinaria nos EUA. Os contratos com o Iraque mantiveram-se prejudicados pelas sanções internacionais, mas diversas empresas russas desenvolvem negócios relacionados com a indústria petrolífera na Polónia, Letónia, República Checa, Eslováquia e Croácia. O Iraque é, obviamente, uma componente decisiva da alternativa à Arábia Saudita – o que explica a “inevitabilidade” da tentativa americana de afastar Saddam Hussein do poder, substituindo-o, como no Afeganistão, por um poder “amigo”. O combate pelas quotas de mercado entre e a Rússia e a Arábia Saudita/OPEP conheceu uma trégua no final de 2001. Moscovo concluiu que cooperar com a OPEP e outros produtores de petróleo independentes servia, pelo menos transitoriamente, os seus interesses. É previsível um tempo próximo de recriminações mútuas sobre o desrespeito das quotas de exportação. Mas os cenários em que a Rússia trabalha favorecem o seu desejo de recuperar e expandir a produção que existia na ex-União Soviética. Confrontada com um estrito monopólio estatal, a Arábia Saudita tem pelo contrário sido incapaz, nos últimos 20 anos, de aumentar a sua capacidade de produção. E poucos países da OPEP terão em 2020 uma capacidade superior à registada nas décadas de1980 ou 1990. As excepções podem ser países como a Argélia ou Nigéria, cujos governos encorajaram o investimento estrangeiro no sector do petróleo. Riad dispõe sobretudo de uma arma eficaz: a capacidade de reserva, que muitas vezes aplica contra quem pretende desafiar a sua supremacia no sector.
O filão do Mar Cáspio Até ao 11 de Setembro de 2001, os EUA incentivaram os países do Cáspio a desenvolverem as exportações dos seus próprios hidrocarbonetos e evitar os oleodutos que atravessavam a Rússia. A situação é, hoje, bem diversa. Apesar de pretenderem manter a hegemonia neste sector, as empresas russas não abdicam agora de promover “joint ventures” com firmas internacionais quando necessitam de tecnologia ocidental, enquanto os interesses da Rússia nos países do Cáspio levaram Moscovo a apoiar oleodutos independentes para exportação no Azerbeijão ou Cazaquistão. As exportações da CEI poderiam, de acordo com Eduard L. Morse e James Richard, aproximar-se das da Arábia Saudita dentro de quatro anos. A ameaça aos produtores do Médio Oriente torna-se mais real. O problema, para a Rússia e Cazaquistão, reside nas infraestruturas – oleodutos e portos inadequados. Mas desde o 11 de Setembro que essas infraestruturas merecem cuidados especiais. E não apenas entre o Mar Negro e os numerosos terminais situados nos três Estados do Báltico, empenhados na adesão à NATO e União Europeia. Em 2001, o petróleo começou a escoar-se a partir de um oleoduto do Cáspio com 1600 quilómetros, e que permite uma via directa da produção cazaque de petróleo para os mercados mundiais, através do mar Negro. Controlado pela empresa russa Lukoil, Chevron, Shell e ExxonMobil, espera-se que este oleoduto forneça 1,5 mb/dia para exportação em 2012. No Cazaquistão, a ANI, a ExxonMobil e outras empresas estão a desenvolver um enorme campo petrolífero em Kashagan, que pode albergar 50 mil milhões de barris. A Lukoil descobriu recentemente um campo de cinco mil milhões de barris, situado na parte russa da plataforma do Cáspio. Estimativas “conservadoras” sugerem que esta plataforma pode conter 75 mil milhões de barris de petróleo, número muito superior ao inicialmente previsto. Confirma-se assim a alteração das políticas protagonizadas até meados da década de 1990 por Moscovo e Washington, que competiram no Cáucaso pelas fontes de energia e projectos de oleodutos e gasodutos a partir do Cáspio. Então, os EUA promoviam rotas de exportação visando enfraquecer a Rússia e o Irão na região, em benefício da Turquia, Geórgia, Azerbeijão, e alguns países da Ásia Central. Agora, no que toca ao petróleo e ao gás, um dos aspectos do envolvimento dos EUA na região pode consistir em “aconselhar” a Rússia e o Cazaquistão a determinarem as rotas mais eficientes para a exportação, e co-financiar estes projectos. Recentemente a Lukoil manifestou interesse em participar no famoso oleoduto entre Baku e Ceihan, apoiado pelos EUA, e que vai transportar petróleo do Cáspio até às costas mediterrânicas da Turquia. Na Ásia Central, o “grande jogo” tem agora como principais participantes os EUA e a Rússia. A presença militar dos EUA no Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguízia, e negociações com o Cazaquistão, confirmam-no. A “guerra contra o terrorismo”, como pretexto para alargar a influência sobre os recursos energéticos locais, começou a ser admitida. E as reservas de petróleo do Cazaquistão são incontornáveis para quem procura alternativas às actuais dependências energéticas.
Os interesses chineses O desejo dos EUA de permanecerem na região da Ásia Central, em nome da “guerra global contra o terrorismo” motivou reparos por parte de hierarquia militar da China, que definiu a presença norte-americana como “ameaça directa à segurança do país”. Para mais, o conflito no Afeganistão e a queda dos taliban tornou possível concretizar o oleoduto, pretendido pelos EUA, através do Afeganistão e Paquistão. Perante este cenário, o “Império do Meio” começou a mover-se. Os diversos acordos de cooperação assinados entre a China e a Nigéria no início de Julho de 2002 deixam entender que Pequim poderá contar com uma importante fonte alternativa de energia. Uma confirmação das importantes reservas petrolíferas existentes na costa ocidental africana, que se estendem à Guiné Equatorial, apesar de o Mar da China não poder ser minimizado neste aspecto. Entre acordos que abrangem diversas áreas, Pequim foi ao encontro de um desejo de Abuja nunca assegurado pelo Ocidente, que apenas pretendia investir no sector do petróleo: para além de engenherios chineses estarem envolvidos na construção de uma nova refinaria em Akwa Ibom, na volátil região do Delta nigeriano, foi reforçada a cooperação política e económica bilateral a longo prazo entre os dois gigantes.
Irão afastado do Cáspio De regresso ao Cáspio: a nova recomposição de interesses na região parece estar a afastar o Irão de qualquer partilha significativa nos rendimentos do petróleo e do gás locais. Teerão tem respondido com ameaças veladas de intervenção militar, e censurado a “presença estrangeira” na zona. Em 25 de Abril de 2002, as cinco nações da região não conseguiram chegar a acordo sobre o estatuto legal do mar e a divisão dos seus recursos. E os Estados fronteiriços parecem ter começado a tentar desenvolver autonomamente os seus sectores. Este falhanço foi uma má notícia para Teerão, que possui poucas reservas de “crude” e de gás nas suas águas territoriais, e pretendia beneficiar de um acordo sobre a partilha dos recursos. Rússia, Cazaquistão e Azerbeijão aproximaram os seus interesses, deixando Teerão à deriva, apenas com o Turquemenistão como potencial, mas questionável, aliado. A aceleração da construção do oleoduto Baku-Tbilissi-Ceyhan, que vai transportar petróleo do Cáspio através do Azerbeijão e Geórgia até ao porto turco, está a ser promovida pelos EUA, que pretendem assegurar estas rotas através de “países amigos”. A cooperação com a Rússia no pós-11 de Setembro é uma garantia adicional para a concretização deste projecto. O Irão possui a segunda maior força militar concentrada no Cáspio, logo a seguir à Rússia. Moscovo previne-se, e a sua força naval no Cáspio foi a única que cresceu nos últimos anos. Azerbeijão, Cazaquistão e Turquemenistão também estão a reforçar a presença militar de acordo com as suas capacidades. Baku tem recebido apoio da Turquia. Sem hipóteses de garantir os campos petrolíferos que reivindica, o Irão pode provocar pequenos confrontos no Cáspio, atrasando ou interrompendo a produção de petróleo.
Informação complementar Limites da restauração imperial russa Ao analisar, no seu “The Grand Chessboard”, as limitações da Rússia actual face às repúblicas emergentes da dissolução da URSS, diz Zbigniew Brzezinski, numa passagem particularmente significativa, e depois de ter comentado a obstinação independentista da Ucrânia: “Nenhuma restauração imperial, apoie-se ela na CEI ou noutro projecto ‘eurasiático’, é possível (para a Rússia) sem a Ucrânia. Um império russo amputado desse território seria mais asiático do que europeu. Mas a ideia ‘euro-asiática’ não entusiasma ninguém na Ásia Central, onde os Estados independentes evitam qualquer nova ligação com Moscovo. O Uzbequistão, em especial, apoiou fortemente a Ucrânia na recusa das iniciativas russas que visavam reforçar o papel da CEI conferindo-lhe um estatuto de entidade supranacional. Os outros Estados da CEI, reticentes sobre as intenções de Moscovo, também fizeram bloco com a Ucrânia e o Uzbequistão, opondo-se às pressões russas a favor de maior integração política e militar. Além de que a subida da consciência nacional, nestes Estados, favorece o rompimento com os vestígios da submissão colonial em relação a Moscovo. Participando neste movimento, mesmo o Cazaquistão, de composição étnica mais complexa, abandonou a escrita cirílica e, seguindo o exemplo dos seus vizinhos, inspirados no modelo turco, adoptou o alfabeto latino. Desde meados dos anos 90, uma espécie de bloco informal, sob a direcção
tácita da Ucrânia, funcionou de cada vez que os russos tentaram utilizar
a CEI como instrumento de integração política. Esse bloco inclui o Uzbequistão,
a Turqueménia, o Azerbeijão e estende-se por vezes ao Cazaquistão, à
Geórgia e à Moldávia”. Depois, comentando os efeitos da guerra da Tchetchénia
na opinião pública russa, diz o autor: “Somando-se aos obstáculos que
a política da ‘vizinhança próxima’ encontrou além fronteiras (...) e
apesar dos discursos que enfatizam a missão especial da Rússia no território
do antigo império, a opinião russa (por cansaço, mas também por bom senso)
não tem mostrado qualquer interesse por nenhum programa de restauração
imperial (...). As reacções à guerra da Tchtchénia mostram que nenhuma
política que ultrapasse as pressões económicas ou políticas obterá a
adesão popular.
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