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- JANUS 2003 -

Janus 2003



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Produção de opiácios na Ásia Central

Rui Nunes *

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O problema da produção de droga no Afeganistão depende da forma como a questão for abordada pelos políticos afegãos e da própria perspectiva assumida pela comunidade internacional sobre a matéria. Apesar da Autoridade Interina afegã ter decretado a proibição do cultivo da papoila a 3 de Abril de 2002, a efectivação da interdição é extremamente difícil, dado que o controle efectivo da AI está quase circunscrito a Cabul, existindo divergências no seio desta entidade elativamente a esta matéria. É importante referir que alguns dos membros da Autoridade lucraram com este negócio no passado.

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A evolução da situação das drogas, em particular do ópio, na Ásia Central depende do empenho dos EUA no Afeganistão, da prioridade dada ao tema pelas novas autoridades de Cabul, de estas serem capazes de exercer o poder no conjunto do território... e da chuva. Em causa está consolidar a quase erradicação da cultura da papoila afegã conseguida pelos taliban. Os sinais são negativos, apesar das declarações de encorajamento à Autoridade Interina (AI) afegã, da criação de uma polícia antidroga e do apoio prometido pela Drug Enforcement Administration (DEA).

O chefe da AI, o pastune Hamid Karzai, quer a expansão da força internacional de assistência e segurança (ISAF) para os principais centros provinciais e o desembolso rápido dos fundos prometidos na Conferência de Tóquio, em Janeiro de 2002 (1,8 mil milhões de dólares em 2002 de 4,5 mil milhões de dólares em cinco anos). Mas Washington recusou a expansão da ISAF, o que foi interpretado como o início de um novo abandono do Afeganistão pelos EUA (Rubin 2002).

A própria Administração Bush (Departamento de Estado, 2002) prevê que a proibição do cultivo da papoila do ópio, decretada pela AI em 3 de Abril de 2002 – que se junta às proibições de 1945 e 1957 –, e a campanha de erradicação das plantações iniciada em 8 de Abril tenham poucas hipóteses de sucesso (ver caixa). Esta previsão resulta da incapacidade de a AI mandar fora de Cabul e das divisões no seu seio, uma vez que a produção de ópio nas áreas sob influência da Aliança do Norte tajique conhece um progresso continuado.

Para mais, quando a AI anunciou a proibição do cultivo (17 Janeiro 2002) já as sementes estavam lançadas – o cultivo recomeçou em Outubro de 2001, com o fim dos taliban –, as despesas feitas e as dívidas contraídas com os traficantes fornecedores das sementes.

Hoje, “o problema da supressão do ópio no Afeganistão põe-se afinal em termos simples: quem vai pagar?” (Lamberti e Lamour 1973: 239). Como há 30 anos.

O governo destinou 67 milhões de dólares para financiar a sua proposta de pagar 250 dólares por cada jiribi (medida afegã igual a 2000 metros quadrados) de plantação destruída. Porém, a oferta nem paga as dívidas, nem se aproxima do rendimento das plantações, algumas das quais rendem 17 mil dólares por jiribi. Os protestos não se fizeram esperar, dos quais já resultaram mortes de representantes da AI e de camponeses. Um colaborador do governador de Helmand, província que vale metade da produção afegã de ópio, sugeriu que a colheita não fosse destruída; que, pelo contrário, a ONU a comprasse (por 200 milhões de dólares) e investisse em equipamento agrícola, transporte de electricidade e reabilitação de sistemas de irrigação para facilitar a mudança para outro tipo de produção.

 

Hierarquizar o problema

Esta proposta consubstancia a essência do problema: identificar o lugar do combate à droga na agenda política afegã – e internacional. Para a perspectiva idealista importa antes reduzir a pobreza, mediar e resolver conflitos e construir instituições (Arlacchi 2000); nesta visão, um desenvolvimento rural alternativo inclui a substituição de culturas, a par da reconstrução de escolas, hospitais e estradas e criação de emprego não-agrícola. A perspectiva realista também apontará outras prioridades, como impedir que o conflito latente entre as componentes da AI se torne manifesto, e lembraria que alguns dos que têm beneficiado com o ópio integram a AI.

Também na agenda internacional o problema não ocupa posição elevada.

O interesse das potências tem sido relativo. O combate à ocupação soviética legitimou o ópio como fonte de financiamento, tanto através da produção pela resistência afegã, como do tráfico controlado pelos serviços secretos paquistaneses. Com os ganhos, o Paquistão comprou armas, desenvolveu o seu programa nuclear e desestabilizou a Índia, via financiamento dos independentistas sikhs e dos fundamentalistas da Caxemira indiana (Wallon 1993). Em contrapartida, o ópio e o seu dinheiro invadiram a economia, a política e a sociedade paquistanesa (Rashid 2000). A pulverização do regime taliban redundou no regresso generalizado da papoila.

Este retorno da papoila, cuja colheita alguns mais pessimistas admitem que bata os recordes de 1999/2000, enfraquece a hipótese de a produção de ópio se mudar para outros Estados da Ásia Central (ONU 2002a) ou de as drogas sintéticas substituirem a heroína (Arlacchi 2000) na geração de receitas dos traficantes. Perfila-se, assim, uma situação em que um governo sob tutela internacional apresentará um desempenho pior que o dos taliban.

O chefe dos taliban, mullah Omar, proibiu a plantação da papoila em 27 de Julho de 2000. Esta decisão seguiu-se à primeira reunião do Conselho de Segurança da ONU com o tema narcóticos na ordem de tabalhos (Abril de 2000), devido à situação no Afeganistão, e a propostas de Omar, feitas em 1998 e 1999, de erradicar o ópio em troca do reconhecimento internacional.

O resultado, segundo o Programa das Nações Unidas para o Controlo das Drogas (PNUCD, in ONU 2001), foi a redução da área plantada em 91% para 7606 hectares e da produção de ópio para 185 toneladas em 2001, menos 94% face às 3276 de 2000 e 96% em relação ao recorde de 4581 toneladas registado em 19991. Ao contrário, no território dominado pela Aliança do Norte a área cultivada cresceu 158% para 6342 hectares em 2001 e passou a representar 83% da área total.

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Proibição só aproveitou aos “taliban”

A proibição decretada pelo mullah Omar só deu ganhos para os taliban: separou-os da imagem de produtores de ópio, deixando esse odioso para a Aliança do Norte e Birmânia, aumentou os preços (decuplicaram) e permitiu o escoamento a bom preço dos stocks de ópio, resultado das colheitas recorde dos anos anteriores. Dir-se-ia um acto banal de gestão da oferta. Tanto assim que, nota o Departamento de Estado (2002), os “taliban [e a Aliança do Norte] não fizeram qualquer acção importante para apreender stocks de ópio ou químicos precursores necessários à produção de morfina e heroína ou para prender e perseguir narcotraficantes”.

A decuplicação dos preços para os 300 dólares por quilo permitiu que o rendimento bruto total em 2001 dos camponeses caísse apenas 38% para 56 milhões de dólares, ainda segundo o PNUCD.

A forma como esta interdição foi conseguida consistiu num mix de repressão e condenação da cultura da papoila, por ser anti-islâmica.

A erradicação – bem recebida pela comunidade internacional, em particular pelos EUA – foi de par com o agravamento da miséria dos cultivadores da papoila.

É isto que Karzai quer evitar, apesar de não ter como: “a luta contra as drogas tem de ser ligada ao desenvolvimento rural e à redução da pobreza, de forma que a opção não seja entre a plantação da papoila e a pobreza” (Comissão Europeia, 5 de Abril de 2002).

Ora, a papoila espalhou-se pelo Afeganistão devido à destruição da economia agrícola, ao regresso dos refugiados e ao fim do fornecimento de armas pelos EUA, a partir do Outono de 1991.

O fluxo de refugiados tem sido permanente: saíram com a invasão soviética, regressaram com a derrota da URSS (1989); saíram com a guerra civil subsequente, regressaram com a pacificação trazida pelos taliban (1996); saíram com o fundamentalismo destes, regressaram com o seu derrube (2001).

 

Refugiados entregues ao “deus dará”

Mas os regressados ficam abandonados ou sob a assistência das organizações internacionais. Estima-se que existam 3,5 milhões de refugiados e 1,2 milhões de deslocados dentro do Afeganistão (a população ronda os 25 milhões, dos quais 40% são pastunes). O recurso à papoila do ópio, que requer poucos cuidados e pouca água, é o que convém a quem precisa de rendimentos, se depara com a infraestrutura agrícola destruída e se confronta com uma seca. Durante um encontro internacional em Tóquio, em Abril de 2002, o ex-primeiro-ministro nipónico Ryutaro Hashimoto dizia que antes de identificar o tipo de plantações a apoiar convinha saber como se arranjaria a água necessária.

O fim da ajuda norte-americana levou os comandantes a procurar receitas alternativas, como o ópio, inclusive para se sustentarem enquanto líderes.

Já os taliban nunca dependeram do ópio, dados os apoios, financeiros e em espécie, da Arábia Saudita, Paquistão e Bin Laden, entre outros interessados em os instrumentalizar. Cálculos diversos apontam, contudo, que as taxas que cobravam sobre a produção, a transformação e o transporte do ópio, morfina e heroína lhes rendiam entre 20 a 150 milhões de dólares por ano. Rashid (2000) defende mesmo que estas taxas se tornaram o sustento do rendimento taliban e da sua economia de guerra.

Hoje, Karzai está confrontado com mais uma vaga de refugiados e a permanência das dificuldades para os que ficaram. Ambos, entregues a si próprios, no que é a renovação da lógica taliban do “Deus dará”, se viram para o ópio. Se a cultura da papoila lhes for negada, sem mais nada, apenas lhes resta a revolta e/ou a miséria. O executivo de Karzai já admite que a erradicação total – que os taliban conseguiram na hora – exige três a cinco anos, prazo que o PNUCD estica para 10 anos. Pode ser que a diferença temporal traduza a diferença de métodos ou seja apenas a preparação do discurso justificador do falhanço da erradicação.

 

Informação complementar

EUA descrentes na proibição

O Departamento de Estado norte-americano (2002) admite que “não é razoável esperar uma banição efectiva imediata” (p. VII-4) da plantação da papoila do ópio no Afeganistão, apesar da sua proibição formal pela Autoridade Interina (AI). A falta de meios da AI, outros problemas de resolução mais urgente e a difícil situação no terreno explicam aquela expectativa. No documento acrescenta-se que “permanece incerto se a urgência e o financiamento da comunidade internacional serão suficientes para eliminar depressa o cultivo da papoila no Afeganistão. O controlo das regiões é feito por várias facções. É incerto saber se e quais as facções dispostas a aceitar a proibição da cultivo da papoila decidida pelo Autoridade Interina. A Aliança do Norte não tomou qualquer acção contra a plantação e tráfico nas suas áreas” (p. VII-4). De forma geral considera-se que “o controlo das plantações é o meio mais efectivo de reduzir a oferta. (...) Num mundo perfeito sem plantações de droga para colher, nenhuma droga entraria na cadeia de distribuição. (...) Infelizmente o mundo real não é tão simples. A redução das plantações tem enormes consequências políticas e económicas para o país produtor. (...) Apesar de ser o meio mais eficiente de eliminar as plantações, a erradicação em larga escala não é possível nem politica nem socialmente em muitos países” (p. II-8).

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1 Os valores da produção de ópio no Afeganistão divergem consoante as fontes. Para os anos de 1999, 2000 e 2001, respectivamente, os valores, em toneladas, vão de 2861, 3656 e 74 (Departamento de Estado 2002) a 4581, 3276 e 185 (PNUCD, in ONU 2001). O Departamento de Estado diz que os seus números são no melhor cenário “aproximações”, dada a natureza violenta e clandestina da indústria da droga, ao mesmo tempo que a dificuldade de acesso ao terreno de cultivo impede avaliações mais precisas.

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* Rui Nunes

Jornalista.

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