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Janus 2003



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A política israelita

Marisa Abreu Safaneta *

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Em Maio de 1999, as eleições gerais em Israel definiram a composição actual do parlamento, vencendo a coligação liderada pelo Partido Trabalhista, com Ehud Barak como primeiro-ministro. No entanto 60% dos lugares do parlamento eram controlados pela direita, com 32% dos lugares a serem asseguradas pelos partidos de esquerda. Após o fracasso da Cimeira de Camp David, em Julho de 2000, a coligação trabalhista desfaz-se, seguida da demissão de Ehud Barak, em Dezembro de 2000. Após a convocação de eleições antecipadas em Fevereiro de 2001, Ariel Sharon, líder do Partido Likud, acaba por vencer.

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O panorama político em Israel após a eleição de Ariel Sharon é talvez o mais complexo desde a criação do Estado em 1948. Após a referida eleição materializou-se a existência de um governo de direita e um parlamento resultante da vitória de uma coligação de esquerda.

 

O décimo quinto Knesset

Na verdade, a composição do 15º Parlamento israelita resulta das eleições gerais realizadas em Maio de 1999, que culminaram com a vitória da coligação “One Israel” encabeçada pelo partido Trabalhista, na altura liderado por Ehud Barak. Nessas mesmas eleições os israelitas elegeram também Barak para o cargo de primeiro-ministro em detrimento do candidato da direita Benjamim Netanyahu, primeiro-ministro cessante.

À primeira vista este aparentava ser um cenário coerente: um governo de esquerda e um parlamento também liderado pela esquerda. Ainda assim, uma análise mais cuidada revelava desde logo alguns dados importantes: na verdade a presença de partidos de esquerda no parlamento correspondia apenas a 32% do mesmo, sendo que, destes, 22% eram representados pelo Partido Trabalhista. Quanto à direita, esta controlava cerca de 60% dos lugares, dos quais 16% pertença do Likud. Apenas em face da existência da coligação “One Israel”, o Partido Trabalhista conseguia a maioria dos lugares tendo, no entanto, necessidade de integrar nas suas fileiras alguns partidos claramente à direita.

A vitória da esquerda naquele momento consolidou-se perante a incapacidade do Likud em liderar a direita israelita.

O fracasso da governação de Benjamim Netanyahu contribuiu claramente para esta situação.

O aprofundar da crise originada pelos constantes revezes no processo de paz iniciado alguns anos antes com Y. Rabin, e as evidentes dificuldades sentidas por Netanyahu em cumprir as suas promessas eleitorais de 1996, contribuíram largamente para a erosão do seu prestígio pessoal e para a perda de confiança de importantes apoios de que beneficiava em sectores conservadores da vida política israelita.

Muitas vezes “entre a espada e a parede”, Netanyahu viu-se pressionado pela comunidade internacional para que retomasse o cumprimento dos compromissos assumidos por Y. Rabin, suspensos desde a morte deste, e pela pressão interna para que recuasse nas cedências israelitas. E se por um lado participava em novas rondas negociais com a representação palestiniana, por outro autorizava a construção de novos colonatos. Barak beneficiou do esgotamento desta conduta política.

 

A crise do Outono de 2000

A coligação encabeçada por Barak, embora tendo permitido mais de um ano de governação à esquerda, começou a revelar claros indícios de perturbação à medida que as negociações de paz se iam arrastando sem resultados concretos, assistindo-se paralelamente a um aumento significativo da violência.

No entanto, somente após o fracasso da Cimeira de Camp David II, em Julho de 2000, se torna evidente o colapso desta coligação. A eminência da aprovação de um voto de desconfiança ao primeiro-ministro, já no último trimestre de 2000, traduz perfeitamente esta situação.

A demissão de Ehud Barak, em Dezembro de 2000, provocou a convocação de eleições antecipadas para o cargo de primeiro-ministro agendadas para Fevereiro de 2001. O facto de estas serem eleições “especiais” trouxe novos elementos, já que se manteria inalterável a composição parlamentar embora com a coligação governativa liderada por Barak completamente desfeita. Deste modo, o novo primeiro-ministro teria de se adaptar a este cenário procurando novos consensos que lhe permitissem governar em maioria.

Esta demissão foi objecto de grande reflexão no seio do Partido Trabalhista e ocorreu com o intuito principal de evitar uma perda considerável de poder do partido no parlamento.

A estratégia era aparentemente simples: sacrificar provisoriamente o primeiro-ministro, evitando deste modo um voto de desconfiança ao governo, que certamente ocorreria, e nesse caso seriam convocadas eleições gerais antecipadas para o parlamento e para o cargo de primeiro-ministro.

Perante a situação vivida naquele momento, era de prever um voto generalizado à direita, que traria uma clara vantagem para o Likud em detrimento dos interesses trabalhistas. De certo modo, acreditava-se que o prestígio pessoal de Ehud Barak poderia ser suficiente para que este, através de uma forte campanha eleitoral, fosse reeleito.

As sondagens conhecidas em Novembro apontavam para a vitória de Barak num confronto directo contra Ariel Sharon, mas o mesmo não acontecia se o candidato da oposição fosse Benjamim Netanyahu. Neste caso, a vitória não era certa e Barak enfrentaria uma possível derrota.

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A percentagem de eleitores indecisos era suficientemente expressiva para não deixar tranquilo o candidato da esquerda.

Com a demissão de Barak o Partido Trabalhista evitava novas eleições para o parlamento e evitava também a candidatura de B. Netanyahu, uma vez que, segundo a legislação em vigor na altura, os candidatos concorrentes a eleições especiais teriam de ser membros do parlamento, o que não acontecia no caso de Netanyahu.

Esperava-se portanto a reeleição de Barak e com esta uma espécie de segunda oportunidade seria concedida à esquerda, que teria de se reorganizar em novas coligações para manter a liderança de uma maioria no parlamento.

Clara que estava a estratégia da esquerda, multiplicaram-se os protestos, que culminaram inclusive com a aprovação de uma alteração à legislação eleitoral, já Dezembro entrado. Esta alteração conhecida como “Bibi Law” (Bibi = diminutivo de Benjamin Netanyahu) previa a possibilidade de candidatura a eleições especiais de personalidades que não fossem membros do parlamento. Era a reacção dos opositores de Barak tentando inviabilizar a sua reeleição. Barak vota favoravelmente a alteração procurando distanciar-se das acusações de que era alvo.

Ainda assim Netanyahu recusa candidatar-se, alegando não desejar envolver-se na estratégia de Barak, que considerava fraudulenta. Netanyahu era defensor da autodissolução do parlamento e convocação de eleições gerais antecipadas. Esta não foi, no entanto, a opção seguida, uma vez que a maior parte dos pequenos partidos com assento parlamentar não estava disposta a arriscar a sua posição.

 

As eleições especiais de 2001

Em Fevereiro de 2001, Barak concorre com Ariel Sharon e este emerge como o grande vencedor, contrariando as sondagens, realizadas alguns meses antes.

Na verdade, não foi Sharon que ganhou, mas sim Barak que perdeu. Da análise dos resultados eleitorais podemos inferir que a vitória de Sharon foi conseguida nas eleições com menor número de votantes na história israelita, apenas 62,2% contra os habituais 80%. Entre os que não votaram encontram-se em grande percentagem os árabes israelitas desiludidos com as opções em causa. Ironicamente esta abstenção terá contribuído para a eleição do candidato da direita, tradicionalmente excluído das opções deste segmento da sociedade israelita.

Deste resultado eleitoral podemos retirar que o Partido Trabalhista é claramente o mais prejudicado, bem como a esquerda israelita em geral, sobretudo após a apresentação do governo de Unidade de Sharon do qual fazem parte também personalidades trabalhistas como o próprio Shimon Peres. O papel de oposição deste partido esvazia-se com a participação nesta coligação. A recusa de Barak em participar no novo governo de Sharon e a sua demissão do partido foram factores decisivos na entrada dos trabalhistas para a coligação.

Mas as dificuldades de governação de Barak repetem-se com Sharon. O mosaico multicultural, que caracteriza a sociedade israelita, está perfeitamente representado na existência de inúmeros partidos sectoriais no parlamento deste país. Um tal cenário dificulta o funcionamento de qualquer governo eleito sem maioria para governar sozinho.

Mesmo no seio do próprio Likud, a liderança de Sharon é constantemente desafiada pelo seu eterno rival, Netanyahu. Estando à frente de um governo de coligação com a esquerda, Sharon encontra-se dividido entre a esquerda e a direita e entre a direita e a extrema-direita, isto é, entre os compromissos com alguns dos seus parceiros de coligação e as pressões no seio do seu partido.

A situação actual, marcada pelo regresso da Intifada e pela incapacidade de A. Sharon em pôr fim à violência, determinam novos e renovados problemas para o velho “falcão”.

O quotidiano dos últimos meses, marcado pelo intensificar das acções militares israelitas nas principais cidades palestinianas da Cisjordânia e pelos mortíferos atentados suicidas palestinianos, contribuiu decisivamente para o aprofundar das diferenças entre os parceiros desta coligação governativa.

O apoio da esquerda, representada na coligação pelo Partido Trabalhista, o regresso às negociações com os palestinianos e os constantes apelos da extrema-direita no sentido do não estabelecimento de um Estado palestiniano, têm demonstrado bem o fosso que separa alguns membros da coligação.

Do mesmo modo, estes mesmos exemplos evidenciam as dificuldades de obtenção de compromissos.

A experiência destas dificuldades tem ditado uma conduta política essencialmente reactiva e não activa. Ariel Sharon e o seu governo reagem aos atentados terroristas, às pressões da comunidade internacional, aos discursos de Yasser Arafat, às tensões sociais em Israel e ao comportamento dos países árabes, entre outros fenómenos.Em termos de iniciativa política e de apresentação de soluções e propostas credíveis para o relacionamento com o povo palestiniano, o período Sharon tem sido um fracasso.

O aumento da contestação no seio do Likud e no governo de União Nacional podem estar a criar o ambiente propício ao relançar da esquerda em Israel.

O ministro da Defesa Ben Eliezer pode muito bem vir a ser o maior beneficiário desta situação enquanto potencial líder do Partido Trabalhista, uma vez que Shimon Peres continua empenhado num apoio misterioso a Ariel Sharon, correndo o risco de sair prejudicado nas suas ambições políticas. Mais do que o apoio do cidadão comum, Sharon necessita de readquirir a coesão da sua coligação.

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* Marisa Abreu Safaneta

Licenciada em Relações Internacionais. Docente na UAL. Secretária Académica do Instituto Sócrates da UAL.

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