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Onde estou: | Janus 2003 > Índice de artigos > A convulsão internacional > O “arco de crise” (II): Israel, Palestina, Iraque > [A UE incapaz de rejeitar o duplo terrorismo israelita e palestiniano] | |||
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Directa ou indirectamente, o papel da UE face às questões israelo-palestiniana e israelo-árabe exprime as fragilidades europeias. Quando pensamos, hoje, no papel da UE no processo de paz do Médio Oriente, sabemos que ele é limitado pela clara hegemonia dos EUA nos aspectos tecnológico, militar e económico, hegemonia em que muitos autores vêem, como nós, traços imperiais. A falta de uma política externa europeia, e da correlativa política de defesa e de segurança comum, bem como a articulação europeia com a “nova NATO”, resulta dessa hegemonia dos EUA, e simultaneamente favorece-a. Se fosse preciso demonstrar, a partir dos seus efeitos, a prevalência desta situação, bastaria evocar aquilo a que os americanos chamam a “ausência da Europa” perante as guerras da ex-Jugoslávia. Não é, evidentemente, apenas em relação ao Médio Oriente que a questão se põe. Ao mesmo tempo, quando se comparam as atitudes políticas sedimentadas dos EUA e da UE face ao conflito israelo-palestiniano, pode dizer-se que os EUA estão basicamente ancorados em pressupostos pró-judaicos e pró-israelitas, e que a Europa está basicamente ancorada numa cultura política complexa e contraditória, mas que favorece pressupostos pró-palestinianos e pró-árabes. Ora, se é pouco provável que os norte-americanos alterem os seus preconceitos históricos (sobretudo depois do 11 de Setembro), a incapacidade europeia para criticar sem hesitações, e a uma só voz, os novos “mártires-bomba” da causa palestiniana é um atavismo ideológico que não favorece qualquer retoma de diálogo com todas as partes envolvidas. É óbvio que, ao colocarmos a questão nestes termos, estamos a propor uma leitura redutora e estereotipada da conflitualidade americano-europeia nesta matéria. A complexidade das posições europeias face à questão palestiniana inclui a existência de um “lobbying” pró-judaico em boa parte dos países membros da actual UE, os esforços feitos, por exemplo, pela Internacional Socialista para valorizar a presença, no seu seio, dos trabalhistas israelitas, etc. E resulta, igualmente, do “melting pot” político europeu, da rivalidade entre os Estados-Nações e as instituições federadoras, da importância das bilateralidades dispersas, do grau de efectivação dos programas de cooperação europeia com as partes envolvidas (Israel, Palestina, Jordânia) nas mais diversas áreas, ao longo de toda a década de 90.
A UE e os “mártires-bomba” Com a “ofensiva Ariel Sharon” de 2001-2002, que, ao abrigo da “luta antiterrorista” internacionalmente desencadeada no pós-11 de Setembro, identificou Yasser Arafat e a Autoridade Palestiniana como inimigos a abater, o processo de paz e a partilha de territórios entre o Estado de Israel e as autoridades palestinianas atingiram um dos momentos mais críticos de sempre. As organizações que apoiam a luta palestiniana, designadamente a Hezbollah, o Hamas, a Jihad Islâmica e grupos de “mártires” emergentes da Fatah de Arafat, responderam às ofensivas (que apenas ampliaram as de Barak na sequência do falhanço do acordo de Washington), seguidas de ocupação e destruição das infra-estruturas da Autoridade Palestiniana pelo exército israelita, com uma nova geração de “militantes-bomba”, que passaram a fazer-se explodir no meio de alvos civis israelitas. Este desenvolvimento é particularmente dramático, porque exprime a “conversão” de todo um povo a um modelo de guerra nacional suicidário, ao ponto de a imolação individual se ter transformado em projecto de vida para toda uma geração de jovens qualificados, muitas vezes licenciados em Universidades estrangeiras. Como se esperava, e apesar da intenção declarada pela administração Bush de reconhecer a existência de um Estado palestiniano, a atitude dos EUA em toda a nova situação foi de apoio tácito à política do primeiro-ministro Sharon. A missão de intermediação do secretário de Estado Colin Powell, que se deslocou a Israel e à Palestina para discutir um cessar-fogo e o regresso às negociações, constituiu, neste quadro, um fracasso geralmente reconhecido. O apagamento da UE na crise de 2002 foi particularmente notório: por um lado, requereu ao seu rival-aliado norte-americano um maior envolvimento na resolução da crise; por outro, apoiou todas as intenções da ONU de intermediar o conflito, incluindo o “estudo” da deslocação, para a Palestina, de uma força de “manutenção de paz”. Finalmente, globalmente considerada, a UE não foi capaz de se distanciar do salto qualitativo produzido pelos militantes palestinianos com a nova geração de “mártires”, nem o criticou abertamente. A sua posição face à escalada de violência na zona continuou, deste modo, a pautar-se pela impotência contraditória. Em vez de se distanciar simultaneamente da nova escalada do “terrorismo de Estado” israelita e da nova escalada suicidária do terrorismo palestiniano, e de fazer, assim, a crítica clara do duplo terrorismo, que dispara o desperdício inútil de vidas entre civis, a UE remeteu-se para as condenações de “todas as formas” de violência terrorista, que se confundem com condenações idênticas do próprio Yasser Arafat, e que se perdem, sem relevo, na multidão da sua comunicação mediática oficial. A “ofensiva Sharon” suscitou repúdio em boa parte dos poderes políticos europeus. Mas a falta de uma nova atitude da UE contra o culto do terrorismo suicidário palestiniano, que se traduza em sanções concretas contra os governos, organizações e indivíduos que o promovem, não ajuda a credibilizá-la como parceiro que visa impor o regresso ao processo de paz. Pelo contrário, esta incapacidade para criticar a uma só voz, e com visibilidade, o “novo” terrorismo palestiniano em termos éticos, políticos e em nome da paz, acentua o estereótipo da separação entre uns EUA tradicionalmente pró-judaicos e pró-israelitas, e uma Europa cuja cultura política manifesta um pendor tradicionalmente pró-palestiniano e pró-árabe.
Moratinos: um discurso premonitório Lembremos, a este respeito, uma passagem premonitória da conferência de Miguel Angel Moratinos, representante especial da UE no Médio Oriente, defensor incondicional da importância da Conferência de Paz de Madrid e do processo iniciado em Barcelona, quando falava no Institut Catalá de la Mediterrània d’Estudis i Cooperació, em Maio de 1998: “¿Qué era Europa en el año del Tratado de Roma, 1957, y cuál es la Europa de ahora? (...) ¿Cuál será la Europa del año 99 y comienzos de siglo, cuando tenga una moneda única? ¿Es que eso no tendrá consecuencias políticas, psicológicas, financieras de trascendencias inimaginables? (...) El impacto – que será impresionante – de la construcción de la moneda única llevará de manera inmediata y consiguiente a la creación, a la necesidad de tener una Política Exterior y de Seguridad Común. (...) Dentro de unos meses, aún se escuchará en los medios de comunicación: “ausencia de la UE”, “pax americana”, “ignorancia europea”, “los europeos no conocen nada de Oriente Medio”. No me preocupa en absoluto, porque la tendencia es la marcada por los factores estratégicos, políticos y económicos que van a configurar el futuro de nuestra región”. Mais de quatro anos e meio – e não meses – depois, a “ausência da UE”, o fracasso da única paz proposta, a “pax americana”, e a ideia de que “os europeus nada sabem do Médio Oriente” continuam, significativamente, a fazer o seu caminho.
Exportação do modelo europeu No início da década de 90, a UE sonhou poder apresentar-se aos países do Médio Oriente e do Mediterrâneo Sul como modelo: a Europa tinha demorado 300 anos, desde a Guerra dos Trinta Anos a 1945, a substituir os paradigmas do predomínio nacional e da exclusão pelos paradigmas da cooperação e da tolerância. Mas a implosão da ex-Jugoslávia de Tito, seguida da crise do Kosovo e da instabilização geral dos Balcãs, e sobretudo a impotência europeia para gerir, sem os EUA, a sucessão de crises nas suas fronteiras balcânicas, diminuiu a capacidade de sedução do “modelo europeu”. A Guerra do Golfo (1991) tinha estabelecido as novas “regras do jogo” da geração de aliados contra um inimigo comum. Apesar disso, o relançamento do processo de paz israelo-palestiniano em Madrid, continuado pelos acordos de Oslo, e, depois, o início do processo de Barcelona, mostraram a existência, no Médio Oriente, de um forte desejo de participação europeia na resolução dos problemas da região – porque o modelo europeu passou a interessar um número considerável de decisores locais. O que tem o “modelo europeu” a oferecer ao Médio Oriente? Por um lado, a sociedade da informação propõe um individualismo neoliberal que encontra pouco eco na região. Por outro, a clara distinção entre o posicionamento geoestratégico da Grã-Bretanha e das principais potências europeias continentais ( França, Alemanha), retira campo comum à Europa e à imagem que ela desejaria projectar de si própria. Mas, ao mesmo tempo, a UE também é sinónimo de solidariedade e de ética social, de abertura ao desenvolvimento sustentado e ao “Sul”. No Médio Oriente, o primeiro modelo é representado pela UE do “Casino Financeiro”; o segundo, pela cacofonia política europeia; o terceiro, pela UE das ONG e dos voluntariados. Em Julho de 1994, Arafat regressou finalmente a Gaza, seu ponto de partida, e desenvolveram-se os primeiros elementos constitutivos da Autoridade Palestiniana – polícia, sistema educativo, ministérios. O nascimento dessa estrutura reforçou o optimismo de quem pensara que o processo iniciado em Madrid e Oslo era irreversível. Parecia ter-se posto termo a quatro décadas de confrontos, 56 planos de paz, mais de quatro guerras convencionais, acrescidas da invasão do Líbano em 82 e das sucessivas Intifadas. A partir de 1995, é natural que a euforia gerada pelo arco Madrid-Barcelona se tenha quebrado: a esperança de tornar tal arco, e sobretudo o processo de Barcelona, numa rede de segurança regional mediterrânica e numa plataforma para a criação de confiança voltou a esmorecer.
A política do “sim, mas...” No entanto, vistos da UE, no início da primeira década do séc. XXI, os problemas da região são estruturalmente os mesmos que no início da década de 90: É preciso garantir a segurança nacional de Israel e seus vizinhos árabes? Evitem-se quaisquer novas guerras convencionais. É preciso garantir a segurança pessoal dos cidadãos israelitas, impedindo atentados terroristas? Sim, mas ao mesmo tempo os palestinianos não podem ser alvos de fanáticos israelitas ou judeus. É preciso garantir a segurança da religião e dos religiosos de Israel? Sim, mas garanta-se ao mesmo tempo a segurança dos que todas as sextas-feiras vêm à mesquita Al Aqsa cumprir os seus deveres religiosos. A água é uma questão tão estratégica para Israel, que gera por si só uma estratégia nacional de defesa e de segurança? Sim, mas a água também é estratégica para os seus vizinhos árabes e palestinianos. A política do “sim, mas...” tem marcado a atitude europeia na questão israelo-palestiniana, dando razão ao duplo argumentário de um antagonismo que usa de todos os meios para se perpetuar. Mas a UE precisa de um novo paradigma mais independente e mais afirmativo face aos problemas da zona.
Informação complementar Estrutura da Autoridade Palestiniana Criado pela Declaração de Princípios de 13.09.1993 e pelo acordo de Washington de 28.09.1995, o Conselho da Autonomia, constituído por 88 membros eleitos por sufrágio directo e universal, é o orgão supremo da Autoridade Palestiniana. Elegem-no a população palestiniana dos territórios autónomos e ocupados, bem como a de Jerusalém Oriental. Os 88 eleitos são membros, por inerência, do Conselho Nacional Palestiniano (CNP). O presidente da Autoridade Executiva também é eleito por sufrágio directo e universal, em simultâneo com o Conselho. O presidente escolhe os membros da Autoridade Executiva, 80 por cento dos quais são obrigatoriamente membros eleitos do Conselho. As competências das instituições palestinianas são delegadas por Israel e referem-se sobretudo à organização e gestão da vida civil das áreas que lhes estão entregues (e que sofreram uma redução drástica na sequência da “ofensiva Sharon”) e o seu policiamento. Exceptuam-se dessas competências as questões mantidas em aberto na negociação com Israel: colonatos, refugiados, fronteiras e estatuto de Jerusalém, bem como outras expressamente reservadas – a da água. O Conselho não tem competência em matéria de defesa nem de política externa, e a OLP detém o exclusivo da representação palestiniana em negociações nas áreas económica, científica e cultural. Desde a criação destas instituições, Yasser Arafat acumula as presidências da Comissão Executiva da OLP e da Autoridade Executiva. A “ofensiva Sharon” restabeleceu a soberania israelita “de facto” sobre a totalidade dos territórios sob administração palestiniana, independentemente da sua complexa classificação em três zonas com autonomias diferenciadas (e habitualmente designadas por A, B e C).
Sharon ou o regresso à solução militar 9 Set. 1993 – A OLP reconhece Israel e o seu direito à existência. No dia seguinte, Israel reconhece a OLP como “representante do povo palestiniano”. 13 Set.1993 – Israel e a OLP assinam em Washington a declaração de princípios sobre a preparação da autonomia palestiniana, válida por cinco anos e apadrinhada pelos EUA e a Rússia. 29 Abr. 1994 – Assinado em Paris o protocolo sobre a “integração das economias” israelita e palestiniana. 4 Maio 1994 – Assinado no Cairo o acordo “Oslo 1” sobre os procedimentos com vista à autonomia palestiniana. O exército israelita retira-se da Faixa de Gaza e de Jericó. A 24 e 29 de Agosto são assinados acordos complementares mediante os quais Israel transfere parte dos seus poderes civis. 28 Set. 1995 – O acordo “Oslo 2”, ou “de Taba”, assinado em Washington, estende à Cisjordânia os procedimentos da autonomia palestiniana. 15 Jan. 1997 – Acordo de Erez sobre a retirada israelita de Hebron. A Autoridade Pales- tiniana passa a deter os poderes civis e policiais na cidade, à semelhança do que se passa em Jenina, Qalqilya, Tulkarm, Nablus, Ramallah e Belém. 23 Out. 1998 – Memorando de Wye Plantation (EUA) estabelecendo novo calendário para a retirada israelita prevista nos acordos de Taba e nunca efectuada. 4 Set. 1999 – Nova recalendarização da retirada israelita em Charm-el-Cheik (Egipto). O acordo de paz definitivo, previsto para 4 de Maio de 1999, é adiado para 20 de Setembro de 2000. O novo calendário é, em seguida, dado como irrealizável por Israel. 24 Jul. 2000 – A cimeira israelo-palestiniana de Camp David, imposta pelo presidente Clinton, falha o objectivo de lançar bases para o estatuto de Jerusalém e para um acordo permanente entre as partes. 28 Set. 2000 – Início da Intifada Al Aqsa, depois da visita provocatória de Sharon à esplanada das mesquitas de Jerusalém. Mas, se a Intifada de 1987 fora descrita como “revolta das pedras e dos cocktail Molotov”, esta é feita com armas de fogo que incluem morteiros. Israel responde com tanques, helicópteros, bombardeiros e atiradores de élite. 7 Mar. 2001 – Ariel Sharon, líder do Likud (direita nacionalista) e símbolo da guerra contra os árabes desde a década de 50, vence as eleições legislativas antecipadas (contra Ehud Barak, trabalhista) com 62,5% dos votos e inicia a sua política de “bantustização” da Palestina e de destruição da Autoridade Palestiniana, renegando todos os acordos anteriores e apostando numa renegociação posterior a uma vitória militar. Out. 2001 –
Sharon apoia-se na campanha internacional antiterrorista promovida pelos
EUA depois dos atentados de 11 de Setembro e acentua a sua ofensiva militar
contra a Autoridade Palestiniana e os militantes das diversas organizações
palestinianas.
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