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Janus 2003



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Cenários de futuro

Marisa Abreu Safaneta *

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Um cenário optimista no que respeita à evolução da política israelita supõe o retomar das negociações bilaterais. Ariel Sharon poderia ser afastado, por pressão dos sectores mais conservadores, enquanto Yasser Arafat tentaria reabilitar a sua imagem como líder. Num cenário de ‘Violence without Peace’, ou seja a situação actual, onde a insistência pela opção terrorista é acompanhada pelo reforço do militarismo israelita, Sharon manteria o cargo e Arafat teria sérias dificuldades em manter a liderança, uma vez que as soluções radicais seriam a forma de pressão mais eficaz sobre Israel.

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Numa altura em que parecem ter confirmação todas as teorias mais pessimistas acerca das relações israelo-palestinianas, torna-se mais difícil a reflexão sobre o futuro do conflito. Na verdade, e embora este conflito seja já o mais longo do pós-segunda guerra mundial, ainda não é possível prever com segurança um desfecho para o mesmo.Em boa verdade, qualquer análise sobre este tema estará sempre condicionada a desenvolvimentos políticos ou militares que em qualquer momento podem trazer novos dados inicialmente não considerados. Deste modo, qualquer ensaio de construção de cenários rapidamente se pode tornar desactualizado ou até mesmo completamente errado.

Ainda assim, não deixa de ser um exercício aliciante. Actualmente a grande questão é saber para onde se caminha! E de facto a resposta não é simples. O papel da comunidade internacional, a instabilidade política em Israel, a insegurança de israelitas e palestinianos, a sucessão de Yasser Arafat, o papel dos grupos radicais islâmicos e o destino do processo de paz são apenas alguns exemplos de um complexo rol de incógnitas que condicionam qualquer reflexão sobre o futuro.

É no entanto claro que a evolução dos acontecimentos não dependerá exclusivamente de um factor isolado mas sim da conjugação de diferentes variáveis interagindo entre si.

E qualquer desenvolvimento em cada uma destas esferas pode provocar evoluções numa determinada direcção.

Partindo de posições ora marcadamente optimistas, ora pessimistas, privilegiando a aposta no processo de paz ou no confronto total, é possível elaborar algumas hipóteses para o futuro das relações israelo- palestinianas.

 

“Arquipélago palestiniano” ou “Peace with violence”

Neste contexto o actual ciclo de violência chegaria ao fim provavelmente através do retomar com sucesso das negociações bilaterais entre israelitas e palestinianos.

Seria um cenário de compromisso entre as partes por forma a terminar com a violência num curto espaço de tempo. Mas seria também um cenário de grandes modificações na conduta de ambas as partes.

Do lado israelita, Ariel Sharon pressionado pela comunidade internacional, com particular destaque para os EUA, seria levado a regressar de forma séria às conversações e a parar a ofensiva militar israelita nos territórios ocupados. Um eventual ataque norte-americano ao Iraque poderia servir de ponto de partida para este cenário. Neste contexto os EUA teriam necessidade de angariar apoio árabe e a “moeda de troca” poderia muito bem ser o Estado palestiniano.

Como consequência, a médio prazo, Ariel Sharon correria o risco de ser afastado da liderança israelita por pressão dos sectores mais conservadores, insatisfeitos com as cedências aos palestinianos. As actuais divergências no seio do seu governo de União Nacional apontam claramente nesse sentido.

O crescimento do movimento “Peace Now” e o aprofundar do sentimento de insegurança entre israelitas seriam também factores determinantes.

Neste contexto, Ariel Sharon surgiria como principal responsável pelo clima de quase “guerra” em Israel e isso custar-he-ia o cargo de primeiro-ministro.

Do lado palestiniano, Yasser Arafat, tentaria limpar a sua imagem interna e externa, desgastada desde a recusa ao Plano Barak na Cimeira de Camp David em 2000 e pela ausência de uma pronta condenação dos atentados terroristas palestinianos contra alvos civis israelitas.

Procurando também reforçar a sua liderança, este provavelmente aceitaria um compromisso de paz, mesmo que este envolvesse algumas cedências.

Neste cenário, as negociações decorreriam com base nos textos de Oslo, deixando para trás algumas vozes críticas que por vezes apelam ao relançar de um novo processo de paz esquecendo Oslo e os seus erros.

Seriam retomadas as discussões sobre o cumprimento dos acordos entretanto firmados. A primeira fase de Oslo seria cumprida, trazendo a implementação do Acordo Interino e dos acordos subsequentes sobre matérias territoriais, assistindo-se à edificação e reconstrução das estruturas da autoridade palestiniana que assumiria as suas funções de estrutura administrativa pró-estatal.

Desta forma, um Estado palestiniano em Gaza e em algumas “ilhas de território” na Cisjordânia tornar-se-ia um realidade. Estas “ilhas” de soberania palestiniana comporiam um complexo “arquipélago” palestiniano.

Ainda assim, mesmo neste cenário optimista verificar-se-ia a sobrevivência de contestatários palestinianos aos acordos e assistir-se-ia à consequente continuação de alguns atentados terroristas reivindicados por movimentos radicais.

Esta situação conduziria inevitavelmente à manutenção do sentimento de insegurança entre israelitas. Décadas de ódio entre as partes permitiriam o continuar de baixos níveis de violência. Uma espécie de “Low Intensity War” continuaria a marcar o dia-a dia destas populações.

O agravamento das divisões na sociedade israelita poderia potenciar a ascensão de novos líderes extremistas, o que acarretaria o risco de relançamento do conflito.

Num futuro próximo os problemas de liderança em Israel e na Palestina seriam inevitáveis. Depois da morte de Yasser Arafat, a hipótese de grave agitação entre palestinianos seria também uma séria ameaça e poderia condicionar o futuro de um Estado recém-constituído experimentando sérias dificuldades económico-sociais.

A paz por si só não traria desenvolvimento nem crescimento económico. Um Estado palestiniano nestas condições necessitaria fortemente de ajuda internacional e dependeria de um estreita colaboração económica com Israel.

 

“Bunker Israelita” ou “Violence without Peace”

Este seria o cenário da manutenção da actual situação de violência generalizada onde a continuação dos atentados terroristas palestinianos conduziria a um reforço da posição militar israelita.

O governo israelita, pressionado por uma população cada vez mais insegura, seria levado a adoptar medidas drásticas no sentido de garantir a protecção dos seus cidadãos.

Ariel Sharon permaneceria em funções e, em face do bloqueio das negociações, optaria pelo status quo procurando apenas combater o terrorismo através de resposta militar cada vez mais intensa.

A actual espiral de violência continuaria e levaria à procura de soluções radicais por forma a tentar garantir a segurança israelita e prevenir futuros atentados.

Este cenário é compatível com os actuais projectos de construção de vedações de protecção e com o reforço ou encerramento das fronteiras israelitas actualmente utilizado. Seria a aposta na tentativa de separação unilateral da parte israelita desde há muito defendida em alguns sectores desta sociedade.

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Em consequência, as zonas palestinianas seriam isoladas por vedações, muros ou postos de controlo e a mobilidade dos palestinianos seria seriamente reduzida. As consequências económicas desta situação seriam particularmente sentidas entre a população palestiniana, mas o clima de instabilidade constante teria necessariamente consequências também para israelitas.

Ficaria assim adiada sine die a criação de um Estado palestiniano e mesmo os pólos de autonomia conseguidos desde o início do processo de paz encontrar-se-iam seriamente condicionados ao comportamento militar israelita.

Do ponto de vista político, os sectores mais moderados israelitas poderiam ser ultrapassados pela aposta em soluções mais radicais como as defendidas pela extrema direita.

Yasser Arafat teria sérias dificuldades em sustentar a sua liderança uma vez que as soluções radicais tornar-se-iam as mais eficazes formas de pressão sobre Israel face ao abandono das negociações.

A ocorrência de uma espécie de “regresso às origens” do movimento nacional palestiniano poderia ser uma realidade à medida que se regressasse à resistência armada na clandestinidade que caracterizou as primeiras décadas do conflito.

O verdadeiro desafio neste cenário seria tentar reunir as condições mínimas de confiança mútua indispensáveis para o regresso às conversações.

Poderiam, no entanto, decorrer anos de confrontação antes de tal suceder.

 

Informação complementar

Os candidatos a sucessão de Yasser Arafat (de acordo com a sua proveniência)

Autoridade Palestiniana (AP)

Ahmed Qurei (Abu Ala) – 65 anos; Porta-Voz do Conselho Legislativo da AP; sucessor de Y. Arafat em caso de morte deste.

Talvez líder empenhado na paz já que esteve envolvido nas negociações se-cretas que conduziram ao início do processo de paz em 1993. Falta-lhe apoio sólido na OLP. Talvez o único candidato à sucessão de Y. Arafat firmemente envolvido na paz de Oslo, mas o seu poder e prestígio vinham das estruturas da AP que Israel se encarregou de destruir. Embora um candidato aceitável aos olhos da comunidade internacional, não se acredita que tenha o carisma e prestígio necessários para ser eleito Presidente da AP.

Para além disto correm rumores sobre o seu debilitado estado de saúde.

OLP

Mahmoud Abbas (Abu Mazen) – 67 anos; membro histórico da organização; da “velha guarda” (trabalhou activamente for a da Palestina até 1991 juntamente com Y. Arafat).

É visto como moderado e empenhado no processo de paz de Oslo do qual se acredita que tenha sido um dos arquitectos; numa eventual candidatura à Presidência teria a vantagem de ser um candidato aceite pela Fatah mas a desvantagem de não ser bem visto pela “nova geração” que acredita que ele está demasiado associado a um processo de paz fracassado.

Fatah

Marwan Barghouti – 42 anos; Secretario Geral da Fatah na Cisjordânia e um dos políticos palestinianos mais destacados.

Profundamente envolvido na 2ª Intifada, tendo sempre apelado à resistência a Israel; actualmente detido em Israel acusado de preparar atentados terro-ristas. Muito carismático e com passado de luta armada contra Israel; faz parte da “nova geração” de líderes palestinianos.

 

Forças de Segurança

Em Gaza

Mohammed Dahlan

41 anos; nova geração; ex-Chefe de Segurança em Gaza.

Com fortes aspirações políticas, beneficia do facto de ser um insider e de ter currículo no confronto real com Israel.

Na Cisjordânia

Jibril Rajoub, 49 anos; nova geração; Chefe de Segurança na Cisjordânia.

Beneficia de grande prestígio local, mas mal visto desde Abril, quando entregou um grupo de militantes do Hamas a Israel.

Radicais Islâmicos (Hamas)

Sheik Ahmed Yassin; 65 anos; líder espiritual do Hamas;

Cego e paraplégico, frequentemente apontado como candidato à sucessão de Y. Arafat, é pouco provável que se apresente como tal.

Independentes

Abdel Sattar Qassem; 53 anos; dissidente palestiniano; professor universitário.

Forte crítico de Arafat que acusa de governar o mais corrupto dos Estados árabes; próximo dos grupos radicais islâmicos e provável apoiante dos ataques contra civis israelitas; não reconhece Israel e não concorda com o processo de paz.

 

Posições inconciliáveis

Israel

Objectivos genéricos:

Segurança do Estado e dos Cidadãos

Legitimidade Internacional

Reconhecimento Incondicional com normalização das relações (em particular com países árabes)

Manutenção da ligação com os lugares Santos do Judaísmo

Defesa dos símbolos nacionais

Resolução permanente do conflito

Reivindicações (não negociáveis):

Jerusalém como capital de Israel

Não ao retorno às fronteiras anteriores a 1967

Defesa incondicional dos colonatos que são considerados parte integrante dos Estado

Não à existência de um 2º exército entre o Jordão e o Mediterrâneo

Constituição de uma zona-tampão abrangendo todo o vale do Jordão

Controlo sobre o complexo do monte do Templo

 

Palestinianos

Objectivos genéricos:

Viver em Liberdade, Igualdade e Dignidade

Segurança do Estado e dos Cidadãos

Respeito pelo seu Direito à autodeterminação

Direito ao retorno

Controlo dos lugares Santos para o Islão em Jerusalém

Legitimidade internacional

Existência de acordo aceite pelo mundo árabe

Reivindicações (não negociáveis):

Jerusalém como capital do Estado

Estado Palestiniano de acordo com as fronteiras anteriores a 1967

Direito ao Retorno dos Refugiados

Garantias de Segurança para protecção de um Estado não militarizado

Controlo sobre Haram al-Sharif (O Nobre Santuário)

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* Marisa Abreu Safaneta

Licenciada em Relações Internacionais. Docente na UAL. Secretária Académica do Instituto Sócrates da UAL.

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