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Onde estou: | Janus 2003 > Índice de artigos > A convulsão internacional > O “arco de crise” (II): Israel, Palestina, Iraque > [1991-2001: a paciente reabilitação regional de Saddam Hussein] | |||
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AQUI! Os EUA sublinharam a sua postura unilateralista, dois dias após
o discurso do presidente George W.Bush na Assembleira Geral da ONU
a 12/09/01, em Camp David, questionando abertamente a razão de ser
actual desta instituição. Nem as sucessivas versões do embargo decretado pela ONU, que atingia sobretudo a sua população civil, nem as irregulares e parcialmente bem sucedidas inspecções da ONU encarregadas de desarmar o país, nem os bombardeamentos regulares unilateralmente decididos pelas forças americano-britânicas, que se tornaram quase semanais a partir da operação “Raposa do Deserto”, em Dezembro de 1998, modificaram ou enfraqueceram o regime. Obrigado a retirar do Koweit em 1991, o Iraque tinha conseguido, dez anos depois, forçar a ONU a desactivar a primeira comissão de inspectores (Unscom) e a criar uma segunda (Unmovic), que, em Setembro de 2002, no auge da campanha americano-britânica a favor de uma “guerra preventiva”, ainda não conseguira pisar solo iraquiano. Por outro lado, Saddam Hussein tinha conseguido uma notória reabilitação política no contexto regional do Próximo e Médio Oriente, e mesmo num contexto mais alargado. Hugo Chavez, presidente venezuelano, visitou oficialmente Bagdad em Agosto de 2000, ao mesmo tempo que o Egipto e a Turquia reabriam embaixadas na capital iraquiana, e que um notório esforço negocial relançava as relações com a Síria, interrompidas 20 anos antes. O oleoduto Kirkuk-Baniyas, encerrado em 1982, e que serve os dois países, reabriu. O Conselho de Segurança da ONU decidiu reduzir os montantes das indemnizações de guerra a pagar pelo Iraque ao Koweit, e os iraquianos voltaram a estar presentes na cimeira da Liga Árabe (Cairo, Outubro de 2000) e na da Conferência Islâmica (Doha, Qatar, Novembro do mesmo ano), num clima de regresso à cena política regional em que já nenhum Estado árabe mantinha o princípio da recondução das sanções internacionais contra Bagdad. O primeiro-ministro da Jordânia (um dos países que mais activamente “furou” as interdições da ONU) aterrou em Bagdad, na sequência de uma campanha internacional contra o embargo que multiplicara, a partir de Setembro de 2000, os voos “político-humanitários” para o Iraque (o primeiro avião a aterrar em Badgad sem pedir autorização à ONU foi um aparelho comercial francês), e a companhia aérea iraquiana retomou os voos internos em Novembro do mesmo ano. De facto, nenhuma resolução da ONU impedia explicitamente o tráfego aéreo regular para o Iraque, mas as 661 e 770 proibiam toda e qualquer transacção comercial ou financeira com o país.
Ineficácia do embargo No início do mandato da administração George W. Bush, a 16 de Fevereiro de 2001, a aviação americano-britânica bombardeava arredores de Bagdad e outras áreas das duas zonas de exclusão aérea, que teriam sido violadas. Mas todos os países árabes e vizinhos do Iraque, bem como a França e a Rússia, e a maioria da oposição iraquiana, condenou esses bombardeamentos, entendidos como interpretação unilateral americano-britânica da resolução 688 da ONU, que criara disposições para travar a continuada repressão de civis curdos (no Norte) e xiitas (no Sul) pelo regime de Saddam Hussein. Mais significativo do que condenações dos raids terá sido o facto de eles representarem claramente o fracasso do embargo e das sanções, que a Síria e a Jordânia, entre outros, ajudavam cada vez mais notoriamente a minimizar. De perigoso invasor de um irmão árabe, o Iraque passava, dez anos depois, a vítima inocente da malevolência americana e dos seus vassalos. Estes factos vinham fazer pesar mais o clima de instabilidade e desconfiança vivido em meados de 2001 no Próximo e Médio Oriente, meses antes dos atentados de 11 de Setembro. A Arábia Saudita mostrava ao seu aliado americano cada vez mais sinais de inquietação. A segunda guerra do Golfo reduzira as receitas do petróleo, fizera regressar aos seus países de origem parte da mão-de-obra imigrante, e os países da península arábica sentiam-se perto da recessão e não conseguiam controlar as suas dívidas públicas. A repetição de um raid de grande envergadura, em Agosto de 2002, muito perto do paralelo 36, envolvendo mais de cem aviões americanos e britânicos, oficialmente para destruir novas defesas anti-aéreas instaladas por Bagdad, veio agravar as críticas e a desconfiança face ao unilateralismo anti-iraquiano, no perturbado contexto do pós-11 de Setembro. No tocante ao embargo, o secretário de Estado Colin Powell admitira, nos primeiros meses do mandato da nova administração americana, que era necessário reconduzir o tiro das sanções, orientando-as mais contra o regime e menos contra a população civil iraquiana, no que ficou conhecido pela proposta de “sanções inteligentes”. A política das “sanções inteligentes” acabaria por ser inviabilizada por oposição da Rússia, traduzida na votação de 3 de Julho de 2001 na ONU. Mas, entretanto, a subida dos preços do petróleo para valores muito superiores aos praticados na época da segunda guerra do Golfo (aproximando-se perigosamente dos 30 dólares/barril) terão persuadido os EUA da urgência de fazer regressar o “ouro negro” iraquiano ao mercado internacional. O primeiro passo nesse sentido fora já dado em 1996 com a autorização da campanha “Petróleo em troca de alimentos”. O Iraque viu, na prática, ilimitadas as suas exportações, e nem foi obrigado a qualquer quota de exportação pela OPEP, passando a realizar receitas de 10,5 mil milhões de dólares anuais. Os anos 2000-2001 foram marcados, neste particular, pela renovação do programa “Petróleo em troca de alimentos” pela ONU, primeiro apenas por um mês, depois por prazos mais alargados. Mesmo durante o embargo total ao petróleo iraquiano, Bagdad terá realizado em média mais de dois mil milhões de dólares/ano, contrabandeando-o para a Jordânia, a Turquia, o Irão e diversos portos do Golfo. No longo braço-de-ferro Washington-Bagdad em torno do petróleo, foi relevante o momento, a 30 de Outubro de 2000, em que o Iraque passou a contabilizar em euros, e já não em dólares americanos, a totalidade das suas transacções petrolíferas e comerciais. Finalmente, no plano interno da situação político-militar iraquiana, o status quo em nada pareceu ameaçado: na zona autónoma curda, os dois partidos rivais, o PDK (Partido Democrático do Curdistão) de Massud Barzani e a UPK (União Patriótica do Curdistão) de Jalal Talabani, próxima da Turquia, mostraram-se incapazes de estabelecer qualquer plataforma duradoura. O exército de Saddam ocupou, no final de 2000 e início de 2001, posições perto de Mossul (Nordeste do país), dando continuidade à política de arabização dos limites Sul do Curdistão, sem que tal operação tenha suscitado reacções externas significativas.
O regresso da opção militar À luz da doutrina Brzezinski, “um actor geopolítico de primeiro plano é um Estado dotado da capacidade e da vontade nacional suficientes para exercer o seu poder e a sua influência para além das suas fronteiras”. Durante a primeira Guerra do Golfo, que o opôs ao Irão da revolução islâmica, o Iraque laicizante e mais moderno de Saddam Hussein, então apoiado pelos EUA, revelou essa vocação de “actor geopolítico de primeiro plano”, vocação confirmada com a invasão do Koweit. Após a derrota de 1991 e na primeira metade da década de 90, isolado na sua própria região, o Iraque perdeu essa dimensão. Mas a sua lenta reabilitação regional, desde o início da segunda metade da mesma década, feita, sobretudo, à custa de uma persistente campanha de vitimização que encontra facilmente eco no mundo árabe e, mais irregularmente, em parte do Islão, devolveu-lhe uma posição de “pivot” regional importante, na medida em que pode, logo a seguir à questão palestiniana, condicionar o posicionamento dos diversos Estados muçulmanos petrolíferos face aos EUA. Foi sobretudo essa reconquista parcial e indirecta da capacidade de influenciar o frágil equilíbrio político regional, associada à importância das suas reservas petrolíferas e peso específico destas face à Arábia Saudita, que levou a aliança EUA-Grã-Bretanha a regressar, depois da parcialmente bem sucedida campanha no Afeganistão dos taliban, à opção militar contra o regime de Saddam Hussein, desta vez visando a sua supressão e substituição por um regime mais favorável à estratégia petrolífera americana.
Informação complementar A guerra de 1991 e o desarmamento do Iraque: uma cronologia 1990 2 Ago. – O Iraque invade o Koweit, acusando o emirato de roubo de petróleo iraquiano em Rumeila, perto da fronteira entre ambos os países. A ONU adopta a resolução 660, que exige a “retirada imediata e incondicional” das forças iraquianas do Koweit. Os bens iraquianos são congelados na maioria dos países ocidentais. 7 Ago. – Os EUA desencadeiam a operação “Escudo do Deserto”, que visa reunir uma coligação internacional tão ampla quanto possível contra o Iraque. 8 Ago. – O Iraque anexa o Koweit. 9 Ago. – A ONU adopta a resolução 662, que estabelece a ilegalidade total da anexação. 24 Ago. – Adopção da resolução 665, que prevê o bloqueio marítimo do Iraque e do Koweit ocupado. 28 Ago. – O Iraque declara o Koweit como província. Nos três meses seguintes, o Conselho de Segurança da ONU adopta mais sete resoluções visando obrigar Bagdad a respeitar as obrigações que lhe são impostas. A sétima, 678, dá ao Iraque um prazo até 15 de Janeiro de 1991 para que aplique a totalidade das resoluções da ONU; o ultimato acrescenta que, a partir dessa data, serão usados “todos os meios” para forçar o seu cumprimento. 1991 9 Jan. – O encontro, em Genebra, entre o secretário de Estado dos EUA James Baker e o ministro iraquiano dos Negócios Estrangeiros Tarek Aziz é inconclusivo. 13 Jan. – Em Bagdad, o secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar, toma conhecimento da recusa iraquiana de retirar do Koweit. 17 Jan. – Primeiros bombardeamentos sobre Bagdad – inicia-se a operação “Tempestade do Deserto”. 18 Jan. – O Iraque dispara os primeiros Scud contra Tel-Aviv. 20 e 21 Jan. – Scud iraquianos contra a base americana de Dahran, na Arábia Saudita. 6 Fev. – Bagdad corta relações diplomáticas com Washington, Londres, Paris, Roma, Cairo e Riade. 22 Fev. – Washington concede ao Iraque 24 horas para iniciar a evacuação do Koweit. 24 Fev. – Começa a operação terrestre das forças coligadas contra as tropas iraquianas. 26 Fev. – Saddam Hussein anuncia o início da retirada das suas tropas. O exército da coligação conclui o seu movimento a norte do Koweit, enquanto forças sauditas e árabes libertam a capital. À noite, o Iraque aceita todas as resoluções da ONU. 28 Fev. – As operações ofensivas da coligação são suspensas às 5h TMG. Bagdad ordena o cessar-fogo. 2 Mar. – Rebelião xiita no Sul iraquiano. 5 Mar. – Insurreição curda no Norte do país. Ambos os movimentos são esmagados pelo exército iraquiano. 3 Abr. – A ONU adopta a resolução 667 exigindo a eliminação das armas de destruição maciça iraquianas. 5 Abr. – Resolução 688, exigindo o fim da repressão dos xiitas e curdos iraquianos. 6 Abr. – A coligação lança a operação “Provide Comfort”, em apoio das populações curda e xiita do Iraque, e instaura uma zona de exclusão aérea a Norte do paralelo 36. Outra, a Sul do paralelo 32, será imposta em Agosto. 18 de Abril – É criada a Unscom, comissão de especialistas encarregada de desarmar o Iraque. 1994 10 Nov. – O Iraque reconhece a independência do Koweit. 1995 14 Abr. – A ONU adopta a fórmula “Petróleo em troca de alimentos”, que autoriza o Iraque, por razões humanitárias, a vender quantidades limitadas de petróleo. 8 Ago. – O general Hussein Kamal Hassan, genro de Saddam Hussein, refugia-se na Jordânia com seus irmãos e esposas. As suas informações levam a Unscom a descobrir a extensão das dissimulações iraquianas no tocante às armas de destruição maciça. 1996 25 Nov. – Bagdad aceita a resolução 986 da ONU. 1997 23 Out. – A ONU adopta a resolução 1134, que prevê novas sanções para obrigar Bagdad a cooperar com os seus inspectores em matéria de desarmamento. 12 Nov. – Resolução 1137, proibindo os responsáveis militares que entravam a acção da Unscom de sair do território iraquiano. 1998 13 Jan. – Bagdad interdita o acesso de locais estratégicos a uma equipa de especialistas. 14 Dez. – Richard Butler, chefe da Unscom, retira a sua equipa de Bagdad depois de várias semanas de crise. 16 Dez. – Operação americano-britânica “Raposa do Deserto” contra uma centena de alvos iraquianos. 1999 17 Dez. – Resolução 1284, criando nova comissão do desarmamento, a Unmovic, e exigindo a Bagdad que autorize o regresso incondicional dos inspectores ao seu território (Rússia, China e França abstêm-se na votação). 2001 29 Nov. – Resolução 1382, alargando
a lista de produtos que o Iraque está autorizado a adquirir, e liberalizando as suas vendas
de petróleo. Perfis
estatísticos comparados de actores nacionais na região
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