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1991-2001: a paciente reabilitação regional de Saddam Hussein

João Maria Mendes *

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A justificação para a “guerra preventiva” contra o Iraque basear-se-ia, de acordo com as declarações de Dick Cheney, vice-presidente norte-americano, na ameaça representada pelo programa armamentista iraquiano, que coloca em risco Israel, por um lado, a Arábia Saudita e o Irão, por outro, sob ameaça de se tornar na potência dominante no Próximo e Médio Oriente.

Os EUA sublinharam a sua postura unilateralista, dois dias após o discurso do presidente George W.Bush na Assembleira Geral da ONU a 12/09/01, em Camp David, questionando abertamente a razão de ser actual desta instituição.

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Uma década após a sua derrota militar na segunda guerra do Golfo, a que Z. Brzezinski prefere chamar “expedição punitiva” (a primeira tinha-o oposto ao Irão), o Iraque de Saddam Hussein permanecia de pedra e cal.

Nem as sucessivas versões do embargo decretado pela ONU, que atingia sobretudo a sua população civil, nem as irregulares e parcialmente bem sucedidas inspecções da ONU encarregadas de desarmar o país, nem os bombardeamentos regulares unilateralmente decididos pelas forças americano-britânicas, que se tornaram quase semanais a partir da operação “Raposa do Deserto”, em Dezembro de 1998, modificaram ou enfraqueceram o regime.

Obrigado a retirar do Koweit em 1991, o Iraque tinha conseguido, dez anos depois, forçar a ONU a desactivar a primeira comissão de inspectores (Unscom) e a criar uma segunda (Unmovic), que, em Setembro de 2002, no auge da campanha americano-britânica a favor de uma “guerra preventiva”, ainda não conseguira pisar solo iraquiano. Por outro lado, Saddam Hussein tinha conseguido uma notória reabilitação política no contexto regional do Próximo e Médio Oriente, e mesmo num contexto mais alargado.

Hugo Chavez, presidente venezuelano, visitou oficialmente Bagdad em Agosto de 2000, ao mesmo tempo que o Egipto e a Turquia reabriam embaixadas na capital iraquiana, e que um notório esforço negocial relançava as relações com a Síria, interrompidas 20 anos antes. O oleoduto Kirkuk-Baniyas, encerrado em 1982, e que serve os dois países, reabriu. O Conselho de Segurança da ONU decidiu reduzir os montantes das indemnizações de guerra a pagar pelo Iraque ao Koweit, e os iraquianos voltaram a estar presentes na cimeira da Liga Árabe (Cairo, Outubro de 2000) e na da Conferência Islâmica (Doha, Qatar, Novembro do mesmo ano), num clima de regresso à cena política regional em que já nenhum Estado árabe mantinha o princípio da recondução das sanções internacionais contra Bagdad.

O primeiro-ministro da Jordânia (um dos países que mais activamente “furou” as interdições da ONU) aterrou em Bagdad, na sequência de uma campanha internacional contra o embargo que multiplicara, a partir de Setembro de 2000, os voos “político-humanitários” para o Iraque (o primeiro avião a aterrar em Badgad sem pedir autorização à ONU foi um aparelho comercial francês), e a companhia aérea iraquiana retomou os voos internos em Novembro do mesmo ano. De facto, nenhuma resolução da ONU impedia explicitamente o tráfego aéreo regular para o Iraque, mas as 661 e 770 proibiam toda e qualquer transacção comercial ou financeira com o país.

 

Ineficácia do embargo

No início do mandato da administração George W. Bush, a 16 de Fevereiro de 2001, a aviação americano-britânica bombardeava arredores de Bagdad e outras áreas das duas zonas de exclusão aérea, que teriam sido violadas. Mas todos os países árabes e vizinhos do Iraque, bem como a França e a Rússia, e a maioria da oposição iraquiana, condenou esses bombardeamentos, entendidos como interpretação unilateral americano-britânica da resolução 688 da ONU, que criara disposições para travar a continuada repressão de civis curdos (no Norte) e xiitas (no Sul) pelo regime de Saddam Hussein.

Mais significativo do que condenações dos raids terá sido o facto de eles representarem claramente o fracasso do embargo e das sanções, que a Síria e a Jordânia, entre outros, ajudavam cada vez mais notoriamente a minimizar.

De perigoso invasor de um irmão árabe, o Iraque passava, dez anos depois, a vítima inocente da malevolência americana e dos seus vassalos.

Estes factos vinham fazer pesar mais o clima de instabilidade e desconfiança vivido em meados de 2001 no Próximo e Médio Oriente, meses antes dos atentados de 11 de Setembro. A Arábia Saudita mostrava ao seu aliado americano cada vez mais sinais de inquietação. A segunda guerra do Golfo reduzira as receitas do petróleo, fizera regressar aos seus países de origem parte da mão-de-obra imigrante, e os países da península arábica sentiam-se perto da recessão e não conseguiam controlar as suas dívidas públicas.

A repetição de um raid de grande envergadura, em Agosto de 2002, muito perto do paralelo 36, envolvendo mais de cem aviões americanos e britânicos, oficialmente para destruir novas defesas anti-aéreas instaladas por Bagdad, veio agravar as críticas e a desconfiança face ao unilateralismo anti-iraquiano, no perturbado contexto do pós-11 de Setembro.

No tocante ao embargo, o secretário de Estado Colin Powell admitira, nos primeiros meses do mandato da nova administração americana, que era necessário reconduzir o tiro das sanções, orientando-as mais contra o regime e menos contra a população civil iraquiana, no que ficou conhecido pela proposta de “sanções inteligentes”.

A política das “sanções inteligentes” acabaria por ser inviabilizada por oposição da Rússia, traduzida na votação de 3 de Julho de 2001 na ONU. Mas, entretanto, a subida dos preços do petróleo para valores muito superiores aos praticados na época da segunda guerra do Golfo (aproximando-se perigosamente dos 30 dólares/barril) terão persuadido os EUA da urgência de fazer regressar o “ouro negro” iraquiano ao mercado internacional.

O primeiro passo nesse sentido fora já dado em 1996 com a autorização da campanha “Petróleo em troca de alimentos”. O Iraque viu, na prática, ilimitadas as suas exportações, e nem foi obrigado a qualquer quota de exportação pela OPEP, passando a realizar receitas de 10,5 mil milhões de dólares anuais.

Os anos 2000-2001 foram marcados, neste particular, pela renovação do programa “Petróleo em troca de alimentos” pela ONU, primeiro apenas por um mês, depois por prazos mais alargados. Mesmo durante o embargo total ao petróleo iraquiano, Bagdad terá realizado em média mais de dois mil milhões de dólares/ano, contrabandeando-o para a Jordânia, a Turquia, o Irão e diversos portos do Golfo.

No longo braço-de-ferro Washington-Bagdad em torno do petróleo, foi relevante o momento, a 30 de Outubro de 2000, em que o Iraque passou a contabilizar em euros, e já não em dólares americanos, a totalidade das suas transacções petrolíferas e comerciais.

Finalmente, no plano interno da situação político-militar iraquiana, o status quo em nada pareceu ameaçado: na zona autónoma curda, os dois partidos rivais, o PDK (Partido Democrático do Curdistão) de Massud Barzani e a UPK (União Patriótica do Curdistão) de Jalal Talabani, próxima da Turquia, mostraram-se incapazes de estabelecer qualquer plataforma duradoura.

O exército de Saddam ocupou, no final de 2000 e início de 2001, posições perto de Mossul (Nordeste do país), dando continuidade à política de arabização dos limites Sul do Curdistão, sem que tal operação tenha suscitado reacções externas significativas.

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O regresso da opção militar

À luz da doutrina Brzezinski, “um actor geopolítico de primeiro plano é um Estado dotado da capacidade e da vontade nacional suficientes para exercer o seu poder e a sua influência para além das suas fronteiras”. Durante a primeira Guerra do Golfo, que o opôs ao Irão da revolução islâmica, o Iraque laicizante e mais moderno de Saddam Hussein, então apoiado pelos EUA, revelou essa vocação de “actor geopolítico de primeiro plano”, vocação confirmada com a invasão do Koweit.

Após a derrota de 1991 e na primeira metade da década de 90, isolado na sua própria região, o Iraque perdeu essa dimensão. Mas a sua lenta reabilitação regional, desde o início da segunda metade da mesma década, feita, sobretudo, à custa de uma persistente campanha de vitimização que encontra facilmente eco no mundo árabe e, mais irregularmente, em parte do Islão, devolveu-lhe uma posição de “pivot” regional importante, na medida em que pode, logo a seguir à questão palestiniana, condicionar o posicionamento dos diversos Estados muçulmanos petrolíferos face aos EUA.

Foi sobretudo essa reconquista parcial e indirecta da capacidade de influenciar o frágil equilíbrio político regional, associada à importância das suas reservas petrolíferas e peso específico destas face à Arábia Saudita, que levou a aliança EUA-Grã-Bretanha a regressar, depois da parcialmente bem sucedida campanha no Afeganistão dos taliban, à opção militar contra o regime de Saddam Hussein, desta vez visando a sua supressão e substituição por um regime mais favorável à estratégia petrolífera americana.

 

Informação complementar

A guerra de 1991 e o desarmamento do Iraque: uma cronologia

1990

2 Ago. – O Iraque invade o Koweit, acusando o emirato de roubo de petróleo iraquiano em Rumeila, perto da fronteira entre ambos os países. A ONU adopta a resolução 660, que exige a “retirada imediata e incondicional” das forças iraquianas do Koweit. Os bens iraquianos são congelados na maioria dos países ocidentais.

7 Ago. – Os EUA desencadeiam a operação “Escudo do Deserto”, que visa reunir uma coligação internacional tão ampla quanto possível contra o Iraque.

8 Ago. – O Iraque anexa o Koweit.

9 Ago. – A ONU adopta a resolução 662, que estabelece a ilegalidade total da anexação.

24 Ago. – Adopção da resolução 665, que prevê o bloqueio marítimo do Iraque e do Koweit ocupado.

28 Ago. – O Iraque declara o Koweit como província. Nos três meses seguintes, o Conselho de Segurança da ONU adopta mais sete resoluções visando obrigar Bagdad a respeitar as obrigações que lhe são impostas. A sétima, 678, dá ao Iraque um prazo até 15 de Janeiro de 1991 para que aplique a totalidade das resoluções da ONU; o ultimato acrescenta que, a partir dessa data, serão usados “todos os meios” para forçar o seu cumprimento.

1991

9 Jan. – O encontro, em Genebra, entre o secretário de Estado dos EUA James Baker e o ministro iraquiano dos Negócios Estrangeiros Tarek Aziz é inconclusivo.

13 Jan. – Em Bagdad, o secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar, toma conhecimento da recusa iraquiana de retirar do Koweit.

17 Jan. – Primeiros bombardeamentos sobre Bagdad – inicia-se a operação “Tempestade do Deserto”.

18 Jan. – O Iraque dispara os primeiros Scud contra Tel-Aviv.

20 e 21 Jan. – Scud iraquianos contra a base americana de Dahran, na Arábia Saudita.

6 Fev. – Bagdad corta relações diplomáticas com Washington, Londres, Paris, Roma, Cairo e Riade.

22 Fev. – Washington concede ao Iraque 24 horas para iniciar a evacuação do Koweit.

24 Fev. – Começa a operação terrestre das forças coligadas contra as tropas iraquianas.

26 Fev. – Saddam Hussein anuncia o início da retirada das suas tropas. O exército da coligação conclui o seu movimento a norte do Koweit, enquanto forças sauditas e árabes libertam a capital. À noite, o Iraque aceita todas as resoluções da ONU.

28 Fev. – As operações ofensivas da coligação são suspensas às 5h TMG. Bagdad ordena o cessar-fogo.

2 Mar. – Rebelião xiita no Sul iraquiano.

5 Mar. – Insurreição curda no Norte do país. Ambos os movimentos são esmagados pelo exército iraquiano.

3 Abr. – A ONU adopta a resolução 667 exigindo a eliminação das armas de destruição maciça iraquianas.

5 Abr. – Resolução 688, exigindo o fim da repressão dos xiitas e curdos iraquianos.

6 Abr. – A coligação lança a operação “Provide Comfort”, em apoio das populações curda e xiita do Iraque, e instaura uma zona de exclusão aérea a Norte do paralelo 36. Outra, a Sul do paralelo 32, será imposta em Agosto.

18 de Abril – É criada a Unscom, comissão de especialistas encarregada de desarmar o Iraque.

1994

10 Nov. – O Iraque reconhece a independência do Koweit.

1995

14 Abr. – A ONU adopta a fórmula “Petróleo em troca de alimentos”, que autoriza o Iraque, por razões humanitárias, a vender quantidades limitadas de petróleo.

8 Ago. – O general Hussein Kamal Hassan, genro de Saddam Hussein, refugia-se na Jordânia com seus irmãos e esposas. As suas informações levam a Unscom a descobrir a extensão das dissimulações iraquianas no tocante às armas de destruição maciça.

1996

25 Nov. – Bagdad aceita a resolução 986 da ONU.

1997

23 Out. – A ONU adopta a resolução 1134, que prevê novas sanções para obrigar Bagdad a cooperar com os seus inspectores em matéria de desarmamento.

12 Nov. – Resolução 1137, proibindo os responsáveis militares que entravam a acção da Unscom de sair do território iraquiano.

1998

13 Jan. – Bagdad interdita o acesso de locais estratégicos a uma equipa de especialistas.

14 Dez. – Richard Butler, chefe da Unscom, retira a sua equipa de Bagdad depois de várias semanas de crise.

16 Dez. – Operação americano-britânica “Raposa do Deserto” contra uma centena de alvos iraquianos.

1999

17 Dez. – Resolução 1284, criando nova comissão do desarmamento, a Unmovic, e exigindo a Bagdad que autorize o regresso incondicional dos inspectores ao seu território (Rússia, China e França abstêm-se na votação).

2001

29 Nov. – Resolução 1382, alargando a lista de produtos que o Iraque está autorizado a adquirir, e liberalizando as suas vendas de petróleo.

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* João Maria Mendes

Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Professor na ESCT. Subdirector do curso de Ciências da Comunicação na UAL. Sudirector do Observatório de Relações Exteriores.

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