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E de facto a oportunidade era inédita. A derrota do Iraque – principal promotor do radicalismo árabe na região – o erro estratégico de Yasser Arafat ao apoiar Saddam Hussein, a constatação da vulnerabilidade israelita a um novo tipo de armas, o esgotamento da Intifada e o fim do apoio soviético a alguns Estados árabes da região eram factores determinantes. A Conferência decorreu num clima de grande optimismo embora nenhuma decisão concreta dela tenha resultado. Na verdade a importância desta reunião acabou por ficar a dever-se ao carácter simbólico do encontro e resultou essencialmente anuência das partes envolvidas quanto à prossecução de negociações bi e multilaterais com vista à resolução do conflito. No entanto, passada mais de uma década, as grandes dificuldades enunciadas na abertura da Conferência e apresentadas como obstáculos a ultrapassar no caminho para a paz, continuam, na maior parte dos casos, por resolver. As dificuldades de diálogo, a intransigência das partes, os interesses externos, as velhas alianças e até mesmo um certo radicalismo, continuam bem presentes e são bons exemplos deste fenómeno. Desde Madrid até Camp David II, no ano 2000, muito pouco se avançou na construção da Paz. O chamado “Processo de Oslo”, que marcou o período pós-conferência, foi de início rodeado de grande entusiasmo e, na verdade, os primeiros anos deste foram anos de aparentes avanços. O triénio 1993-1995 assistiu à conclusão de vários acordos entre Israel e a OLP, à assinatura do tratado de paz entre Israel e a Jordânia, à adopção de um quadro económico de relacionamento entre Israel e o futuro Estado Palestiniano e à normalização das relações diplomático-económicas entre Israel e vários Estados árabes. Tudo decorria de acordo com os objectivos traçados na Declaração de Princípios de 1993. Apesar do carácter ambicioso dos mesmos, o mediatizado sucesso das negociações fazia esperar uma resolução célere de temas tão delicados como a segurança, a sobrevivência nacional, os refugiados, o Estado Palestiniano, os colonatos, os recursos naturais ou Jerusalém. Estas negociações decorreram com base no princípio “Land-for-Peace”, desde há muito defendido em alguns sectores israelitas. Outro dos princípios base destas negociações seria a implementação das Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essencialmente, estes acordos teriam como ponto central o estabelecimento de um processo, necessariamente faseado, do qual resultaria a retirada israelita dos Territórios Ocupados em 1967 e o estabelecimento de autonomia palestiniana nos mesmos. Após a conclusão desta primeira fase, passar-se-ia a uma segunda, bem mais delicada, na qual seriam tratados os temas mais controversos, na esperança de que fosse possível chegar ao tão falado “Final Status Agreement”. O dia 4 de Maio de 1999 foi definido como a data limite para a conclusão de ambas as fases de negociação. A morte de Rabin, em Novembro de 1995, encerra este ciclo ascendente no processo de paz e abre caminho para uma nova fase construída de recuos sucessivos e adiamentos sistemáticos, em tal dimensão e abundância que dificilmente se podem reconhecer nos textos actuais os objectivos definidos inicialmente. A 4 de Maio de 1999, nem mesmo a primeira fase tinha sido concluída; que dizer da segunda? Dois elementos estiveram na origem deste revés: a instabilidade política em Israel e a erosão na liderança de Yasser Arafat. É hoje claro que os sectores mais conservadores e radicais de ambas as partes reagiram mal à assinatura dos acordos que consideravam reflectir demasiadas cedências em interesses fundamentais. Movimentos como o Hamas ou a extrema direita israelita foram disto bom exemplo. A chamada “era dos tratados” tinha terminado.
A instabilidade política em Israel Após o desaparecimento de Rabin, o seu sucessor, Shimon Peres, em face dos bloqueios na classe política israelita, decide adiar a aplicação dos acordos anteriormente firmados até à realização de novas eleições agendadas para Maio de 1996. O governo liderado por Benjamim Netanyahu, que resulta da vitória expressiva da direita, e em particular do Likud, nas referidas eleições, evidencia uma nova postura israelita face ao conflito e em particular dita uma nova conduta face ao processo de paz. Uma simples análise aos acordos concluídos no período pós-Rabin ilustra bem esta nova conduta. Na verdade, apenas um documento da era Netanyahu contendo algumas novidades foi objecto de acordo neste período – o Acordo de Hebron. Textos como o memorando de Wye River limitavam-se a apelar ao cumprimento de acordos firmados anteriormente, em particular ao cumprimento do Acordo Interino. Tal como é referido no próprio texto introdutório deste memorando, “As medidas que se seguem destinam-se a facilitar a aplicação do Acordo Interino e dos acordos conexos.” Se algo de inovador foi negociado foi apenas um novo calendário de aplicação dos acordos. Lamentavelmente, nem mesmo este Memorando foi cumprido em face da nova crise política que se instalou em Israel no Outono de 1998. Esta acabou por culminar com a convocação de eleições antecipadas para Maio de 1999. A data não poderia ser menos adequada, devido ao compromisso de concluir as negociações nessa altura e também em face de um aumento expressivo dos atentados terroristas reivindicados por movimentos radicais palestinianos contra alvos civis israelitas. Novamente com a esquerda israelita no poder, com Ehud Barak à frente de um Governo de Coligação (One Israel) encabeçado pelo Partido Trabalhista, a esperança num desenlace definitivo parecia renascer. No entanto, à semelhança do sucedido anteriormente, muito pouco se avançou no processo de paz. Imperou sobretudo o bloqueio nas negociações. Provavelmente poderíamos resumir as negociações israelo-palestinianas do período Barak a dois momentos: O Acordo de Charm el-Cheik, de Setembro de 1999, onde novamente apenas se apresenta um novo calendário de aplicação de acordos do passado, em particular do acordo de Wye River. Na tentativa de obtenção de um acordo final o mais rapidamente possível, aponta-se o dia 13 de Setembro de 2000 como data limite para a conclusão de todas as negociações ainda pendentes. E a Cimeira de Camp David em Julho de 2000 ou Camp David II, convocada já um pouco tardiamente em face da aposta de Barak em tentar resolver as divergências com a Síria com vista à obtenção de um acordo também com este país. Dado o fracasso desta iniciativa e em face do mau momento para reforçar esforços neste sentido devido à recente morte de Hafez al Assad, Barak volta a empenhar-se nas negociações bilaterais com a Autoridade Palestiniana com mediação norte-americana. Era uma espécie de tentativa desesperada de cumprimento do prazo definido em Charm el-Cheik para a conclusão de todas as negociações ainda em suspenso – 13 de Setembro de 2000. Este terá sido o último momento que, embora já numa fase nitidamente de desconstrução ou negativa, se pode ainda inserir no item “processo de paz” já que o fracasso desta Cimeira motivado pela recusa palestiniana às propostas israelitas cria o clima ideal para o regresso da Intifada. A profunda crise política em Israel que resulta quer do fracasso das promessas de Barak quer do aumento expressivo da violência terrorista conjugada com a ascensão meteórica do Likud e de Ariel Sharon conduziram à actual situação de bloqueio total nas negociações e à actual espiral de violência.
A erosão na liderança de Yasser Arafat Yasser Arafat, apontado como principal responsável pelo fracasso das negociações de Camp David II, assiste ao enfraquecimento da sua liderança. Aliás tinha sido já este enfraquecimento que tinha ditado a anuência de Y. Arafat ao início do próprio Processo de Paz e que o levou ao Reconhecimento Mútuo em condições claramente desvantajosas para os palestinianos. Nesse momento Arafat receava a ascensão de alguns líderes locais palestinianos, uma nova geração de líderes resultante da 1ª Intifada nos Territórios Ocupados. Estes homens representavam a resistência palestiniana que aí havia permanecido após 1967. O seu conhecimento da realidade palestiniana e o seu prestígio local desafiavam claramente a “velha guarda” palestiniana reunida no seio da OLP e forçada ao exílio durante anos. Por outro lado, o momento também era visivelmente desfavorável a Arafat; o apoio a Saddam Hussein durante a guerra do Golfo custou à OLP a perda de vários apoios financeiros provenientes do exterior. A iminente bancarrota da organização ditava uma nova abordagem na confrontação com Israel. O Reconhecimento Mútuo e a adesão ao Processo de Oslo, traziam o “perdão” internacional pelo apoio a S. Hussein e também o reconhecimento da OLP como única representante do povo palestiniano e Arafat como seu líder. O crescente envolvimento da Jordânia e do rei Hussein nas negociações com Israel fazia também recear uma renovada influência jordana nos Territórios Ocupados que interessava contrariar através do assumir da OLP como único interlocutor palestiniano junto de Israel. A Israel este Reconhecimento Mútuo trazia reconhecimento e aceitação palestiniana e apenas reconhecia uma organização e o seu carácter representativo de um povo mas não reconhecia o povo palestiniano nem o seu direito a um Estado Palestiniano. Mas o envolvimento no processo de paz não trouxe a Y. Arafat tranquilidade face aos seus opositores internos. A nova geração de líderes palestinianos é hoje apontada como responsável pela 2ª Intifada, ou Intifada de Al-Aqsa, em marcha desde Setembro de 2001. O descontentamento com o bloqueio das negociações Arafat/Barak desde Camp David II terá sido determinante para este regresso da violência. O objectivo, não sendo inteiramente claro, poderá passar pela tentativa de afastamento de Arafat da liderança da OLP abrindo caminho a novos líderes.
O fim do sonho Na verdade, mesmo o período áureo do processo de paz – entendido este como o conjunto de acordos assinados desde a Declaração de Princípios em Setembro de 1993 até ao assassinato de Ytzhak Rabin em Novembro de 1995 – traduziu-se em pouco mais do que a substituição de um estado de guerra por um de não-beligerância. Procurou-se a definição de um calendário e de um conjunto de regras com vista ao estabelecimento progressivo da Autonomia Palestiniana em Gaza e na Cisjordânia e conseguiram-se apenas adiamentos sucessivos na implementação dos acordos e o estabelecimento parcial desta Autonomia cuja existência é hoje questionável. Até mesmo a transformação da OLP de movimento de resistência no exílio, em instituição pró-estatal está longe de concluída. Quase tudo está por fazer…Dois anos de violência contínua e crescente fazem recear que o tão falado Processo de Paz se tenha transformado em Processo de Guerra.
Informação complementar Cronologia do Processo de Paz 30 Out. 1991 – Abertura da Conferência de Madrid convocada por iniciativa conjunta sovieto-americana. A OLP participa inserida na delegação jordana presente na conferência. Esta conferência marcou o início de conversações de paz multilaterais e decorreu de acordo com o princípio “territórios pela paz” (devolução de terras em troca do cessar da violência). 9-10 Set. 1993 – Reconhecimento Mútuo de Israel e da OLP através de troca de corres-pondência. 13 Set. 1993 – Declaração de Princípios ou Acordo de Oslo (Oslo I) Assinada por Itzhak Rabin e Yasser Arafat em Washington após negociações secretas em Oslo, Noruega, que decorriam desde 22 de Janeiro. Esta decla-ração estabelece as linhas gerais de acordo com as quais teriam lugar as negociações posteriores. Estabelece ainda as bases da autonomia palestiniana em Gaza e na Cisjordânia durante um período transitório de 5 anos que incluíam a constituição de uma “Autoridade Interina Palestiniana autónoma para os palestinianos da Cisjordânia e de Gaza tendo em vista um acordo permanente assente nas resoluções 242 (1967) e 338 (1973) do Conselho de Segurança da ONU.” 29 Fev. 1994 – Acordo de Paris ou Protocolo sobre as futuras relações económicas entre Israel e a OLP. Este acordo é concluído com o objectivo de reforçar a capacidade económica palestiniana salvaguardando um ambiente económico favorável ao desenvolvimento dos povos palestiniano e israelita através de uma colaboração estreita nesta matéria. Este é um acordo cuja execução fica dependente da assinatura posterior do acordo político que lhe dará enquadramento. 4 Maio. 1994 – Acordo do Cairo sobre a autonomia da faixa de Gaza e zona de Jericó. Neste acordo são apresentadas as formas concretas de aplicação do disposto na Declaração de Princípios. Uma parte importante deste acordo trata da transferência de poderes para uma autoridade palestiniana bem como a sua estrutura e composição. Este é portanto o ponto de partida para a Autoridade Palestiniana. Fica ainda estabelecido um plano para a retirada militar israelita dos territórios ocupados. 26 Out. 1994 – Assinatura do Tratado de Paz entre Israel e Jordânia. 29 Ago. 1995 – Acordo Preparatório para a transferência de poderes e responsabilidades. 28 Set. 1995 – Assinatura do Acordo Interino sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza (Oslo II ou Acordo de Taba). Acordo cuja negociação foi concluída em Taba, Egipto, a 26 de Setembro mas assinado dois dias mais tarde em Washington. Este acordo marca o início da 2ª fase da autonomia palestiniana e trata das questões geográficas e materiais desta. No que diz respeito às questões geográficas, acorda-se a divisão da Cisjordânia (excluíndo Jerusalem oriental) e da Faixa de Gaza em 3 zonas: A, B e C conforme o grau de autonomia previsto para as mesmas (A – Jurisdição civil palestiniana completa bem como responsabi-lidade palestiniana em matéria de segurança interna; B – Mantém-se a jurisdição civil completa mas as questões de segurança interna estão sob administração conjunta israelo-palestiniana; C – Manutenção da jurisdição israelita civil e militar). No que diz respeito às questões materiais é determinada a data para a eleição do Conselho de Autonomia Palestiniana 15 Jan 1997 – Acordo de Hebron sobre a retirada do exército israelita de 80% desta cidade, deixando para a administração israelita um enclave onde habitam cerca de 400 colonos israelitas e 200.000 palestinianos. 23 Out. 1998 – Acordo de Wye River sobre uma retirada adicional de 13% de Israel da Cisjordânia em troca do cessar da luta armada palestiniana. Este acordo resulta de uma tentativa norte-americana de relançar o processo de paz após meses de impasse. No entanto não produziu os resultados desejados já que após retirada israelita de apenas 2% dos 13% previstos, B. Netanyahu é forçado a suspender a retirada por pressão da ala conservadora do Likud. 4 Set .1999 – Memorando de Charm el-Cheik (ou Wye II) sobre a aplicação do Acordo de Wye River. Neste documento E. Barak procura relançar o processo de paz após o impasse criado na administração de B. Netanyahu começando por retomar o cumprimento do acordado em Wye River em Outubro de 1998 na tentativa de restabelecer o clima de confiança entre as partes envolvidas nas nego-ciações. Estabelece o dia 13 de Setembro de 2000 como data limite para a celebração de um acordo definitivo sobre as questões ainda em suspenso. 24 Maio 2000 – Retirada de Israel do sul do Libano. 11-24 Jul. 2000 – Negociações
de Camp David reúnem Bill Clinton, Ehud Barak e Yasser Arafat, com o
objectivo de discutir as questões ainda por resolver, terminam sem resultados
positivos. O desacordo em matérias como as questões hídricas, Jerusalém
ou os direitos dos refugiados impediu a assinatura de um acordo.
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