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Conflitualidade na Ásia: o caso das Filipinas

Bruno Tomaz *

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Mindanau, a maior ilha do sul das Filipinas alberga a maior comunidade de muçulmanos do país – os Bangsa Moros. Em 1970 surge a Frente Moro de Libertação Nacional (FMLN), a par do aparecimento, em 1977, da Frente Moro de Libertação Islâmica. O governo filipino chega a um acordo com a FMLN, em 1987, sobre o estatuto de autonomia da região, realizando-se um referendo que leva à formação da Região Autónoma Islâmica de Mindanau. O grupo Abu Sayyaff nasce de uma dissidência interna na FMLN, tornando-se conhecido pela tomada de 21 reféns em Abril de 2000, numa estância de mergulho em Sipadan, Malásia.


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No último ano o continente asiático tem sido palco de inúmeros desenvolvimentos, quer ao nível do conflito regional interétnico, quer ao nível do grande xadrez geopolítico, nomeadamente o braço-de-ferro entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos da América relativo à violação do acordo de 1994 de não-proliferação nuclear; a aparente aproximação entre a Índia e o Paquistão no que respeita ao conflito de Caxemira; o cessar-fogo no Sri Lanka e, mais recentemente, a gigantesca ofensiva militar indonésia em Aceh. No entanto, um dos conflitos latentes mais antigos da região é o conflito interno filipino, ainda por resolver e que, longe de resolução, tem entrado nos últimos anos em ebulição.

A 23 de Abril de 2000, num domingo de Páscoa, guerrilheiros islâmicos pertencentes ao grupo Abu Sayyaf efectuaram uma incursão numa estância de mergulho em Sipadan, na Malásia, e fizeram 21 reféns. Entre os reféns encontravam-se 10 turistas franceses, alemães, finlandeses, libaneses e sul-africanos, que foram levados para um esconderijo em Jolo Jolo, uma das ilhas mais a sul do arquipélago filipino. Este golpe-de-mão transfronteiriço colocou um pequeno grupo armado de 200 homens no mapa político mundial e relembrou à opinião pública ocidental a clivagem entre uma maioria filipina cristã e uma minoria filipina islâmica, marginalizada por séculos de resistência.

 

Os Bangsa Moro filipinos

Bangsa Moro é o nome genérico dado ao agrupamento de 13 grupos etnolinguísticos muçulmanos, que nas Filipinas constituem uma população de 5 a 6 milhões de indivíduos, cerca de um quarto da população de Mindanau, a maior ilha do Sul das Filipinas. Estes 13 grupos, relativamente distintos na sua cultura, falam dialectos diferentes e têm um enquadramento social disperso; no entanto o Islão é, desde a chegada do catolicismo, um factor unificador. Quando os colonizadores espanhóis introduziram o catolicismo nas Filipinas, em 1521, muitas das áreas costeiras das ilhas maiores, incluindo a área de Manila, tinham já abraçado o Islão, levado para as Filipinas em 1210 por mercadores árabes, viajantes sufis e missionários islâmicos.

A chegada dos colonizadores espanhóis marca o início do declínio do Islão nas Filipinas, particularmente no Norte, em Luzon e Visayas. No Sul, em Mindanau, os Moro – do termo Mouros – iriam ainda lutar desesperadamente durante mais 300 anos. Como incentivo à imigração de agricultores cristãos, os recém-chegados colonizadores espanhóis prometeram, como forma de captação de massa humana ocupante, a dádiva das terras aráveis ocupadas pelos Moros e pelos povos indígenas. Esta tutela agressiva, por um lado, e uma política de benefícios em prol da população cristã, por outro, estão na origem de preconceitos mútuos, tornando-se, até aos dias de hoje, num factor de bloqueio a uma coexistência cooperante e harmoniosa.  

A 19 de Dezembro de 1898, no Tratado de Paris, a coroa espanhola cede as Filipinas aos Estados Unidos por 20 milhões de dólares, mas a luta de autodeterminação do povo Moro estava longe de terminar.

 

A América colonial

Da mesma forma que o fizeram com os colonizadores espanhóis, os Moro resistiram aos colonizadores americanos; no entanto, ao contrário dos espanhóis, os americanos não se basearam unicamente na supremacia militar para governar. Tentaram implementar um sistema de self-government, fundamentado em instituições que seguiam o modelo americano. Desta forma eficiente, os americanos conseguiram neutralizar quase todas as actividades resistentes e desferiram um golpe mortal nas aspirações de independência Bangsa Moro. Após uma relativa pacificação do território, os americanos declararam a totalidade do território do arquipélago como posse do Estado, incluindo os territórios Moro. Depois de assegurado um certo controlo político e de salvaguardados importantes interesses económicos, os americanos concedem independência às Filipinas.

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A militância islâmica em Mindanau

Em 1950 a população muçulmana em Mindanau ainda se encontrava em franca maioria. Hoje em dia, representa cerca de 25% dos 20 milhões de habitantes da ilha. Desde a década de 80, mais de 10 milhões de cristãos migraram para a ilha, devidamente incentivados pelo Estado. Como consequência, milhares de famílias Moro perderam as suas terras e actualmente os Moro possuem apenas 17% do território arável.

A fertilidade dos solos e a riqueza dos seus minerais atraiu grandes multinacionais capazes de grandes escalas produtivas. Como resultado disso, actualmente 50% da produção de milho e coco e quase 100% da produção de banana e ananás para exportação é produzida por estas empresas. Os recursos minerais também são explorados em larga escala: cerca de 90% da produção filipina de níquel e cobalto, assim como quase 100% da produção de bauxite é oriunda de Mindanau. Esta exploração intensiva dos recursos da ilha por imigrantes de outras ilhas filipinas e por empresas estrangeiras, assim como a perda de terras e uma atitude pouco igualitária por parte das autoridades para com a “comunidade indígena”, fazem de Mindanau o ambiente ideal para o florescimento de vários movimentos islâmicos separatistas.

O maior desses grupos, a Frente Moro de Libertação Nacional (FMLN), surgiu no início dos anos 70, e só durante essa década perderam a vida mais de cem mil pessoas em combates entre a FMLN e o exército filipino. Apesar de bastante popular entre a população muçulmana, divisões internas dentro do grupo, relacionadas com diferentes tendências islâmicas, levaram a uma cisão e ao aparecimento de uma segunda facção em 1977, a Frente Moro de Libertação Islâmica (FMLI). Este grupo atribui maior ênfase às suas raízes islâmicas, mas aparenta estar pronto para um compromisso em torno de um estatuto de autonomia para Mindanau.

Depois da queda de Marcos em 1985, a administração de Corazon Aquino, numa tentativa de alcançar a reconciliação nacional, retoma as negociações com todos os grupos rebeldes. Numa fase inicial, Manila negoceia com a FMLN a renúncia da independência de Mindanau em troca de um estatuto de autonomia apoiado pela Constituição. O Governo respeitou os seus compromissos e a Região Autónoma Islâmica de Mindanau foi consagrada na nova Constituição. Mas apesar deste entendimento político, o arquipélago estava longe da pacificação. A FMLI rejeita liminarmente qualquer acordo e lança uma nova vaga de ataques. A FMLN, temendo a queda da sua popularidade entre a população do Sul, em detrimento da FMLI, anula o recente compromisso com o governo de Manila e retoma a luta armada. Mas, apesar do passo atrás dado pela FMLN, o governo de Aquino mantém as datas do referendo agendado pelo acordo de paz de 1987. Das catorze províncias referendadas, apenas quatro optam pela autonomia, sendo estas as quatro províncias que vão formar a Região Autónoma Islâmica de Mindanau.

As divisões internas da FMLN quanto à estratégia a defender originam a dissidência de um pequeno grupo radical que procura a implementação de um Estado Islâmico e da sharia. Nasceu assim em 1991, o grupo Abu Sayyaf, baseado na ilha de Basilan. Finalmente em 1996, a administração de Fidel Ramos e a FMLN assinaram um acordo de paz, que incluía a integração das forças rebeldes no corpo de polícia e a criação de uma comissão administrativa de transição liderada pelo líder da FMLN, Nur Misuari.

 

A presença dos Estados Unidos nas Filipinas

Até 1992 a presença militar norte-americana nas Filipinas era bastante forte. Com duas bases instaladas no arquipélago – a Base Aérea de Clarks e a Base Naval de Subic Bay – a influência militar norte-americana na região fazia-se sentir de forma inequívoca.

A ameaça de disseminação da militância islâmica no Sudeste Asiático após os acontecimentos de Setembro de 2001 e as conhecidas ligações de vários grupos asiáticos à Al-Qaeda, assim como o apoio expresso pela actual Presidente das Filipinas Gloria Macpagal Arroyo à cruzada antiterrorista americana, ditaram uma nova aproximação estratégica entre os dois países.

A conjuntura internacional, a inclusão pelos Estados Unidos do grupo Abu Sayyaf na sua lista de organizações terroristas e a manifesta incapacidade das forças filipinas para a resolução militar do conflito criaram uma janela de oportunidade para o regresso de forças militares norte-americanas ao território filipino. Impedida que estava, pela Constituição de 1987, a intervenção em combate de forças militares estrangeiras em território filipino, a presença norte-americana teria então que se resumir a um apoio logístico e à capacitação através do treino. Desde a sua chegada em Janeiro de 2002, as forças norte-americanas têm auxiliado o exército filipino em numerosas operações militares contra os rebeldes do Abu Sayyaf e contra forças da FMLI. 

Como resposta às operações do governo no Sul do país, os ataques perpetrados pelos dois grupos rebeldes têm aumentado. Em Março de 2003, a FMLI provocou duas explosões no aeroporto de Davao que mataram cerca de 21 pessoas e, em Maio, um ataque à bomba por parte do grupo Abu Sayyaf mata outras seis pessoas. As explosões ocorrem num período de intenso debate interno nas Filipinas sobre a recente renovação de laços e de cooperação militar (TECHINT) entre os dois países.

Apesar da visita da Presidente Arroyo a Washington, a luta contra o terrorismo está longe de ser ganha. As ajudas financeiras de Washington a Manila podem ter dado maior margem de manobra a Gloria Arroyo, que enfrenta cisões no seu próprio governo e suspeitas de que alguns dos seus generais podem estar a beneficiar com os raptos efectuados pelo Abu Sayyaf. O exército filipino está a ver as suas capacidades de luta antiterrorista substancialmente melhoradas através de treino, equipamento de vigilância e visão nocturna e SUVs. No entanto, sob o ponto de vista dos Estados Unidos, a campanha pode ser vista apenas como um sucesso parcial.

 

Informação Complementar

Grupos Separatistas

Frente Moro de Libertação Nacional – A FMLN surgiu por volta de 1970, nas ilhas de Mindanau, Sulu, Basilan, Tawi-Tawi e Palawan. O grupo reivindicou desde cedo a independência da ilha de Mindanau, para a construção de um Estado Islâmico. Depois de falhado o acordo de paz de 1976, a FMLN assina, em 1996, um acordo de autonomia para a ilha, nascendo assim a Região Autónoma Islâmica de Mindanau (RAIM). Nur Misuari, líder e fundador da FMLN, é então declarado governador da região autónoma. Mas em 2001, a liderança de Misuari termina abruptamente com a sua detenção após uma tentativa falhada de levantamento popular contra a autoridade de Manila. Com o passar dos anos, a FMLN tem demonstrado enfraquecimento e uma perda de vitalidade política, surgindo do seu seio inúmeras facções dissidentes. Actualmente o líder da FMLN e governador da RAIM, Parouk Hussin, mantém uma forte base de apoio na região, principalmente em Jolo, a maior das ilhas de Sulu, mas a verdadeira autonomia da região é muito limitada, incidindo essencialmente sobre questões económicas.

Frente Moro de Libertação Islâmica – A FMLI é um grupo rebelde mais activo que a FMLN, da qual se fraccionou em 1977. Actualmente com cerca de 12.000 guerrilheiros nas suas fileiras e o firme objectivo da obtenção de um Estado Islâmico em Mindanau, a FMLI ainda não chegou a qualquer tipo de acordo definitivo com o governo de Manila. O grupo atribui grande ênfase às suas raízes islâmicas, radicalizando muitas das suas pretensões e cimentando as suspeitas de envolvimento com a Jemaah Islamiah, responsável pelo atentado de Bali em Outubro de 2002. Em Fevereiro de 2003, o governo filipino, com o apoio militar dos norte-americanos, lançou uma ofensiva militar em larga escala contra as principais bases do grupo, com sucesso relativo.

Abu Sayyaf – Recentemente colocado pelos Estados Unidos na sua lista de organizações terroristas, o grupo Abu Sayyaf, ou “o portador da espada”, é o mais pequeno e mais radical grupo islâmico em acção nas Filipinas. Com apenas cerca de 1.200 membros nas suas fileiras, este grupo tornou-se mundialmente conhecido após o rapto de 10 turistas ocidentais e 11 trabalhadores de um empreendimento turístico na ilha malaia de Sipidan.

Anteriormente uma facção pertencente à Frente Moro de Libertação Nacional, da qual se fraccionou em 1991, para prosseguir uma batalha mais fundamentalista contra as autoridades filipinas, o Abu Sayyaf reclama, como todos os outros grupos rebeldes, um Estado islâmico, nas ilhas de Mindanau e Sulu, independente das Filipinas cristãs. O seu fundador Abdurajak Abubakar Janjalani foi um estudioso islâmico filipino, formado na Líbia e na Arábia Saudita e que, como muitos outros filipinos, serviu na década de oitenta no Afeganistão, integrando um grupo de Árabes-Afegãos ou Afghanis no esforço de guerrilha anti-soviético. A primeira mobilização do grupo deu-se em Agosto de 1991, para um ataque concertado a um navio atracado no porto de Zamboanga e um ataque com granadas a uma concentração cristã.

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* Bruno Tomaz

Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Independente.

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Bibliografia

BROWN, Janet WelshIn the US Interest. Resources,Growth, and Security in The Developing World. World Resources Institute Book 1990.

CORBIN, JaneThe Base. Pocket Books, Londres 2003.

LUDWIG, Noel A., VAN DYKE, Jon M., VALENCIA, MarkSharing the Resources of the South China Sea. University of Hawai Press 2000.

KUPPUSWAMY, C. S.Abu Sayyaf: The cause for the return of US troops to Philippines? South Asia Analysis Group 2002.

ALMONTE, Jose T. – New Direction and Priority in Philippine Foreign Relations. Asia Society Publications, 2003.

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