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Geopolítica da energia: o offshore atlântico

Rui Nunes *

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Desde meados da década de 90 que se verificou um boom no licenciamento de explorações de petróleo na costa atlântica africana, com consequências comerciais e implicações políticas. Acentuou-se o interesse dos EUA na zona, por pressão das suas empresas e da própria vontade de reduzir a dependência do petróleo do Médio Oriente. Em 2002 foi constituído o African Oil Policy Initiative Group, cujas propostas se situam entre a declaração do Golfo da Guiné como área de interesse vital para os EUA e a hipótese de exportação do poder militar para assegurar a importação norte-americana de energia.


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A TotalFinaElf inaugurou em Dezembro de 2001 a maior plataforma petrolífera flutuante do mundo, no campo Girassol, em pleno offshore angolano. Com 300 metros de comprimento e 60 de largura, a instalação extrai 200 mil barris por dia de uma profundidade de 1365 metros.

A descoberta destas reservas, estimadas em mil milhões de barris, em Abril de 1996, foi um momento alto do movimento de pesquisa que trouxe o offshore atlântico, em particular o golfo da Guiné, para a ribalta petrolífera. Na outra margem é o Brasil que se destaca. A Petrobras detém mesmo o recorde mundial de exploração de petróleo em águas profundas, nos 1853 metros, e o mercado brasileiro é um dos principais da tecnologia de informação sísmica. Graças ao offshore, Brasil e Angola são os países, a par de Rússia, Azerbaijão e Cazaquistão, em que a Agência Internacional de Energia (AIE 2001 e 2002) espera que a produção cresça de forma significativa no médio prazo.

A disponibilização de energia, em particular petróleo, depende da técnica e da política. Graças à primeira, as descobertas no offshore do Atlântico Sul aumentaram as reservas de petróleo convencional disponíveis para exploração. Um estudo da Universidade de Cornell, divulgado em Março de 2003, admite que no golfo do México existam cerca de 60 mil milhões de barris, detectáveis com o mapeamento químico do fundo marinho.

O progresso nas técnicas e nos instrumentos da reflexão sísmica (espécie de ecografia aplicada aos terrenos geológicos), do tratamento electrónico e informático dos dados e da criação de imagens em três dimensões tem permitido a melhoria do conhecimento da formação do petróleo e gás natural. A história do offshore atlântico remonta há 140 milhões de anos, quando o protocontinente que os geólogos designam por Pangeia, que corresponde hoje à América do Sul e a África, se começou a dividir (Huc 2003). A técnica permite também que Canadá e Venezuela desenvolvam a produção de petróleo a partir de fontes não convencionais. A irrupção da prospecção e exploração de petróleo no mar profundo do Atlântico Sul teve várias consequências comerciais e está cheia de implicações políticas.

 

O “boom” da costa africana

Um dos resultados foi a generalização da prospecção a toda a costa africana, de Marrocos à Namíbia, que levou a um boom no licenciamento da exploração e produção a partir de meados da década de 90, com quase todos os Estados costeiros a venderem licenças. Mas a exploração permanece focada no Golfo da Guiné, da Nigéria à bacia do Quanza. Outra consequência foi a pesquisa a profundidades cada vez maiores, com prospecções a três mil metros, no ultra-deepwater offshore. A profundidade média no Oceano Atlântico é de 3.314 metros, com a máxima nos 9.220 na fossa de Porto Rico. Uma terceira resultante foi o aumento das reservas regionais (BP 2002). O destaque vai para as da Nigéria que, de 1991 para 2001, cresceram de 17,9 mil milhões de barris para 24 mil milhões e excedem a soma dos outros Estados do golfo guinéu.

As de Angola triplicaram de 1,8 mil milhões para 5,4 mil milhões; as do Gabão mais do que triplicaram de 700 milhões para 2,5 mil milhões; e as do Congo-Brazzaville quase duplicaram de 800 milhões para 1,5 mil milhões. Os Camarões viram as suas estagnarem nos 400 milhões, mas em compensação facturarão direitos de passagem pelo trânsito diário de 250 mil barris, que começarão a vir do Chade em 2004, para o porto de Kribi.

Qual última fronteira, graças ao golfo da Guiné, África aumentou as suas reservas em 26,8% de 1991 a 2001, para 76,7 mil milhões de barris, quando entre 1981 e 1991 o aumento fora de 7,7% para 60,5 mil milhões de barris. Esta evolução foi contrária à do mundo, cujas reservas subiram 47,5% de 1981 para 1991, quando chegaram a um bilião (milhão de milhões) de barris, mas apenas 5% nos 10 anos seguintes para 1,05 biliões de barris. Desta forma, África passou a representar 7,3% do total, quota que era de 6% em 1991 e 8,3% em 1981.

Estes desenvolvimentos levaram à subida da produção africana, que valeu 10% dos 74,5 milhões de barris diários produzidos em 2001. Os principais produtores foram Nigéria (2,9% do total mundial), Líbia (1,9%), Argélia (1,8%), Angola e Egipto, com um por cento cada. Ou seja, Norte de África e golfo da Guiné, com este representado ainda por Gabão e Congo-Brazzaville, ambos com 0,4%, Guiné Equatorial (0,3%) e Camarões (0,1%). O pico da produção no golfo guinéu, em que 60% vem do offshore, ocorreu em 1997 com 3,86 milhões de barris diários. A chegada de São Tomé e Príncipe ao clube dos produtores de petróleo, apesar de em co-gestão com a Nigéria na zona de exploração conjunta (enquanto espera o resultado da prospecção nas suas águas, cuja exploração quer deixar para o futuro), é também de assinalar. As variações mais acentuadas são as de Angola, que já terá atingido o milhão de barris diários, e da Guiné Equatorial, cuja produção disparou: zero barris em 1991; 100 mil em 1999; e 181 mil em 2001.

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Ao contrário, Gabão e Camarões entraram em perda, tendência que ameaça o Congo-Brazzaville. Além dos recém-chegados São Tomé e Príncipe e Chade, o golfo da Guiné pode vir ainda a receber petróleo do Niger e da República Centro-Africana.

Das implicações, uma respeita a Portugal, que vê integrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa a aparecerem em destaque no panorama petrolífero atlântico – Angola, Brasil e São Tomé e Príncipe. Em tese, esta situação abre alguma possibilidade de acção a Lisboa. A Galp produz em Angola e prospecta, tal como a Partex, no Brasil. O presidente da Sonangol já disse querer cruzar participações com a Galp, para colocar gás em Sines e na rede portuguesa, em troca de uma participação da Galp em empresa a criar para explorar o gás natural angolano.

Mas a principal consequência é o maior envolvimento dos EUA na zona. Os EUA consumiram 20 milhões de barris por dia em 2001 (25,5% do total mundial), mas só produziram oito milhões, pelo que tiveram de importar 12. A África Ocidental representou 12% destas aquisições – a Nigéria vendeu 854 mil barris por dia (7,4%), Angola 321 mil (2,8%) e o Gabão 138 mil (1,2%). O Médio Oriente forneceu 24% e o continente americano 50%, dos quais o Canadá respondeu por 15%, a Venezuela por 13% e o México por 12%. Vários analistas prevêem que a percentagem do golfo da Guiné suba para 25% até 2015. Entre as vantagens do golfo da Guiné está a distância curta para os EUA, que embaratece os custos de transporte face ao Cáspio ou Médio Oriente; vias marítimas mais seguras do que as do golfo Pérsico; acréscimo de segurança que também se verifica nas explorações, por força da localização no alto mar; e a qualidade do crude.

 

Israel interessado em África

A promoção do petróleo africano convém a Israel. No seguimento de um simpósio promovido em Washington, a 25 de Janeiro de 2002, pelo Instituto de Estudos Políticos e Estratégicos Avançados, um think tank sedeado em Jerusalém, foi constituído o African Oil Policy Initiative Group (AOPIG). Este lobby é integrado por congressistas, membros da Administração Bush e representantes da indústria petrolífera.

Entre as propostas do AOPIG destacam-sea declaração do golfo da Guiné como área de interesse vital para os EUA – “sem o que permite-se o avanço local de rivais, como a China, adversários, como a Líbia, e organizações terroristas, como a Al-Qaeda” –, a criação de um comando militar para a área e a instalação de uma base militar em São Tomé e Príncipe. A racionalidade da envolvência dos EUA nas zonas petrolíferas é dada pelo chamado Relatório Cheney (NEPDG 2001), que defende a resolução do gap crescente nos EUA entre consumo e produção pelo aumento generalizado – Hemisfério Ocidental, África, Cáspio e outras regiões – da oferta. A exportação de poder militar para garantir a importação de energia é uma das resultantes do relatório. África e América Latina, tal como Golfo Pérsico e Bacia do Cáspio, sentirão, ou já sentem, o impacto deste (Klare 2002).

A maior penetração dos EUA na África Ocidental questionará a relação especial de França com estes Estados, a chamada FrançAfrique, evidenciada no julgamento do processo Elf, e outros interessados no petróleo africano, como China e Japão. Estes procuram as boas graças dos produtores com a ajuda ao desenvolvimento, via construção de infra-estruturas, como escolas, hospitais, estradas e ferrovias, refinarias, centrais eléctricas e barragens, concessão de bolsas, envio de médicos ou concessão de empréstimos em condições mais favoráveis e perdão/redução da dívida. Por outro lado, Washington intensificará relações com regimes que se destacam pela repressão, corrupção e opacidade na gestão dos dinheiros públicos, desde logo, as receitas petrolíferas, como asseguram instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Global Witness e a Transparência Internacional.

A contestação sociopolítica a estes regimes rentistas é frequente. Por exemplo, na Nigéria há 1200 incidentes por ano, com as infra-estruturas petrolíferas sabotadas de forma crónica. O relatório Cheney recomenda a intensificação das ligações aos responsáveis locais, para estes melhorarem o ambiente do comércio, investimento e operações relacionado com a energia e sugere aos departamentos de Estado, Energia e Comércio que apoiem um uso mais transparente, fiável e responsável dos recursos petrolíferos nos países africanos.

A desestruturação estatal regional invoca o exemplo do Afeganistão (há alusões inclusive à presença da Al-Qaeda), atracção para o abismo esta patenteada em casos como os da Libéria ou Serra Leoa, a pilhagem do Congo-Kinshasa ou a decomposição tribal. Na América Latina, as atenções centram-se no México (a AIE prevê que este grande fornecedor dos EUA, passe a importador líquido em 2030, pelo aumento do consumo e baixa de produção), Brasil (deve passar a exportador líquido marginal até 2020), Venezuela e Colômbia. Nestes últimos, o envolvimento militar já existe na Colômbia, onde a guerrilha sabota os oleodutos, enquanto continua por esclarecer o alegado envolvimento dos EUA no golpe anti-Chávez.

 

Informação Complementar

Portugal e o “Oil Appeal”

O boom petrolífero no golfo da Guiné acentuou a discussão sobre o futuro da Galp, em particular no que respeita à prospecção e exploração, dada a sua presença nestas actividades em Angola. A reforma do sector energético português, apresentada pelo governo em Abril de 2003, é caracterizada pela integração do negócio do gás natural na EDP, com a correlativa recentragem da Galp no petróleo. Mas na ocasião não foram avançadas pistas quanto ao desenvolvimento da empresa petrolífera.

Sobre as perspectivas da Galp opõem-se duas teses. Uma defende a transformação da Galp em empresa comercializadora de combustíveis, com o abandono do upstream e da refinação, figurino em que Espanha aparece como mercado a investir; outra vê a Galp como uma ‘total energy company’ (TEC), parte de um conglomerado energético que controla o negócio da energia. A última tese foi defendida por Manuel Ferreira de Oliveira, ex-presidente da Petrogal, durante um debate promovido pela Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (Sedes) em Fevereiro de 2003, que contou com a presença, a título pessoal, do Presidente da República. Ferreira de Oliveira defendeu, no quadro de uma TEC (EDP/Petrogal/GDP) a aposta na exploração e produção e a continuação da refinação – além da presença no transporte oceânico de petróleo e na comercialização em Espanha. Sobre aquela aposta considerou que “Portugal [já] tem o privilégio de operar no offshore atlântico, em Angola e Brasil”. O ex-presidente da Petrogal revelou ainda que quis ter 20 por cento do consumo (339 mil barris por dia em 2001) em reservas, a propósito do que chegou a ponderar a fusão com a Partex, da Fundação Gulbenkian, que produzia 30 mil barris por dia. Em um cenário pós-Eni, as petrolíferas angolana (Sonangol) e brasileira (Petrobras) perfilam-se como parceiros privilegiados da Galp.

João Salgueiro, presidente da Sedes, justificou a iniciativa por ser “confrangedor” decidir sobre tendências pesadas que enformam o futuro para décadas sem informação nem discussão. Um exemplo, disse, foi a entrada da Eni no capital da Petrogal, em Janeiro de 2000, sem respeitar “normas mínimas de transparência”, que classificou como “um desastre negocial”.

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* Rui Nunes

Jornalista.

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Bibliografia

Agência Internacional de Energia (2001), World Energy Outlook, Paris: OCDE/AIE.

Agência Internacional de Energia (2002), World Energy Outlook, Paris: OCDE/AIE.

BP (2002), BP Statistical Review, www.bp.com.

HUC, Alain-Yves (2003), Le Pétrole des Profondeurs Océaniques, Pour la Science, Maio, pp: 44-52.

KLARE, Michael (2002), Global Petro-Politics, Current History, Vol. 101 (653), pp: 99-104.

NEPDG (National Energy Policy Development Group) (2001), National Energy Policy, Washington: Governo dos EUA.

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Dados adicionais
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