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AQUI! O projecto “Movimentos Colectivos Face à Globalização”, no Instituto de Ciências Sociais (ICS), integrou-se nesta parceria de investigação e incluiu o Brasil (país anfitrião dos Fóruns Sociais Mundiais). No processo de pesquisa iniciado no ICS, a problemática teórica acompanhou os contributos de Alain Touraine e no percurso da análise dos fenómenos empíricos, procedeu-se à combinação de técnicas de recolha de informação quantitativas (inquérito por questionário aplicado aos actores individuais e colectivos do Fórum Social Português) e qualitativas (entrevistas realizadas aos interlocutores privilegiados portugueses presentes no FSM, análise a artigos da imprensa nacional e estrangeira e a documentos de suporte electrónico).
De Chiapas a Porto Alegre: a emergência de novas formas de acção colectiva A manifestação de Seattle (1999) contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) representa o marco mediático da (curta) história dos movimentos na globalização, mas a sua génese remonta ao ano de 1996, quando em Chiapas, no México, sob a égide do movimento zapatista, se realizou o “primeiro encontro para a humanidade e contra o neoliberalismo”, que reuniu mais de três mil representantes de movimentos sociais. Aqui, foi aprovada a “Segunda Declaração pela Humanidade e contra o Neoliberalismo”, onde se reforçou a importância das novas tecnologias de informação na resistência contra a globalização neoliberal. O movimento zapatista é um símbolo e uma referência importante para a compreensão das lutas na globalização. Apesar de transportar uma resistência e um desejo de emancipação locais, porque reivindica a concessão de direitos iguais para os povos indígenas e a sua integração na sociedade mexicana, a sua mensagem é global, ou seja, dirige-se não só aos indígenas, mas a todos os indivíduos que no mundo estão oprimidos social e culturalmente pelos processos de globalização hegemónicos. Por outro lado, o movimento zapatista, ao utilizar as redes comunicacionais da Internet para espalhar as suas palavras de ordem, conseguiu romper as fronteiras nacionais e projectar-se mundialmente. Uma luta local tornou-se rapidamente uma luta global – pelo mundo inteiro eclodiram sentimentos de solidariedade e surgiram grupos de apoio à causa zapatista. Posteriormente, em 1998, um conjunto de organizações manifestou-se contra o Acordo Multilateral sobre os Investimentos (AMI), proposto no âmbito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). A interacção entre as redes de ONG que se mobilizaram contra o AMI mantém-se e alarga-se a outras até Seattle. No protesto de Seattle (Nov/Dez 1999), cerca de 50 mil manifestantes, sob o estandarte de que “o mundo não é uma mercadoria”, bloquearam o centro de reuniões onde se iria realizar a cimeira da OMC. Estabeleceu-se o caos na cidade, a polícia actuou violentamente sobre os manifestantes e 500 pessoas foram presas. Apesar da presença de grupos reactivos entre os manifestantes, como os Black Block, que afirmam o princípio da violência como forma de resistência contra o funcionamento do “sistema”, muitos dos cidadãos que se manifestavam pacificamente foram detidos. Devido à grande difusão do acontecimento pelos meios de comunicação, os actores envolvidos proclamaram o fracasso da cimeira da OMC. Mas o insucesso da ronda do milénio deveu-se sobretudo à existência de orientações e posições políticas antagónicas entre os EUA e a UE e entre estes e os países do hemisfério sul. Após Seattle, com a finalidade de prepararem as manifestações seguintes, as ligações entre as redes de movimentos tornaram-se cada vez mais activas e permanentes. Sucederam-se dezenas de protestos contra as reuniões do FMI, do BM, dos chefes de Estado dos países mais ricos (G8), das Cimeiras da UE e da ONU. No entanto, apesar da importância das sucessivas acções de rua contra os poderes económicos e políticos supranacionais, não existia um espaço internacional de encontro permanente da sociedade civil e daqueles que procuravam um mundo mais justo e igualitário. Estes e as suas preocupações sociais, ambientais e culturais estavam peremptoriamente excluídos das grandes cimeiras mundiais dos chefes de Estado ou do grande capital financeiro. Em Janeiro de 2001, com a realização do 1º FSM (1) (por contraposição ao Fórum Económico Mundial de Davos [FEM]), às acções de contestação colectivas uniram-se os espaços de debate e reflexão alternativos. Sob o lema de “Um Outro Mundo é Possível”, milhares de ONG, sindicatos, políticos e cidadãos anónimos dos quatro cantos do mundo reuniram-se pela primeira vez em Porto Alegre – a capital do Estado do Rio Grande do Sul no Brasil – para discutirem criticamente as consequências económicas, sociais e ambientais causadas pela globalização neoliberal e encontrarem propostas alternativas que promovam uma globalização ética e solidária. O FSM é o expoente máximo do encontro mundial da diversidade social e cultural. O facto de este espaço se assumir como um campo de (inter)acção abrangente e diversificado, onde não se adoptam posições e documentos vinculativos a todos os participantes, e como um processo descentralizado onde se integram outros locais de dinamização da acção colectiva (manifestações, fóruns nacionais e regionais) permite a confluência de movimentos sociais com características e objectivos distintos – indígenas, ecologistas, feministas, homossexuais, camponeses, agricultores, sindicalistas, representantes de comunidades religiosas, organizações de desenvolvimento humanitário, movimentos políticos, jovens, intelectuais e trabalhadores. Portanto, o FSM é um local onde os movimentos sociais e as ONG podem simultaneamente dar a conhecer as suas lutas nacionais e regionais por uma globalização solidária e estabelecer ligações, através das suas afinidades identitárias e temáticas, com outros actores colectivos ao nível das acções e reivindicações a desenvolver. Existem propostas que têm sido amplamente mediatizadas e difundidas, como a taxa Tobin (defendida pela ATTAC), a anulação da dívida externa dos países mais pobres, a democratização das instituições financeiras mundiais ou a sua substituição por outras instâncias, a introdução de direitos laborais e sociais (corelabour standards) nos países mais pobres, entre outras. No entanto, a concepção de vínculos formais ou informais em torno e pela defesa destas causas nunca será da responsabilidade do FSM, mas apenas das suas entidades promotoras. Se o FSM avançasse com propostas alternativas globais violaria um dos seus princípios constitutivos: dar voz à pluralidade e à diversidade social e cultural. Depois da primeira edição do FSM, a manifestação de Génova (Julho de 2001) em Itália marcou novamente a cronologia dos movimentos da globalização. Antes dos trágicos atentados do 11 de Setembro, este foi o último grande protesto, que terminou violentamente com a morte do jovem Carlo Giulianni. Com o despontar da aliança mundial contra o terrorismo, a continuação de episódios violentos no seio das manifestações poderia descredibilizá-las mais do que no passado. A partir daqui, tornou-se essencial demover a imagem de violência das acções de rua. No mês em que se deram os ataques terroristas ao World Trade Center, estavam agendados protestos contra as reuniões mundiais do FMI e BM, mas, devido ao seu cancelamento, os movimentos sociais optaram por organizar em vários países europeus e nos EUA manifestações pacíficas contra a então possível guerra no Afeganistão. Nesta conjuntura mundial periclitante, realiza-se o segundo FSM. No pós-11 de Setembro, este foi o primeiro encontro das redes da globalização, onde os movimentos sociais passaram também a ter um novo desafio: posicionarem-se criticamente face a esta nova ou velha problemática da guerra, assumindo uma vertente pacifista e contra a hegemonia político-militar assumida pelos EUA. Nas duas primeiras edições (2001 e 2002), o FSM conseguiu afirmar-se como o opositor legítimo do FEM. Em 2003, com a presença do recém-eleito presidente do Brasil (Luís Ignácio “Lula” da Silva) e com a sua transmissão da mensagem de Porto Alegre a Davos – por uma globalização solidária e pela paz no mundo –, o FSM adquiriu uma ainda maior projecção mediática internacional. Por outro lado, apesar de os diferentes significados políticos, sociais e culturais que envolvem as acções dos movimentos sociais presentes em Porto Alegre, este ano a chamada sociedade civil não-governamental uniu-se em torno de um objectivo comum: protestar pacificamente contra a emergência de uma intervenção militar anglo-americana no Iraque e alertar a opinião pública mundial para as consequências dramáticas desta guerra. Com o propósito de descentralizar e de mundializar o FSM, em 2004 este realizar-se-á na Índia. Esta deslocação para o continente asiático visa integrar neste processo as organizações que, devido à falta de recursos económicos, se têm visto impossibilitadas de viajar até ao Brasil.
Portugal e a mundialização do FSM Numa época em que os processos de globalização são complexos e multifacetados, mas assumem consequências locais e regionais específicas, não faz sentido apelar à mobilização global dos cidadãos se não se construírem espaços nacionais de incentivo à participação política e cívica. Inspirados no modelo do FSM, têm emergido, pelo mundo inteiro, os fóruns regionais (como o Fórum Social Europeu de Florença) e nacionais, não só com o intuito de dar continuidade ao processo iniciado em Porto Alegre, mas também de glocalizar os protestos contra o neoliberalismo e de procurar construir uma “altermundialização”. Na sociedade portuguesa, os movimentos sociais, as ONGs e os sindicatos, empenhados em desenvolver uma dinâmica de acção e reflexão conjunta, estão a organizar o 1º Fórum Social Português (FSP), que se realizará em Junho de 2003. Com base na carta de princípios do FSM (que estabelece um conjunto mínimo de regras que deverão ser respeitadas por todos os participantes), numa das reuniões de preparação para o FSP, foi redigida a Declaração de Coimbra, onde se incentiva a participação de todos os indivíduos e organizações “...que condenam as políticas económicas, sociais, ambientais e culturais do neoliberalismo, a guerra, o sexismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia, a pobreza, a exclusão social e a injustiça”. Actualmente, à semelhança do que tem ocorrido em vários países, as intervenções dos movimentos sociais portugueses centralizaram-se em torno do tema da guerra. A manifestação pela paz e contra a guerra (Fevereiro de 2003), agendada pelo Fórum Social Europeu, em Portugal foi convocada pelos actores envolvidos no processo de formação do FSP, que se dedicaram a mobilizar todas as entidades não governamentais com responsabilidades na esfera pública e social.
Nota final Conclui-se assim que um estudo sociológico internacional se impõe, para compreender os significados dos novos modos mundiais de dominação e dos movimentos colectivos na globalização. Estes últimos têm contribuído para as discussões sobre a segurança colectiva e a sociedade civil global. No 3º FSM, participámos num painel sobre este tema, com o envolvimento de representantes de centros de pesquisa sobre movimentos sociais no Brasil e no mundo. Concluímos que é indispensável clarificar e aprofundar as discussões e as propostas de alternativas à globalização neo-liberal, lutar pela superação da exclusão social e das desigualdades e respeitar as diferenças. É um caminho que é difícil. Mas o paradigma da globalização solidária vai progredindo, num processo que ficou sinteticamente exposto neste texto.
Informação Complementar Breve Cronologia dos Movimentos da Globalização Chiapas: Jul/Ago 1996 – 3000 mil pessoas participam no “1º Encontro Intergaláctico pela humanidade e contra o neoliberalismo”. Seattle: Nov 1999 – 50 mil manifestantes contra a cimeira da OMC. Devido à exposição mediática do evento, Seattle é considerado o marco cronológico dos protestos da globalização. Porto Alegre: Jan/Fev 2001 – Por oposição ao FEM de Davos, realiza-se, na mesma data, o FSM, onde se reúnem 20 mil pessoas de 117 países para discutirem propostas alternativas à globalização hegemónica e neoliberal. Génova: Jul 2001 – 150 mil manifestantes nas ruas de Génova contra a reunião dos G8. A cidade transformou-se num campo de batalha do que resultou um morto e vários feridos. Porto Alegre: Jan/Fev 2002 – A 2ª edição do FSM recebe 51 mil participantes de 131 países. O aumento exponencial no número de participantes é aclamado como um verdadeiro sucesso. Florença: Nov 2002 – No 1º FSE discutem-se os problemas da Europa. O FSE terminou com uma longa marcha pela paz e contra a guerra, na qual participou, 1 milhão de pessoas. Porto Alegre: Jan 2003 – Este ano, a cidade de Porto Alegre acolheu 100 mil pessoas durante os dias do FSM. O espaço do encontro global dos movimentos sociais voltou a crescer exponencialmente, ao nível do número de participantes e dos eventos realizados. Manifestação Global pela Paz: Fev 2003 – Por todo o mundo, milhões de pessoas protestam pacificamente contra a guerra no Iraque. Em Lisboa, estima-se a presença de 80 mil pessoas. Lisboa: Jun 2003 – realiza-se o 1º Fórum Social Português. GOHN, Mª da Glória (2003), “O Movimento Social Antiglobalização: De Seattle à Génova”. WIEVIORKA, M. (2001), “Les Mouvements antimondialisation”, Colóquio: Novas Formas deMobilização Popular, ISCTE, Lisboa. Os números da participação no FSM
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