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Janus 2004



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A omnipresença militar norte-americana e a nova NATO

Luís Tomé *

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Após o fim do confronto bipolar, os EUA desenvolveram intervenções em vários conflitos: Somália, Haiti e Panamá (baixa intensidade), nos Balcãs (maior intensidade) e mais recentemente no Afeganistão e no Iraque. Apesar das diversas motivações para a intervenção e dos diferentes contextos dos conflitos, estas operações constituem uma demonstração inequívoca de afirmação hegemónica de poder e de capacidade de intervenção em qualquer cenário. Também a NATO se tem adaptado a esta orientação estratégica dos EUA, confirmada na última Cimeira, realizada em Novembro de 2002.

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Tal como muitos aspectos da sua cultura, a presença militar dos EUA toca todos os quadrantes do globo. Em tempo de paz, cerca de 255.000 militares norte-americanos estão posicionados fora do seu território, espalhados por mais de 150 bases e instalações militares de 110 países. Com as forças adicionais deslocadas para o Afeganistão e para o Iraque, o número de militares americanos além-fronteiras ultrapassa largamente os 400.000! As justificações para tal empreendimento situam-se entre a herança da Guerra Fria, a necessidade de manter a segurança e a estabilidade mundial e regionais, as intenções hegemónicas dos EUA, e a “guerra contra o terror”.

 

Um legado da Guerra Fria

Já depois de terminado o confronto bipolar, os EUA desenvolveram operações de curto prazo e fraca intensidade na Somália, no Haiti e no Panamá, lideraram outras de maior intensidade nos Balcãs, a propósito da Bósnia e do Kosovo, e empreenderam guerras de grande intensidade no Afeganistão e no Iraque. Estes envolvimentos militares são todos distintos quanto aos respectivos contextos e motivações, mas são um sintoma, quer da apetência da hiperpotência para o uso da força bélica, quer das responsabilidades que os EUA assumem em termos de policiamento mundial. Mas a verdade é que uma parte substancial dessa omnipresença deriva da necessidade de sustentar a “pax americana”.

A grande maioria dos dispositivos militares norte-americanos espalhados pelo mundo são ainda uma herança da Guerra Fria e das alianças forjadas em resultado da confrontação bipolar, em particular na Europa via NATO (nomeadamente na Alemanha, Itália, Reino Unido, Turquia, Espanha, Islândia, Bélgica e Portugal) e na Ásia (com contingentes na ordem dos quase 40.000 militares na Coreia do Sul e no Japão). No Velho Continente, os programas de parceria e o processo de alargamento da NATO vêm expandindo a presença militar dos EUA para Leste e Sudeste, sendo de prever que, em virtude do alargamento, da reorientação estratégica dos EUA e da Aliança Atlântica, da implementação da Nova Estrutura de Comando da NATO, e também das “novas fidelidades” europeias, sejam deslocados contingentes norte-americanos para países de Leste, eventualmente e em particular da Alemanha (onde se encontram cerca de 70.000 militares americanos) para a Polónia, Hungria, República Checa, Roménia e Bulgária.

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Guerra contra o terrorismo

A guerra contra o terrorismo e contra a proliferação das armas de destruição maciça, aliada ao princípio de Rumsfeld/Wolfowitz em que “a missão determina a coligação”, tem sido determinante para o reforço significativo da presença militar norte-americana na vasta região do Médio Oriente e Ásia Central, o que configura a concretização de uma verdadeira “revolução estratégica” nesta área tão sensível do globo. Desde o 11 de Setembro, os EUA montaram novas bases nesta região ou nas suas proximidades: no Paquistão (Jakobabad), no Quirguistão (Manas), no Uzbequistão (Karshi-Khanabad), no Afeganistão (Kandahar, Bagram e Mazar-al-Sharif), no Djibuti (Camp le Monier), na Hungria (Taszar), na Roménia (Constanza) e na Bulgária (Burgas).

Entretanto, estão a retirar da Arábia Saudita os cerca de 5.000 militares lá estacionados desde a Guerra do Golfo, deixando ficar apenas uma “força residual”, e presume-se quererem estabelecer quatro bases militares no Iraque – em Bashur, no Curdistão; uma outra designada H1, perto da fronteira com a Jordânia e a Síria; em Bagdade, junto ao aeroporto; e em Tallil, perto de Nassíria. Além disso, os Estados Unidos aumentaram os seus contingentes permanentes noutros países do golfo Pérsico como o Qatar, o Bahrein e Omã, e, no âmbito da campanha contra o terrorismo, apoiam financeira e militarmente ou com Intelligence outros Estados – Israel, Egipto, Jordânia, Turquia, Colômbia, Paquistão, Rússia, Filipinas, Geórgia, Uzbequistão, Azerbeijão, Índia, Indonésia, Malásia, Singapura (ver tabela). Esta campanha tem servido também de justificação para o aumento sensível do orçamento de Defesa dos EUA (400 mil milhões de dólares este ano), levando este país, sozinho, a ser responsável por quase metade das despesas mundiais com armamento!!!

Em síntese, a omnipresença militar norte-americana é tanto uma consequência como um forte catalisador da hegemonia dos Estados Unidos. As dúvidas e os debates, no entanto, repousam essencialmente sobre as intenções da única superpotência, na sua habilidade para tornar o mundo mais seguro e estável, e na legitimidade para o tentar fazer de forma mais ou menos unilateral, recorrendo às “coligações flutuantes” ou às “coligações da boa vontade”.

 

A nova NATO

Uma das expressões mais claras desta omnipresença militar dos EUA é a que resulta da sua permanência na Europa por via da NATO. Apesar das tensões entre aliados em virtude da crise sobre o Iraque, a Cimeira da Aliança Atlântica realizada em Praga em Novembro de 2002 produziu avanços significativos na reorientação estratégica e operacional da Aliança: decidiu a concepção de uma Nova Estrutura de Comando e de uma nova força, a NATO Response Force (NRF), e formalizou o convite para que sete novos países aderissem à NATO, em 2004 – Estónia, Letónia, Lituânia, Eslováquia, Eslovénia, Bulgária e Roménia. Mas se o alargamento confirma a expansão para leste da Aliança, as outras duas decisões são resultantes das novas circunstâncias estratégicas internacionais e demonstram a supremacia das concepções norte-americanas, que progressivamente vão sendo “assimiladas” pela NATO.

 

Nova estrutura de comando

Na reunião de 12 de Junho de 2003, os ministros de Defesa da Aliança aprovaram, na sua concepção, uma nova estrutura de comando militar racionalizada, mais ligeira, mais eficaz, e melhor adaptada à nova gama de missões da NATO. Ao nível estratégico, em vez dos actuais dois comandos estratégicos operacionais, surgirá apenas um comando com responsabilidades operacionais, o Comando Aliado “Operações”, sendo entretanto criado um novo Comando estratégico funcional para a “Transformação”.

O Comando Aliado “Operações” (ACO) será comandado pelo SACEUR – que continuará a exercer uma dupla função, sendo igualmente Comandante das forças dos Estados Unidos estacionadas na Europa – e assumirá as funções operacionais até agora exercidas pelo Comando Aliado na Europa e pelo Comando Aliado do Atlântico. O ACO terá como seu quartel-general o SHAPE, próximo de Mons (Bélgica), e será responsável por todas as operações da Aliança.

Por seu lado, o Comando Aliado “Transformação” (ACT) tem por objectivo promover e supervisionar a transformação contínua das forças e capacidades da Aliança, elaborar as doutrinas, introduzir e difundir os novos conceitos, e favorecer a interoperabilidade. O ACT será comandado pelo SACT (Comandante Supremo Aliado Transformação) que, à semelhança do SACEUR, exercerá uma dupla função, sendo simultaneamente Comandante das Forças Interarmas dos EUA (US Joint Forces Command), e terá na Bélgica um elemento de Estado-maior que se ocupará principalmente das questões relativas aos recursos e à planificação da defesa.

Ao nível operacional, os cinco comandos regionais operacionais actuais serão substituídos por dois comandos de forças interarmas permanentes – um em Brunssum, Holanda, e outro em Nápoles, Itália –, aos quais se junta um Quartel-General interarmas permanente, em Lisboa, devidamente redimensionado. Ao nível táctico, os treze comandos subordinados operacionais actuais darão lugar a seis comandos de componente de forças interarmas que reportarão aos elementos de nível operacional as competências próprias dos diferentes ramos – terra, mar ou ar. Assim, o Comando Interarmas de Brunssum terá uma componente de Comando Aéreo em Ramstein, na Alemanha; um Comando Marítimo em Nothwood, no Reino Unido; e um Comando da componente Terra em Heidelberg, na Alemanha. Para o Comando Interarmas de Nápoles haverá uma componente de Comando Aéreo em Izmir, na Turquia; uma componente de Comando Marítimo em Nápoles; e uma componente de Comando Terrestre em Madrid. Ou seja, no total, o número de quartéis-generais de comando passará dos actuais vinte para onze. Além destes, existirão seis centros de operações aéreas combinadas (CAOCs) – quatro fixos (Uedem, Alemanha; Finderup, Dinamarca; Poggio Renatico, Itália; e Larissa, Grécia) e dois “desdobráveis” (Uedem e Poggio Renatico) –, em vez dos actuais dez.

 

NATO Response Force

Para fazer face às novas ameaças à segurança e à estabilidade europeia e mundial, a NATO resolveu formar, na Cimeira de Praga de Novembro de 2002, uma nova força de reacção rápida, a NRF, concebida como uma unidade de grande flexibilidade, extraordinariamente bem equipada tecnologicamente e com grande poder de fogo, de alta prontidão, e com elevada interoperabilidade e integração das componentes aérea, terrestre e marítima, com o objectivo de mais eficazmente poder enfrentar as actuais ameaças assimétricas.

A necessidade e a urgência desta força são visíveis pelo calendário da sua implementação: a 16 de Julho de 2003, os delegados dos países aliados encontraram-se no SHAPE para uma primeira conferência de geração de forças; 15 de Outubro foi a data escolhida para a NRF ser constituída com uma embrionária capacidade de resposta, espécie de “protótipo” da força; um ano depois, em Outubro de 2004, a NRF disporá de uma capacidade operacional inicial; em 2006, quando se alcançar a capacidade operacional final, a NRF terá um contingente de 21.000 militares, equipada com o que de mais evoluído a indústria militar produzir, fazendo dela uma força altamente bem preparada e credível. Quando a NATO decidir o seu emprego, a NRF deverá estar disponível em cinco dias e ser auto-sustentável por um período de trinta dias.

De realçar, porém, dois elementos significativos. Primeiro, o comunicado final da Cimeira de Praga nota a necessidade de a NATO dispor de forças que se movam rapidamente “para onde quer que sejam necessárias” e sustentem operações a grande distância, incluindo teatros onde possam enfrentar armas químicas, biológicas e nucleares. Ora, tal desígnio parece acabar de vez com o debate out-of-area que contribuiu para minar as relações transatlânticas nos últimos anos, assumindo que a Aliança pode desempenhar missões fora do continente europeu. Por outro lado, apesar de estarem conceptualmente definidos o tipo de força, as capacidades, o calendário e a estrutura de comando da NRF, permanece alguma ambiguidade sobre as suas missões, o que revela as divergências euro-atlânticas sobre a amplitude das “acções preventivas” que uma força como a NRF deverá desempenhar.

 

Dilemas

Alguns suspeitam, ou temem, que a NRF enfraquecerá ou subverterá a Força de Reacção Rápida (FRR) da União Europeia. A verdade é que as duas forças são bastante distintas nos seus propósitos. A NRF será essencialmente uma força de ataque dotada de grande capacidade bélica para usar em operações de combate de elevada intensidade, e sobretudo fora do continente europeu, enquanto a FRR da UE está prioritariamente orientada para missões de paz e de estabilização na Europa ou na sua imediata periferia. Assim sendo, teoricamente, a NRF e a FRR serão mais complementares do que conflituais.

Apesar das expectativas e do optimismo associados às importantes decisões de Praga 2002, certo é que permanecem por ultrapassar dilemas cruciais para o futuro da Aliança e das relações transatlânticas: como lidar com as novas ameaças, em que circunstâncias se deve recorrer apropriadamente ao uso da força militar, como inverter o hiato entre as capacidades militares americanas e europeias, e quão global e que papel deverá a NATO assumir na ordem internacional actual. No fundo, o que está em causa é a permanência da Aliança como organização política e militar efectiva, e a possibilidade de europeus e americanos enfrentarem colectivamente os novos desafios e as novas ameaças.

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* Luís Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL.Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Especialista em questões Estratégicas e Internacionais. Docente na UAL. Assessor no Parlamento Europeu.

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