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O conflito comercial entre a UE e os EUA (I)

José Pereira da Costa *

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O conflito comercial entre a UE e os EUA abrange numerosas áreas: a comercialização de organismos geneticamente modificados, os subsídios à agricultura, a exportação para a Europa de carne com hormonas, as limitações ao investimento estrangeiro na América, a adopção de um sistema de patentes, por parte dos EUA, diferente do utilizado no resto do mundo, a lei Foreign Sales Corporations, etc. Os EUA invocam como motivo para a não adopção de algumas regras relativas ao comércio internacional, a falta de aprovação por parte do Congresso Americano e a diversidade das legislações federais.

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O falhanço das negociações de Cancún da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 14 de Setembro passado, que puseram em oposição, de um lado, os Estados Unidos da América do Norte e a União Europeia e, do outro, os países em desenvolvimento, não deve escamotear o conflito existente entre as duas maiores potências do comércio mundial.

O que aconteceu em Setembro foi que, devido à ausência de acordo, EUA e UE acabaram por não pôr em prática uma maior redução dos seus subsídios à agricultura, como pediam os países em desenvolvimento, e estes não cederam no que respeita a uma maior facilidade de acesso aos seus mercados financeiros e dos serviços públicos.

Mas todo um historial de confronto existe entre Europa e América, no plano comercial, desde há alguns anos.

Depois que foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1 de Janeiro de 1995, as relações comerciais entre os Estados passaram a pautar-se por regras de cumprimento obrigatório. Resultante das negociações do Uruguai Round, concluídas em Genebra, em Dezembro de 1993, e ratificadas em Marraquexe pelos Estados aderentes, em Abril de 1994, a institucionalização da OMC trouxe uma mudança radical no comércio mundial. Não apenas porque pretende uma generalizada liberalização dos mercados, incluindo o dos bens e serviços públicos e o dos investimentos, mas porque introduz uma característica que a diferencia dos acordos do GATT: os países que não cumprirem as regras da livre concorrência deverão ser penalizados. O que não acontecia anteriormente.

Isto fez com que viessem ao de cima os conflitos existentes entre as duas maiores potências comerciais do mundo actual: os Estados Unidos da América e a União Europeia.

Com a consolidação do poderio comercial da actual União Europeia, resultante da entrada em vigor do Mercado Único e dos sucessivos alargamentos, os Estados Unidos viram surgir perante si um concorrente que anteriormente se encontrava disperso em potências de média dimensão. Depois que foi criada a OMC em 1995, esses conflitos tornaram-se mais visíveis, embora só raramente passem para a opinião pública. Trata-se a maior parte das vezes da discussão de temas de carácter técnico que não estão muito divulgados junto do comum dos cidadãos. Mas o facto é que estão em jogo posições de dominação muito importantes a nível mundial, que impedem a hegemonia completa e total daqueles que detêm o maior poder militar e tecnológico do nosso tempo.

Uma nova guerra sem canhões declarou-se, pouco tempo depois de ter terminado a guerra-fria. O desaparecimento da União Soviética e a consolidação da União Europeia permitiram uma maior identificação dos interesses próprios dos europeus. A vontade expressa de hegemonia e de unilateralismo dos Estados Unidos fez cerrar fileiras no velho continente, ao mesmo tempo que se reacendia o papel ambíguo da Grã-Bretanha, sempre indecisa entre as suas ligações transatlânticas e a vontade de intervir na construção europeia.

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O que está em causa

Segundo um relatório da União Europeia, de finais de 2002, o comércio com os Estados Unidos implicou, em 2001, importações daquele país no valor de 194 mil milhões de euros (19% do total das importações da União Europeia) e 237 mil milhões de euros de exportações para a América (24,4% do total). Trata-se do maior intercâmbio de bens e serviços existente actualmente a nível mundial, que provoca, por outro lado, um contencioso importante entre as duas partes no seio da OMC.

Não menos de uma dúzia de dossiers estão em disputa, não contando com as iniciativas dos Estados Unidos, fora do âmbito comercial, destinadas a reforçar o poderio predominante de algumas das suas empresas. Refiro-me ao escândalo, que sobreveio há algum tempo, da detecção na Europa das comunicações telefónicas, por fax e e-mail, entre outras, que os americanos têm capacidade de efectuar mercê do seu avanço tecnológico. As informações obtidas, nomeadamente sobre as grandes empresas europeias, seriam directamente enviadas para as suas concorrentes americanas a fim de as beneficiar nos concursos internacionais. E o equipamento utilizado para esta espionagem comercial contra a Europa encontrar-se-ia em solo britânico.

Durante cerca de dois anos uma comissão do Parlamento Europeu andou a investigar este assunto, deslocou-se aos EUA e elaborou um documento que ficou conhecido como Relatório Echelon. Em seguida, perspectivou-se uma maioria parlamentar em favor da apresentação de um protesto formal junto das autoridades americanas. A colaboração britânica era mais do que evidente.

A necessidade de manter a unidade europeia e boas relações transatlânticas acabaram por se impor.

 

O que está em disputa na OMC

Nos últimos tempos têm estado em disputa na OMC vários dossiers, entre os quais: as leis extraterritoriais norte-americanas, a lei conhecida por Foreign Sales Corporations (FSC), a comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM), a exportação para a Europa de carne com hormonas, os subsídios à agricultura, o problema Boeing/Air Bus, as barreiras tarifárias americanas à importação de aço, as limitações ao investimento estrangeiro na América e a não adopção de sistemas de patentes utilizados no resto do mundo, que dificulta a entrada das empresas estrangeiras nos Estados Unidos. Esta lista não é exaustiva, mas é demonstrativa da importância do conflito que, aliás, não é um exclusivo da União Europeia. Numerosos países sustentam também queixas contra os EUA no seio da OMC.

A arrogância que se traduz no desrespeito pelas leis por que se rege a comunidade internacional, de alguns anos a esta parte, é uma característica do comportamento da superpotência norte-americana. Basta lembrar outras disputas, como a do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a intervenção americana no Iraque, no ano passado, a não aceitação do julgamento dos cidadãos americanos por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional ou a não aprovação do Protocolo de Quioto.

Por outro lado, durante os trabalhos que levaram à criação do projecto europeu GALILEO de navegação à distância, equivalente ao GPS americano, uma oposição intensiva das autoridades de Washington foi interposta, pressionando alguns países europeus a não aprovarem este projecto autónomo, com vista a substitui-lo pelo modelo americano.

Anteriormente, um dos momentos mais dramáticos tinha sido o da obtenção pela Europa da salvaguarda, no seio da OMC, da chamada cláusula de excepção cultural, que permite a continuação do apoio pelos Estados da União Europeia às actividades culturais, nomeadamente ao cinema europeu, que se encontra praticamente cercado por Hollywood, no que respeita à produção, comercialização e distribuição de filmes.

 

Um fórum democrático

Os 148 Estados que compõem actualmente a OMC têm os mesmos direitos (um país, um voto), qualquer que seja o seu peso em termos de comércio internacional.

As decisões são tomadas por consenso. A organização propõe-se criar um sistema credível de regras e princípios que promovam as trocas comerciais mediante o abaixamento progressivo das barreiras tarifárias.

Existe um órgão de regulação de diferendos, a ORD, a quem os diferentes países apresentam os seus pontos de vista sobre as questões referentes às distorções das regras de mercado. Trata-se por isso de um importante exercício prático de multilateralismo, numa altura em que os governantes da nação mais poderosa do mundo decidiram que os seus interesses estão acima do direito internacional.

Daí resulta que, apesar de declarar que a sua política comercial é baseada no respeito da lei, da transparência e da abertura, a administração americana tem sido condenada sucessivas vezes pela ORD por incumprimento das mais elementares regras do comércio internacional.

O facto de a legislação americana ter de ser aprovada pelo Congresso é uma das razões que o governo dos Estados Unidos invoca para não cumprir as regras da OMC. Acrescem os problemas que resultam da existência de muitas leis a nível estadual incompatíveis com as normas internacionais, o que dificulta a actividade das empresas estrangeiras. 

Por esta razão, segundo o United States Trade Representative (USTR), departamento chefiado por Robert Zoellick, que dirige todas as negociações do lado americano, o Presidente Bush aguarda que lhe seja dado pelo Congresso a Trade Promotion Authority (TPA), “para poder falar a uma só voz em nome do nosso país” e “restaurar a liderança dos Estados Unidos na liberalização do comércio”. Esta concessão extraordinária ao presidente americano, que não existe desde 1994, permitirá ao país participar em novos acordos comerciais a nível bilateral e regional, assim como, segundo dizem, aplicar muitas das regras da OMC perante as quais está em falta.

O próprio comissário europeu Pascal Lamy, responsável pela política comercial da União Europeia, numa das suas frequentes visitas aos Estados Unidos, afirmou que era urgente o Congresso outorgar ao presidente mais capacidade de negociação. A questão é de saber se tudo isto não passa de uma estratégia que consiste no cumprimento das regras pelo governo americano apenas quando lhe convém.

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* José Pereira da Costa

Licenciado em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Université Libre de Bruxelles. Mestre em Política Internacional pelo Centre d’Etudes des Relations Internationales et Stratégiques da Université Libre de Bruxelles. Funcionário da Comissão Europeia, em Bruxelas, de 1989-2002.

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