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Janus 2004



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China: o difícil equilíbrio do gigante

Pedro Pinto *

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A China tem apresentado uma dinâmica de crescimento imparável nas duas últimas décadas. Um sector exportador imparável, o aumento exponencial do investimento directo estrangeiro, acompanhados, no entanto, por um aumento do desemprego, consequência da falência de inúmeras empresas públicas, do aumento da desigualdade entre zonas costeiras e o interior, predominantemente agrícola e muito menos desenvolvido. A resposta para o problema residiria na criação de emprego por parte do sector privado, estrangeiro e nacional, e na lenta introdução de reformas democráticas.

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Apesar da crise mundial, as taxas de crescimento na Ásia entre novos e velhos tigres superaram as expectativas nestes últimos dois anos, sobretudo devido ao forte dinamismo da economia chinesa, que apesar dos riscos e obstáculos levantados pelo alastrar da Síndrome Respiratória Aguda manteve a sua taxa de crescimento acima dos 6%, arrastando a região para uma curva prolongada de fortalecimento económico.

O gigante tem mantido o rumo, guiado por um sector exportador frenético, agora ainda mais arrojado desde a entrada na Organização Mundial de Comércio. Um legado que atrai mais investimento privado na região, com uma constante transferência de fábricas para o litoral e algum interior da China, uma deslocalização feita, na maioria das vezes, à custa de outros países asiáticos.

As importações têm crescido igualmente de forma intensa – e asseguram muita da procura nas economias vizinhas – quer pelo aumento de consumo das famílias chinesas, quer pela necessidade de fornecer matéria-prima ao sector exportador. O comércio externo deverá subir 7% em 2003 e a taxa de desemprego nas zonas urbanas, pelo menos a fazer fé nos números oficiais, rondará os 4,5%.

Os números ganham ainda mais optimismo quando se olha para os valores do Investimento Directo Estrangeiro. Depois de algum abrandamento em 2000, volta a acelerar este ano para um novo máximo histórico e que permite ao país ser o principal responsável pela acumulação de reservas na Ásia.

A China é hoje um colosso que se orgulha daquilo que se costuma chamar de modernização em passos largos: a produção interna quase decuplicou nos últimos vinte e cinco anos, a esperança média de vida está ao nível de países como a Turquia e Hungria, e cidades como Xangai e Guangzhou nada ficam a dever a outras grandes metrópoles asiáticas.

As reformas económicas das duas últimas décadas garantiram uma profunda transformação, assente num rápido crescimento e voraz integração na economia global. Só nos últimos sete anos quase duplicou o peso das exportações e importações chinesas no comércio mundial e milhões de trabalhadores foram arrancados da pobreza com o aumento do rendimento per capita.

Um quadro que não esconde, contudo, as fraquezas originadas pelo lado mais medieval do sistema político chinês e da sua planificação económica e que fazem perigar o erguer do gigante: a clivagem entre as zonas costeiras e o interior rural e atrasado, a falência do sector público com dezenas de milhões de desempregados à espreita, a ausência de mecanismos de protecção social e o aumento das disparidades económicas nas grandes cidades.

 

Um gigante na corda bamba

O compromisso com a Organização Mundial de Comércio vai implicar novos e delicados desafios para a China, em virtude do agravar da descida das tarifas na agricultura e indústria. Mais empresas públicas serão obrigadas a declarar falência, fruto da concorrência internacional, e milhões de agricultores vão ter que deixar as suas terras em busca de um emprego nas grandes cidades, já de si demasiado pressionadas e sob a tensão da escalada do desemprego.

 Nos últimos anos, mais de 2300 empresas públicas fecharam as portas, atoladas em dívidas e ineficiência, atirando para a miséria cerca de 20 milhões de trabalhadores. O processo de reformas na administração pública está longe de uma conclusão e exige medidas corajosas por parte da liderança chinesa: acabar com a burocracia e reduzir o peso do Estado na economia é uma tarefa tão urgente quanto a necessidade de ser feita de uma forma suave, sob pena de um trambolhão do gigante na difícil transição para a economia de mercado.

A grande esperança para evitar uma perigosa desagregação social reside na criação de empregos por parte do sector privado, quer estrangeiro quer nacional. Mas para que este possa crescer é primordial um sistema bancário eficiente, de que a China ainda não dispõe. A crise asiática não foi suficiente para obrigar a uma completa reciclagem de todo o crédito malparado ou mesmo das mentalidades. Os bancos estatais, entretanto urgentemente recapitalizados, vão ter que aprender a operar em bases estritamente comerciais, evitando a pressão dos empréstimos com objectivos políticos, mas de rentabilidade duvidosa.

O tempo escasseia, até porque, debaixo do chapéu da OMC, a abertura do mercado à banca estrangeira vai ser feita já em 2005, permitindo aos grandes grupos internacionais competir em igualdade de circunstâncias. O apetite é muito: o crédito à habitação e ao consumo será nos próximos anos um dos negócios mais rentáveis na China, fruto de uma classe média emergente que tem feito disparar o consumo de casas, automóveis e electrodomésticos. Na verdade, no Império do Meio, ser rico é agora mais importante que pertencer ao partido que, aliás, pela última revisão de estatutos, passou a representar o proletariado, mas também as “forças produtivas avançadas”, o jargão comunista para os capitalistas. Porventura, o melhor é estar com um pé em ambos os lados.

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Nova liderança, velhos defeitos

Espera-se, por isso, que o partido seja arejado por homens de negócios e jovens empresários, cuja presença poderá imprimir outra dinâmica às reformas económicas ou, em contrapartida, aumentar os níveis de corrupção de um sistema, já de si, meio moribundo. O ano de 2003 assinala a chegada ao poder da quarta geração de líderes depois de Mao, Deng e Zemin. É a maior mudança no espaço de duas décadas no seio do partido com a retirada de Jiang Zemin da liderança do PC chinês e a sua substituição por Hu Jintao.

Mas uma coisa é certa: a velha geração vai continuar a tutelar os “jovens lobos”, com Zemin a controlar ainda as decisivas forças armadas e a dominar o Politburo com os seus mais fiéis protegidos. Assim sendo, serão poucos os sinais para efectivas reformas democráticas, e mesmo uma ligeira aragem na imprensa é tudo o que a nova geração está, para já, disposta a consentir. 

Ao invés, não se espera que a China inverta o caminho da inserção na economia global, mas num país com mais de mil milhões de pessoas e a atravessar profundas reformas económicas e sociais, poucos acreditam na eternização de uma casta muito própria de políticos e de um sistema monolítico. O episódio de Tianamen ainda não está esquecido e o clima de contestação vai depender, em muito, do sucesso das reformas económicas em curso. Um risco que poderia ser amenizado pela presença de um sistema de segurança social capaz de incluir pensões, subsídios de desemprego e assistência médica, mas que exige fundos de que o governo central, nesta altura, não dispõe.

 

O fogo do dragão na Ásia

A emergência da China como potência económica na região ameaça, em muito, aquilo que foram décadas douradas para a maioria dos tigres asiáticos. Países como Malásia, Indonésia, Tailândia e Coreia do Sul viram uma grande parte do investimento estrangeiro ser desviado para território chinês. Uma tendência que só poderá ser agravada à medida que os efeitos da adesão à OMC tornem as apostas empresariais ainda mais seguras, o mercado chinês mais aberto e a competitividade das suas exportações para a Ásia mais difícil de contrariar. 

Nos últimos anos, excluindo o Japão, a China foi responsável pelo aumento em 40% dos laços comerciais entre os países asiáticos. Pequim assumiu-se como um elo decisivo no comércio intra-regional e na cadeia de produção asiática, aproveitando todas as vantagens derivadas dos baixos custos da mão-de-obra e dos apetites provocados pelo seu vastíssimo mercado.

O futuro vai certamente obrigar os rivais asiáticos a reestruturarem as suas economias, de forma a complementar, em vez de decalcar, as oportunidades da economia chinesa. Até porque, se é verdade que a China cresceu muito rapidamente nos últimos anos, a sua margem de progressão é ainda imensa. Afinal, o PIB é apenas um quarto do do Japão e um décimo do dos EUA, e o comércio do país mais populoso do mundo – 20% da população do planeta – representa apenas 5% do comércio global.

 

Informação Complementar

Mil pérolas num delta

A sul da província de Guangdong, muito distante da formal Pequim, desperta a mais florescente região económica de toda a Ásia. O Delta do Rio das Pérolas estende-se por uma área superior a 43 mil quilómetros quadrados, onde vivem quase 50 milhões de pessoas. Têxteis, relógios, computadores, televisores, de tudo um pouco que se possa imaginar, a paisagem económica espelha uma frenética rede de investimentos onde quase nenhum sector de mão-de-obra intensiva ficou esquecido.

O Delta responde por um décimo do PIB chinês e ostenta um rendimento per capita superior ao da cidade de Xangai ou ao da capital. É deste triângulo entre Hong Kong, Macau e Guangzhou que nasce mais de um terço das exportações do país. O estuário do rio das Pérolas é o local de eleição para milhares de empresas estrangeiras que globalizam em busca de uma oportunidade dupla: produzir para o mundo e ao mesmo tempo estabelecer uma plataforma de assalto para um mercado com mais de mil milhões de consumidores e ávido de novos produtos. Não espanta que um em cada quatro dólares de Investimento Directo Estrangeiro com destino à China mergulhe no Delta do Rio das Pérolas, no fundo, uma dinâmica que encontra apenas paralelo no que Manchester representou para a Grã-Bretanha no dealbar da Revolução Industrial.

As origens desta explosão económica remontam ao final dos anos setenta. Numa lufada de modernização e sob o lema “um país, dois sistemas”, Deng Xiao Ping gizou o início da abertura da economia chinesa ao mundo: as áreas adjacentes a Hong Kong e Macau – Shenzen e Zhuhai – tornam-se Zonas Económicas Especiais, com liberdade para a iniciativa privada, um ambicioso programa de infra-estruturas e uma série de condições fiscais para atrair o investimento internacional.     

Do Delta de então restam hoje poucas semelhanças: Hong Kong era ainda uma colónia inglesa e a Ásia um invejável tigre industrial; Guangdong uma pobre província agrícola, intencionalmente ignorada por Pequim até 1978 por estar demasiado próxima das influências da cultura capitalista; Shenzen não mais que uma vila esquecida de 20 mil pescadores – agora tem mais de quatro milhões de habitantes – e cidades como Dongguan, com uma população sensivelmente igual à de Lisboa, nem sequer existiam. Muita da rápida transformação de toda a zona do estuário do rio das Pérolas ficou a dever-se a Hong Kong e ao aproveitar de uma palavra chave: sinergias.

Em busca de custos mais baixos, dezenas de milhares de empresas deslocalizaram a sua produção para o interior do Delta. Aos altos preços da mão-de-obra e espaço da pequena ilha, respondia o interior com milhões de trabalhadores oriundos das províncias mais atrasadas da China – a quem não importa que se paguem salários miseráveis a troco de um sonho – e as condições certas para um imparável tecido industrial, a trabalhar 24 horas por dia, sem qualquer concessão a direitos sociais. Quanto ao lado mais nobre da produção – toda a gestão, design, financiamento e controlo de qualidade – permanecia em Hong Kong, que assim podia concentrar recursos no sector dos serviços e na vantagem de ser o principal centro financeiro dos tigres asiáticos. Uma estratégia rapidamente copiada por milhares de empresas espalhadas pelo mundo, desejosas de entrar no mercado chinês.

O Delta foi a primeira experiência de mercado e de reforma económica do regime comunista, e transformou uma região esquecida num invejável centro integrado de produção, onde capital, mão-de-obra barata e livre iniciativa se misturam de forma explosiva. Uma gigantesca rede de aeroportos, portos, auto-estradas e ferrovias tem transformado e unido o Delta do Rio das Pérolas nesse objectivo supremo: mais e mais investimento, mais e mais produção, mais e mais exportações. Frenético, só por si um tigre, e dos mais ferozes.

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* Pedro Pinto

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG. Docente na UAL. Jornalista da TVI.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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