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Onde estou: | Janus 2004 > Índice de artigos > Conjuntura internacional e nova Europa > Da Convenção Europeia à União de 25 membros > [De quinze para vinte e cinco: lenta, incompleta resposta (I)] | |||
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Se é vasto, actualmente, o consenso sobre a importância fulcral do alargamento da UE, a verdade é que alcançá-lo foi quase tão complicado e difícil como lenta e penosa foi a concretização, ainda incompleta, da Europa alargada. Comparado com o alargamento dos anos 80, aquele que, apesar de mais acentuadamente mediterrânico, com ele tem maiores semelhanças, tanto pelas assimetrias económicas e sociais como pelo “regresso à Europa” por parte dos novos membros – Portugal, Espanha e Grécia – dela apartados por períodos mais ou menos longos de ditadura e relativo fechamento, este demorou, na realidade, bastante mais tempo. A lentidão da União em corresponder ao forte “desejo de Europa” que manifestaram desde a primeira hora suscitou, aliás, críticas e reacções de algum desânimo por parte dos países candidatos do Centro e Leste europeu, que chegaram a fazer temer pela expressividade com que, chegado o momento, diriam “sim” à Europa pelo voto popular. Três razões essenciais explicam esta longa demora: por um lado, a amplitude avassaladora das reformas políticas, económicas, e sociais empreendidas pelos países candidatos da Europa Central e Oriental, cuja dimensão ultrapassa largamente qualquer experiência anterior e que nunca poderiam ser feitas num ápice; por outro lado, o ritmo de evolução da UE não abrandou, implicando maiores esforços de adaptação em cours de route por parte dos futuros parceiros. Finalmente, a magnitude do alargamento fez com que a própria UE tivesse que encetar um vasto processo de reforma estrutural e institucional, ainda não concluído, de maneira a consolidar a integração entretanto alcançada e garantir que a Europa, alargada, não se transformaria numa Europa internamente diluída e externamente atenuada. Genérica e geograficamente, os futuros Estados membros podem considerar-se em três grupos – se bem que a experiência da União demonstre que tais categorizações e agrupamentos não têm carácter exclusivo ou permanente, pois nem sempre os interesses e prioridades coincidem no tempo e no espaço – formados pelos países da Europa Central, pelos mediterrânicos e pelos bálticos.
Até à última fronteira? O alargamento a Malta e a Chipre é considerado por alguns como o último possível a sul, e por outros como o prelúdio da conclusão do grande alargamento mediterrânico que só virá a consumar-se com a adesão da Turquia, já formalmente aceite como candidato, embora ainda sem horizonte definido para principiar as negociações. A adesão destes dois países quase passa despercebida perante a dimensão histórica de reunificação da Europa – o fim definitivo da «outra Europa» –, que o alargamento de 2004 quase realiza, com a maior excepção balcânica. Malta e Chipre, democracias consolidadas e economias de mercado em pleno funcionamento, não se enquadram senão marginalmente nesta vaga reunificadora. O seu processo de adaptação à União foi muito mais simples, sendo certo, no entanto, que suscitou outro tipo de questões. Chipre fez o pedido de adesão à União em 1990, tendo todo o processo sido marcado pela divisão da ilha. Antiga colónia britânica, Chipre tornou-se independente em 1960. Passados três anos, os conflitos entre as comunidades grega (80% da população) e turca levaram à presença de uma força da capacetes azuis na ilha, que ainda hoje se mantém e é aliás uma das mais duradouras missões de paz da ONU. A situação interna deteriorou-se ainda mais em 1974 quando, na sequência de uma tentativa de golpe de Estado, forças turcas invadiram a parte norte da ilha, impondo uma divisão que perdura até hoje. Na verdade, foram muitas as hesitações da União em aceitar no seu seio um conflito por resolver que reflecte directamente o relacionamento entre a Grécia e a Turquia, e por sua vez o influencia fortemente. Se não fazia sentido dar a um país exterior à União poder de veto sobre a entrada de Chipre e prejudicar assim a parte grega da ilha, única internacionalmente reconhecida (a chamada República Turca do Norte de Chipre apenas é reconhecida pela Turquia), aceitar a adesão antes da reunificação do país significava importar para dentro da União um diferendo de considerável potencial desestabilizador. Durante muito tempo persistiu também a ideia de que Chipre alinharia sempre incondicionalmente com a Grécia – o grande defensor da adesão cipriota –, criando-se assim um verdadeiro par helénico dentro da União. Finalmente, o processo acabou por ser desbloqueado e as negociações com Chipre começaram em 1998. Chipre cumpria os critérios de Copenhaga: tinha uma economia de mercado capaz de suportar o impacto da adesão e instituições políticas ajustadas às exigências da União. Desse ponto de vista, foi uma negociação tranquila. A grande questão manteve-se, porém, durante todo o processo e para além dele: como lidar com a divisão da ilha e qual o papel que a União pode desempenhar para lhe pôr termo? Será que a adesão, que na prática só se refere à parte grega da ilha, vai solidificar ainda mais a separação, tornando-a praticamente irreversível ou, pelo contrário, vai gerar uma dinâmica de paz que possibilite o fortalecimento dos canais de diálogo entre as duas partes, contribuindo para que, a mais ou menos breve prazo, também os cipriotas turcos venham a ser de facto cidadãos da UE? Se é cedo, porventura, para avançar com antevisões, sejam elas optimistas ou pessimistas, é possível afirmar que o potencial e a capacidade que a União tem demonstrado para ajudar a prevenir, resolver e superar conflitos, quer entre os actuais Estados membros, quer entre os países da Europa Central e Oriental, pode contribuir para a reunificação de Chipre, sobretudo tendo presente que a resolução do conflito cipriota depende muito da dinâmica de relacionamento entre a Grécia e a Turquia. A comunidade cipriota turca compartilha com a Turquia o mesmo objectivo de adesão à UE. Os esforços que este país está a desenvolver no sentido da democratização – aquilo a que, no jargão comunitário, se chama dar cumprimento aos critérios de Copenhaga –, pode facilitar grandemente a resolução do conflito cipriota. Também deste ponto de vista, foi de enorme importância a concessão à Turquia do estatuto de candidato, dando-lhe perspectivas muito mais reais de adesão futura e afastando – se bem que ainda não por completo – a ideia que durante muitos anos vigorou de que seria eternamente deixada à porta, não pelas insuficiências do seu sistema político, mas pelo facto de ser um país muçulmano. A UE não tem sido um interveniente directo nas negociações entre cipriotas gregos e turcos, mediadas pelas Nações Unidas. Impossível que foi a adesão de toda a ilha – a solução preferida pela União –, Bruxelas continua a apoiar os esforços de Kofi Annan para a reunificação de Chipre através da realização de referendos separados por parte das comunidades grega e turca, de que chegou a haver esperanças fundadas no início de 2003. A adesão de Malta, embora não sem percalços, é a menos problemática. A pequena ilha – será o menor Estado membro – apresentou o seu pedido de adesão em 1990, mas a candidatura foi “congelada” em 1996 – caso inédito na história da União – na sequência da vitória eleitoral do Partido Trabalhista, adversário feroz da adesão. A candidatura maltesa foi reapresentada em 1998, quando o Partido Nacionalista voltou ao poder. O episódio do “congelamento” fez recear, porém, que a opção europeia não fosse consensual em Malta, como o não é entre os dois principais partidos políticos entre os quais se decide a alternância governativa. A adesão não podia ficar refém da alternância no governo dos dois principais partidos, sem um consenso nacional que a sustentasse. O referendo sobre a adesão, que decorreu em Março de 2003, não só foi amplamente participado por 91% dos eleitores como revelou, embora por margem não excessiva (53,6% dos votantes disseram “sim” à Europa), que estava assegurado um grau de consenso indispensável a uma integração bem sucedida. A adesão de Malta e Chipre não tem o peso simbólico e histórico comparável à adesão dos países bálticos e da Europa Central. Pequenos países, ilhas mediterrânicas, que poderão acrescentar à UE? Primeiro, dar razão e corpo ao preceito, consignado no Tratado da União, que estipula que todos os países europeus que se regem pelos mesmos princípios da liberdade e da democracia, que observam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e onde impera o Estado de direito, têm tanto direito como os outros a pertencer, desde que aceitem as regras que nela vigoram, à UE. Segundo, ilustram o princípio ideal de que não há Estados grandes e pequenos quando se trata de recompor dentro da UE a geografia do continente europeu. Este aspecto assume alguma importância pelo facto de este alargamento ter sido – aliás excessivamente – marcado pela questão do “tamanho” dos Estados e o seu reflexo no equilíbrio institucional no seio da União (tanto no que toca aos que entram, como aos que ficam de fora: o receio da Turquia vem também da dimensão populacional, que a colocaria decididamente entre os “grandes”, logo a seguir à Alemanha). À excepção da Polónia, os dez novos aderentes são todos médios e pequenos países. Malta e Chipre, juntamente com o Luxemburgo, serão agora os três países com menor população – menos de um milhão. Há anos que a União procura uma reforma institucional que tenha em conta a disparidade populacional dos seus membros, preservando simultaneamente o princípio da igualdade entre os Estados. Esta preocupação, que dominou em Nice, em que se chegou a um compromisso difícil, marcou também fortemente a Convenção Europeia, mandatada para aproximar a Europa dos cidadãos, que propôs uma fórmula diferente, e arrisca--se a assumir de novo peso desmesurado na conferência intergovernamental de Roma que se avizinha, sobretudo pelo apego de alguns países “médios”, Espanha e Polónia, designadamente, aos arranjos transitórios acordados em Nice. Seria inaceitável, porém, reduzir a considerações de “tamanho” o alargamento mediterrânico da UE. Numa União que geograficamente se continentaliza e se estende para leste e para norte, Malta e Chipre recordam a importância da dimensão meditarrânica e da componente meridional da União. Participantes na Parceria Euro-mediterrânica, irão procurar contribuir, mudados agora para o “outro lado da mesa”, para que a União se empenhe mais activamente no Mediterrâneo e para o fomento das relações entre as duas margens. A sua adesão traduz, assim, o reforço da dimensão mediterrânica da integração europeia, contribuindo para um equilíbrio entre o Norte e o Sul dentro da União e, idealmente, entre a União e os seus vizinhos e parceiros. Mesmo que tenham uma capacidade limitada para influenciar decisivamente a agenda da política externa europeia, estarão ao lado dos que defendem uma política mais activa da UE para o Mediterrâneo.
Informação Complementar 2003 – A PESD em acção EUPM – 2003-2005 – Bósnia-Herzegovina Missão policial na Bósnia, herdada das Nações Unidas e com idêntico objectivo de consolidação do Estado de direito, no particular aspecto do fomento das “boas práticas” em matéria de policiamento, inclui actividades de orientação, fiscalização e inspecção da polícia local. Decidida em Março de 2002, iniciou-se a 1 de Janeiro de 2003 para durar três anos. Reúne um efectivo próximo dos 500 homens, provenientes dos Quinze e de mais dezoito países. O orçamento anual é de 38 milhões de euros, 20 dos quais do orçamento comunitário. A missão de estreia da PESD não foi pois militar, mas policial, e corresponde politicamente ao objectivo geral da estabilização dos Balcãs. A necessidade de completar o contingente militar, em missões de pacificação ou reconstrução nacional, com um efectivo de polícia civil de 5 mil homens, fora precocemente identificada pela União, e a sua constituição decidida no Conselho da Feira, em Junho de 2000.
CONCÓRDIA – Abril-Dezembro 2003 – Macedónia Missão militar na Macedónia, herdeira da Allied Harmony da NATO, destinada a fazer observar o acordo de Ohrid, de Agosto de 2001, em que o governo macedónio e os rebeldes puseram termo às hostilidades, concordando os rebeldes em depor as armas e o governo em conceder maior representação institucional à minoria albanesa, de cerca de um quarto dos dois milhões de macedónios. Foi aclamada como o nascimento da PESD, com os votos de que pudesse ser “a primeira da UE e a última na Macedónia”. A operação, comandada por um general alemão, reúne uma força de cerca de 350 homens, provenientes de treze países membros e catorze não membros da UE, sob o comando de um oficial francês e, durante o período de prorrogação a partir de 1 de Outubro, de um oficial português. Tem por finalidade tornar supérflua a presença de uma força internacional na Macedónia, e politicamente obedece, tal como a EUPM, ao objectivo europeu de estabilização política e de segurança nos Balcãs. Apesar da reduzida dimensão, curta duração e relativa simplicidade da missão, que faz, basicamente com os mesmos intervenientes, o que fazia quando se chamava “harmonia” e não «concórdia», a mudança de bandeira exigiu, uma vez que se “faz uso dos meios da NATO”, o bom sucesso das complicadas negociações UE-NATO. Com estes arranjos considerados permanentes e denominados “Berlim Plus”, que consumiram, aliás, uma parte substancial do tempo e do esforço das estruturas da PESD, fica estabelecido o essencial dos mecanismos de colaboração, inclusive operacional, entre as duas organizações. Os episódios de ressurgimento da violência ocorridos em Setembro de 2003 levarão talvez a considerar nova prorrogação da operação Concórdia, inicialmente de seis meses, para além de 15 de Dezembro de 2003, ou a um robustecimento da EUPOL, a missão de polícia já programada para lhe suceder imediatamente.
ARTEMIS – Junho-Julho 2003 – Bunia, Ituri, RD Congo Operação militar “relâmpago” liderada e substancialmente constituída por tropas francesas, destinada a estabilizar o perímetro de Bunia, expulsar os guerrilheiros e estancar os massacres de civis. Realizada a pedido das Nações Unidas, é precursora da missão da ONU iniciada em 1 de Setembro, que envolve um contingente mais numeroso (3.800 homens) e tem um mandato e um perímetro de actuação mais lato. A operação Artemis, autorizada a usar a força apenas para responder a fogo inimigo por imposição essencialmente alemã, foi considerada um sucesso e possibilitou de facto o regresso a Bunia de muitas centenas de pessoas fugidas aos ataques dos guerrilheiros. Foi louvada, igualmente, a rapidez com que a União respondeu ao pedido da ONU de que constituísse uma força de intervenção de emergência. A chegada dos primeiros soldados para garantir a segurança do aeroporto de Bunia, a 6 de Junho, coincidiu praticamente com a decisão formal de realizar a operação, tomada na véspera por uma «acção comum» aprovada pelo Conselho. Esta operação, que envolveu cerca de 1.800 soldados, exemplifica o tipo de colaboração UE-ONU que pode vir a desenvolver-se no futuro, se não na prevenção de conflitos, ao menos em minorar as suas consequências sobre a população indefesa. É importante também por demonstrar a resposta pronta por parte da PESD, ainda que para isso fosse necessária uma operação essencialmente nacional, neste caso francesa, de curta duração, e que não exigia sequer, a não ser no plano da solidariedade, outros contributos militares. O figurino das missões da PESD por delegação num grupo, eventualmente singular, de países, como previsto no pré-texto constitucional, tem aqui a sua primeira concretização avant la lettre, num cenário provável de futuro envolvimento europeu: a África, e em particular os Grandes Lagos.* Maria João Seabra Licenciada em Sociologia pelo ISCTE. Investigadora no Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais – IEEI.
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