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Onde estou: | Janus 2004 > Índice de artigos > Conjuntura internacional e nova Europa > Da Convenção Europeia à União de 25 membros > [De quinze para vinte e cinco: lenta, incompleta resposta (II)] | |||
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Em Novembro de 1989, a queda do Muro de Berlim apanhou a então Comunidade Europeia de surpresa. A “aceleração da História», como lhe chamou Jacques Delors, apelava a respostas céleres, e do processo de integração europeia esperava-se que estivesse à altura do momento. Os países recém-saídos da tutela da União Soviética – a “outra Europa” – rapidamente se viraram para a Europa de sucesso, de desenvolvimento económico, de estabilidade, paz e democracia. Como sucedera com Portugal e a Espanha, as democracias que despontavam (e as economias que se desplanificavam) esperavam da Europa o apoio necessário à consolidação democrática e às fundas e amplas reformas políticas e económicas. Do lado europeu, porém, as respostas foram sendo ponderadas e as decisões concretas sucederam-se a um vagaroso ritmo, imposto primordialmente pela necessidade de manter o equilíbrio interno primeiro entre os Doze, depois entre os Quinze. Em 1993, o Conselho Europeu de Copenhaga deu um passo decisivo para o actual processo de alargamento, declarando que os países associados da Europa Central e Oriental que o desejassem poderiam tornar-se membros da UE. Os candidatos devem obedecer a critérios políticos e económicos e assumir as obrigações comuns a todos os Estados membros da União. Em 1994, o Conselho Europeu de Essen lançou uma estratégia de pré-adesão, destinada a abrir o caminho para o futuro alargamento. No Luxemburgo, em finais de 1997, tinha início o processo global de adesão. Se estava claramente estipulado que cada país seria avaliado pelos seus méritos próprios, não estando à partida automaticamente incluído nem excluído, a verdade é que os países da Europa Central – Polónia, Hungria e (ainda) Checoslováquia – desde logo formaram uma espécie de “pelotão da frente” na corrida para a adesão. Não se tratava de entrar antes dos outros países, mas de não ficarem de fora do primeiro grupo que aderisse. Em relação à Polónia, sendo certo que seria um dos processos negociais mais complicados, sobretudo devido à difícil situação económica e ao vasto sector agrícola, era politicamente insustentável que não estivesse no primeiro grupo. Tal opção seria considerada como um abandono – mais um – de um dos países que mais sofreu com as “guerras civis europeias” do século XX. Na mesma situação, praticamente, estavam a Checoslováquia e a Hungria. Com a divisão pacífica daquele país, no entanto, a situação alterou-se. Se para o então primeiro-ministro da República Checa, Vaclav Klaus, actual presidente, a separação era o “bilhete de entrada” na União, já a Eslováquia teve que passar por um difícil período de adaptação. Para Praga, tratava-se de se ver livre de duas questões que poderiam prejudicar a sua candidatura: por um lado, ficava sem toda a indústria pesada, altamente poluente, que se localizava na Eslováquia; por outro, deixava de ter a ver também com os problemas bilaterais entre a Hungria e a Eslováquia, provocados, entre outras coisas, pelo tratamento dado à minoria húngara. A actuação do líder nacionalista eslovaco, Vladimir Meciar, e o fraco desempenho do país em termos do cumprimento dos critérios políticos definidos em Copenhaga foram os obstáculos que Bratislava teve que superar para garantir a adesão. Ao mesmo tempo, e apesar da situação política interna, não era viável para a União aceitar a República Checa e recusar a entrada simultânea da Eslováquia. No quadro da desintegração pouco pacífica de países que a Europa viveu na década de 90, o exemplo checo-eslovaco era tanto mais relevante quanto excepcional, e não seria certamente saudável para o relacionamento entre os dois países que um entrasse e o outro ficasse de fora. A candidatura da Hungria levantou outro tipo de questões, relacionadas sobretudo com uma tentação nacionalista ligada à protecção das minorias húngaras espalhadas por outros países, especialmente a Eslováquia e a Roménia. O discurso político húngaro teve de ser gradualmente moderado, por forma a garantir que a sua adesão não significasse uma maior hostilidade em relação a esses dois países. Cabe salientar aqui como especialmente relevante uma das primeiras acções comuns da política externa europeia: o chamado Pacto de Estabilidade. Este pacto, de iniciativa francesa, serviu de enquadramento e os apoios nele previstos de esteio a inúmeros acordos bilaterais celebrados entre países do antigo bloco de Leste, destinados a regular principalmente questões fronteiriças e garantir que a questão potencialmente fracturante das minorias tivesse um tratamento adequado. Com esta acção comum, a União ajudou a resolver diferendos existentes e, sobretudo, a evitar que conflitos de interesses prejudicassem o relacionamento entre candidatos à adesão. Favorecendo a estabilidade em detrimento da insegurança, não só deu maiores garantias aos países que queriam aderir como evitou que conflitos potenciais entrassem directamente para o seio da União. A presença da Eslovénia entre os dez primeiros aderentes tem um significado particular, especialmente tendo em conta a terrível e prolongada tragédia que ocorreu no território da ex-Jugoslávia, cujas feridas estão hoje ainda longe de ter sarado. Foi precisamente na Eslovénia que deflagrou o primeiro conflito da ex-Jugoslávia, quando as tropas federais tentaram impedir a independência do país, no Verão de 1991. O confronto militar foi felizmente curto, e a Eslovénia conseguiu, sozinha, não só garantir a independência como manter-se afastada, se não mesmo imune, às sucessivas guerras balcânicas, e a adicional proeza de se desligar dos Balcãs e “centralizar-se”, alterando a percepção da sua própria geografia: de país balcânico para país da Europa Central.
A Europa, quase Que Europa sairá deste «encontro com a história», finda a divisão estanque que perdurou durante meio século? Será, certamente, uma outra UE. Não se trata somente de espalhar pelos outros pontos cardeais as vantagens e benefícios que trouxera ao Ocidente – ao ampliar-se e integrar novos países, novos interesses se acrescentam, novas prioridades, novas percepções, que não deixam inalterado o interesse comum europeu, nem dentro nem fora do seu próprio espaço continental. Trata-se, no fundo, de estender a toda a Europa um sistema de relações internacionais pacíficas, de ter sempre presente que a integração europeia tem na sua origem a vontade de criar uma estrutura política que possibilite a resolução pacífica de conflitos entre Estados e deslegitime o uso da violência, criando uma comunidade de segurança. À medida que se aproxima a data da adesão plena, o simbolismo e a dimensão histórica do alargamento perderam-se. Passado o impacto inicial do fim da Guerra Fria e a euforia da unificação europeia, chegou o receio: por um lado, o receio da Alemanha, entretanto unificada – na prática, outro alargamento na União – que se temia que reforçasse ainda mais o seu poder dentro da União pela adesão de países que supostamente fariam parte da sua esfera de influência. Finalmente, chegou-se à fase actual, maçadora, afastada de qualquer interesse público – o alargamento entrou nos corredores das negociações e da burocracia, das discussões de fundos, de política agrícola e regional, do peso dos Estados no conselho, do número de comissários e de membros do Parlamento Europeu. Por mais importante que todas essas questões sejam – e são, pois é com estas regras que se processa o dia-a-dia da União –, tanto para os novos membros como para os actuais, também é fundamental não perder de vista o imenso significado simbólico do alargamento, a consagração plena do poder de atracção da UE e de como esse poder permite resolver diferendos e pôr vinte e cinco Estados a trabalhar em conjunto – juntamente com os restantes países, quer sejam já formalmente candidatos ou não. Marcado pelo compromisso e pela hesitação em dar o passo adiante que o sucesso da moeda única encoraja, as expectativas criadas pelo “desejo de Europa” que os cidadãos (e não só europeus) exigem e o actual panorama internacional certamente recomenda, o tratado constitucional, talvez de novo de Roma, ficará ainda aquém de corresponder completamente à convulsão histórica que tornou realizável a velhíssima ideia da Europa unida, coesa e solidária.
Informação Complementar O Elo Báltico Em 1 de Maio de 2004, quando dez novos Estados membros entrarem para a família europeia como membros de pleno direito, a União Europeia terá dado um dos maiores passos na história da integração europeia. O desafio de garantir a prosperidade e estabilidade do continente europeu estará mais próximo do que nunca. As contrapartidas deste processo são mútuas: para os actuais Estados membros, o aumento da diversidade cultural e a existência de um mercado interno de 500 milhões de pessoas constitui uma oportunidade única de desenvolvimento para o século XXI. No que concerne às aspirações dos futuros Estados membros, a liberdade, o respeito pelos direitos fundamentais e boas perspectivas de crescimento económico serão garantidas. Do ponto de vista geoestratégico, o alargamento a Leste evita o florescimento de uma zona de instabilidade entre a União Europeia e a Federação Russa, propiciando assim a ambicionada estabilidade europeia na região. É perante um cenário de oportunidades recíprocas que podemos analisar o papel do elo báltico (Estónia, Letónia e Lituânia) numa União alargada. Desde que alcançaram a independência, em 1991, a Estónia, a Letónia e a Lituânia orientaram a sua política externa no sentido da adesão à União Europeia e à NATO. O reforço das estruturas políticas, económicas e comerciais permitiu que estas repúblicas bálticas desenvolvessem uma série de redes de cooperação – instituições políticas, organizações da sociedade civil, empresas comerciais – com outros países do mar Báltico, com a Rússia, com os países nórdicos, Polónia e Alemanha. Esta dinâmica constituiu um verdadeiro impulso para o desenvolvimento das sociedades dos três Estados. A sua situação geográfica privilegiada permitir-lhes-á dar ímpeto às relações entre a União e os seus novos vizinhos: a Bielorrússia, a Moldávia, a Ucrânia e a Rússia. Para além de garantir uma maior prosperidade e estabilidade nas novas zonas fronteiriças da União Europeia, esta aproximação permitirá o reforço do processo democrático desses países. É claro que, inerente à proximidade transfronteiriça, surge um acréscimo de responsabilidade para estes países, nomeadamente em termos do reforço das suas estruturas de controlo nas fronteiras. As autoridades governamentais dos países bálticos entendem que, para além das potencialidades únicas de expansão do mercado europeu que representa a sua integração, os seus países podem usar da sua capacidade de interlocutores políticos e económicos no intuito de aprofundar o relacionamento com a Rússia e com os outros vizinhos, como a Ucrânia. Esta aproximação vai de encontro aos esforços de cooperação UE-Rússia, sobretudo numa tentativa comum de análise e resolução de problemas como o lixo nuclear, a poluição ambiental na região do mar Báltico e o crime organizado. Encontrada a solução para a questão do trânsito no enclave de Kaliningrado, torna-se para a União mais fácil estreitar os seus laços com a Rússia. Aliás, o desenvolvimento da iniciativa “Novos Vizinhos” (1) revela um claro empenho da UE em criar um grupo de parceiros em seu redor e é sobretudo neste domínio que a Estónia, a Letónia e a Lituânia são vistos como estrategicamente essenciais. Para a região báltica, a integração destes três países no seio da UE significa um reforço no seu crescimento e desenvolvimento. Estónia, Letónia e Lituânia reafirmam que num futuro próximo serão o motor de desenvolvimento da região, o que é confirmado pelos animadores resultados das suas taxas de crescimento. Depois de terem sido atingidos pela crise russa em 1998, estes países relançaram as suas economias e os dados do primeiro trimestre de 2003 revelam um elevado crescimento. A Lituânia registou um crescimento de 9,1% no PIB, a Letónia revelou uma expansão de 8,8% e a Estónia cresceu 5%. Tal evolução permite-nos citar Vítor Martins (2): “É no centro e Leste da Europa que se situa a mais importante “reserva” de crescimento económico da UE”. Cabe por isso à União Europeia a obrigação de desenvolver todo este potencial. No contexto global, os países bálticos apresentam-se à União como um bloco conciso, com instituições democráticas estáveis, em que o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades são garantidos. De notar que ainda subsistem problemas na melindrosa questão das minorias étnicas desses países. A Estónia conta com várias minorias: russos (25,6%), ucranianos (2,1%), bielorrussos (1.2), finlandeses (0,9%). Na Letónia, a minoria russa representa 32% da população, 4% são bielorrusos, 3% ucranianos, 2% polacos e 1,1% lituanos. Em ambos os países a minoria russa revela dificuldades em integrar-se na sociedade, uma vez que o critério estabelecido para a obtenção da nacionalidade impõe o domínio da língua oficial do país. Para contornar este problema, que desde o início do processo de adesão prendeu a atenção da União, foram desenvolvidas políticas de integração e facilitado o acesso à obtenção da naturalização. Tal facto revela uma forte vontade política de resolução do problema dos “não cidadãos” nas sociedades em análise. Na Lituânia, as minorias não assumem uma grande expressão (6,7% polacos e 6,3% russos) e a sua situação sempre foi avaliada como “satisfatória”. No aspecto económico, o elo báltico apresenta economias de mercado funcionais e dinâmicas, capazes de enfrentar as pressões da concorrência e as forças de mercado no momento da adesão. Em matéria de segurança e defesa, e depois de terem sido convidados, na Cimeira da NATO realizada em Praga, (3) a integrarem a referida organização em Maio de 2004, os Estados bálticos revelam-se empenhados em assumir a sua quota de responsabilidade no desenvolvimento da Política Europeia de Segurança e Defesa. A visão deste bloco sobre o futuro da Europa é também unificada. Defende a manutenção da União como uma entidade de Estados nação; uma União baseada nos princípios da igualdade entre “velhos” e “novos” membros e entre “grandes” e “pequenos” países; uma União mais transparente, capaz de manter e reforçar o método comunitário e preservar o balanço institucional; uma Comissão Europeia independente e forte com um comissário por cada Estado membro; uma presidência que assegure a igualdade entre os Estados membros; o reforço do papel do Parlamento Europeu é também defendido, tal como um maior envolvimento dos parlamentos nacionais nos assuntos europeus. A inclusão da Carta dos Direitos Fundamentais no futuro tratado é prontamente apoiada pelos países candidatos, uma vez que permite lembrar aos seus cidadãos que a UE não é só dinheiro e economia, mas também valores e direitos humanos. Sabendo que, de início, a contribuição nacional será modesta, os futuros Estados membros acreditam que em poucos anos, e tendo como referência o seu crescimento económico, irão reforçar não só a estrutura da UE, mas também a estrutura de outras organizações internacionais, como as Nações Unidas. Reiteram que o seu envolvimento na causa europeia será um reforço na segurança, na política e na economia da União. A partilha de valores como a democracia, o respeito pelo Estado de direito, a promoção dos direitos humanos, a diversidade cultural, a economia de mercado, a solidariedade e a segurança são um suporte para que a União alcance o tão almejado peso na cena internacional. Talvez assim a União alargada concretize o velho sonho comum: o de uma Europa próspera e verdadeiramente unida. (Mónica Santos)
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