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Onde estou: Janus 2004 > Índice de artigos > Conjuntura internacional e nova Europa > Da Convenção Europeia à União de 25 membros > [Política externa, política de defesa: diferenças e esperanças]  
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Política externa, política de defesa: diferenças e esperanças

Maria do Rosário de Moraes Vaz *

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Para além da criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu, com funções superiores de representação externa da União Europeia, partilhadas com o Presidente da Comissão, surge também o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros da União, eleito igualmente pelos chefes de Estado e de Governo. Considerando-se que a política externa abrange a política de segurança e de defesa, conclui-se que sem a concertação desta política ao nível dos Estados membros, a UE nunca poderá ter uma projecção internacional equiparável à que detém noutros domínios.

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Desde já se pode constatar que a Europa permanecerá uma união política imperfeita. Não porque o pendor intergovernamental se tenha acentuado, como realmente aconteceu, mas porque lhe falta notoriamente a capacidade de agir em colectivo como regra e não como excepção que daria lastro ao protagonismo que tem já na ordem mundial.

Limadas pois algumas asperezas por virtude da diplomacia paralela que precederá e acompanhará a CIG, é provável que o tratado constitucional não seja excessivamente diferente, sobretudo nas matérias que aqui nos ocupam, do texto pré-negociado na Convenção sobre o Futuro da Europa.

 

Principais novidades no campo da acção externa

A primeira grande diferença, que tanta relutância suscita entre os “pequenos”, é a fixação a tempo inteiro, por dois anos e meio extensíveis até cinco, por escolha do Conselho Europeu e a partir do final de 2009, do Presidente do Conselho Europeu numa personalidade que não acumula cargos nacionais e assume funções superiores de representação externa da União em matéria de política externa, que na área comunitária compartilha com o Presidente da Comissão. O verdadeiro rosto da política externa, de segurança e defesa europeia será no entanto o do ministro dos Negócios Estrangeiros da União, também ele escolhido directamente pelos chefes de Estado e de governo, que preside ao Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros, que é aliás a única formação sectorial especificamente consagrada no texto constitucional.

O MNE europeu é simultaneamente membro e obrigatoriamente vice-presidente da Comissão Europeia, onde chefia o pelouro das Relações Externas, actualmente a cargo de Chris Patten, e participa também nas reuniões do Conselho Europeu. Responsável pela condução e participante activo na formulação da política externa, de segurança e defesa europeia, cabe-lhe igualmente velar pela geral harmonia da acção externa da União e representar a UE em conferências ou organismos internacionais. A criação deste cargo é de capital importância, tanto para o robustecimento da política externa e de defesa como para a acção externa da UE. É evidente que, quanto a dar vulto às funções do MNE europeu e protagonismo internacional à União, muito dependerá da personalidade que for escolhida e do modo como aglutinar (ou não) a parte intergovernamental, impondo inclusivamente uma disciplina e uma solidariedade europeia aos seus pares, e a parte comunitária da acção externa da UE. Se são de esperar maiores cautelas, por exigência do Reino Unido, na delimitação das suas funções, os mais europeístas não desesperam de que constitua um elemento de contaminação comunitária da política externa e de segurança. Não descuram porém a possibilidade contrária, e alertam que as pontes de passagem estabelecidas entre Comissão e Conselho podem favorecer contágios nos dois sentidos.

Por mais interveniente e disciplinador que seja, o MNE europeu não compensará porém a manutenção, como regra geral e por pouco exclusiva, da unanimidade – paradoxalmente menos geradora de consensos que a decisão tomada por maioria, qualificada ou não, que exige a procura de convergências mais fundas; o uso do veto, como é sabido, serve os mais fortes mas isola e marginaliza os mais fracos. Este é um factor de paralisia da política europeia que a Convenção não pôde contornar, e parecem pouco fundadas as esperanças que a Comissão ainda mantém que a CIG venha a reverter. A consequência, óbvia, é que a política externa continuará a ser mais um instrumento de neutralização de posições divergentes dos Estados membros e de preservação da própria União, que impede, em vez de favorecer, a acção comum quando esta transcenda – e ainda assim – o campo meramente declaratório.

Quem pode esquecer que nos tempos mais sangrentos das guerras balcânicas se afirmava sem ponta de cinismo que o grande resultado da política externa tinha sido permitir que a União, nascente, lhes sobrevivesse? Espantoso exemplo recente de neutralização é a reunião extraordinária do Conselho Europeu sobre o Iraque, em que as acrobacias na redacção do documento final permitem que este albergue uma divergência tão abissal e tão patente aos olhos do mundo como fazer ou não fazer a guerra ao Iraque com ou sem o consentimento que o Conselho de Segurança finalmente recusou aos Estados Unidos. A política externa assim feita para dentro leva, obviamente, à irrelevância europeia e à menorização do estatuto da UE na cena mundial, para não falar do desânimo que provoca entre os cidadãos europeus e da desilusão que cria além fronteiras, entre os que ainda não desesperaram de uma Europa reconhecivelmente actuante.

Também a “cláusula de solidariedade”, uma espécie de artigo 5º da protecção civil perante calamidades naturais ou provocadas e ataques terroristas, cuja aplicação é cometida à actual PESD, fica aquém do necessário. A exclusão propositada de um ataque armado, no sentido clássico, só se explica, quer no plano da segurança quer num plano moral, pela sua improbabilidade. A razão por que não figura é, porém, do ponto de vista dos países alinhados, a preocupação de não desvalorizar a NATO nem hostilizar os Estados Unidos, e, do ponto de vista dos neutros, tornar o menos territorial e obrigatória e o mais abnegada e facultativa possível a defesa europeia.

A cláusula de “defesa mútua”, assim expressa, é reservada aos países participantes numa “cooperação mais estreita”, que tem a característica importante de ser aberta a todo o tempo e vigorar até ao momento em que se realize a ambição expressa de fazer progressivamente chegar a política de defesa comum da União à defesa comum. Fica assim reservada à intimidade dos signatários do Tratado do Atlântico Norte, como deixa entender a menção feita à escrupulosa colaboração com a Nato no caso improvável de se materializar, a obrigação de acudir a um outro membro da União que faça parte do grupo e seja vítima de um ataque armado no seu território.

Muitos propuseram a seu tempo o levantamento da interdição ao capítulo da defesa da fórmula das cooperações ditas reforçadas, permitidas pela primeira vez, dentro do quadro da UE, pelo provavelmente efémero Tratado de Nice, que vigora desde Fevereiro de 2003. Esta fórmula, bem como, aliás, a inovação adoptada em Amesterdão, que permitia a votação por maioria qualificada na PESC na passagem à prática de certas medidas que fizessem parte de uma “estratégia comum”, nunca foram porém aplicadas.

Sorte diversa terá talvez a figura da “cooperação estruturada”, como passa a designar-se a cooperação reforçada exclusivamente em matéria de política de segurança e defesa europeia. Os seus defensores viam nela uma maneira de criar na defesa um núcleo duro dos mais dispostos a avançar, mas avisaram que tais coligações não seriam apenas baseadas na vontade mas certamente também na capacidade, tanto mais que lhe era já associada a noção, aliás justa, de uma espécie de “critérios de convergência”.

A fórmula consagrada no texto constitucional, a ser mantida tal qual, põe claramente a tónica nas capacidades militares dos países da cooperação estruturada, a ser fixadas, tal como os “compromissos mais vinculativos” que terão que contrair entre si e cuja natureza não é explicitada, num protocolo a apensar ao tratado. Configura-se pois, embora dentro do quadro mais largo da UE, uma vanguarda no duplo sentido da potência militar e da força de compromissos mútuos. Para que outros países avancem para a vanguarda, terão que ser aceites pelos que já lá estão. Mais que uma coligação de vontades, forma-se assim uma coligação de capacidades, o que resultará num aumento geral da eficácia mas não necessariamente num aumento da solidariedade, a não ser no seio da vanguarda.

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Onde começa e acaba a segurança

É consensual entre os analistas que os progressos em matéria de segurança e defesa superam os que foram introduzidos em matéria de política externa. Em bom rigor, isto não é verdade. A política de segurança e defesa faz parte da política externa da União, não porque isso esteja escrito na letra da Constituição, como está, mas porque se inscreve na realidade das coisas: os interesses e os riscos de segurança assim o ditam.

A defesa europeia surgiu por duas razões: porque a Europa percebeu que, sem ela, não tinha uma política internacional digna desse nome, e porque os europeus perceberam que, sem uma defesa a que se pudesse ir chamando progressivamente europeia, a soma do poder militar dos seus Estados era demasiado débil, apesar de numericamente expressiva, para escorar com credibilidade posições tomadas na cena internacional e mesmo europeia. O transvase entre defesa e política externa é pois uma evidência.

A dicotomia forçada entre política externa e de segurança e política de segurança e defesa europeia aproxima no entanto a Europa das preocupações dos cidadãos, fazendo da segurança o traço de união que a atenua. Tanto por virtude de um certo egoísmo que os leva a considerar como cimeiras as preocupações com a sua própria segurança (no sentido lato do termo, que recobre evidentemente matérias estritas de segurança interna), como de um manifesto altruísmo que os leva a crer que as tarefas da defesa europeia são as de garantir a protecção e a segurança dos outros, no cenário das missões post-soberanas configurado pelas chamadas “missões de Petersberg”, que apenas deixam taxativamente de fora a clássica defesa territorial.

Os europeus, como as mais diferentes sondagens sublinham, querem uma UE forte, solidária e interveniente, com política externa e política de segurança e defesa própria, e mais vincadamente esta última. Vão muito mais além, aliás, que os governantes que elegem, e não se assustam com a ideia de um exército europeu, nunca explicitada mas também não proscrita na Constituição, que aliás convoca, sem outra reticência que não a temporal e a da soberana vontade do Conselho, uma defesa europeia também no sentido tradicional.

A sombra do Iraque, e da aventura de fortuna e legalidade incerta a que vários países europeus, na fase da guerra e depois na fase mais mortífera da ocupação, cometeram forças militares de algum significado, nos termos e com os meios negociados bilateralmente com os Estados Unidos, fora de qualquer instância da segurança europeia, paira fortemente sobre a defesa europeia.

De modo mais geral e preocupante, faz duvidar da possibilidade de dar consistência aos três pilares da política externa: solidariedade política, interesse geral e convergência na acção dos países da União. Isto a menos que a parte comum da política externa e de defesa europeia evite as questões relevantes da segurança internacional, que são, basicamente, aquelas que os Estados Unidos definem como parte da sua agenda extraterritorialmente defensiva, e se remeta às questões ditas menores, de que a América se desinteressa, para se concentrar, além do que sobra da esfera comunitária, na «política de boa vizinhança», nas crises africanas e no que resta da estabilização balcânica.

As três missões conduzidas até hoje sob a égide da PESD, sumariamente descritas noutro passo, indicam aliás cenários que exigem empenhamentos bem mais modestos que as ambições iniciais indicavam como prováveis e correspondiam ao desejo de dotar a União da capacidade para participar autonomamente em missões da envergadura da operação da Nato na Bósnia-Herzegovina do início dos anos ‘90 – que continuamos a preparar-nos, pelo menos por mais um ano, para herdar definitivamente na sua versão já bem mais reduzida, que não deverá exceder uns dez mil homens. Quando a Europa estiver pronta, talvez a operação já nem seja necessária. Esse seria aliás o cenário ideal. Ainda que improvável, ter-se-ia devido em larga medida ao forte empenhamento europeu, por vias diversas, no cenário dos Balcãs. Os membros da UE formulam, supõe-se que conjuntamente, a intenção de melhorar as suas capacidades militares. Esta menção é por si mesma extraordinária num texto constitucional, que assim consagra uma espécie de defeito congénito. Exprime, é verdade, uma realidade geral insofismável que no entanto se faz sentir de modo muito diferente entre os países membros. Se contribuir, como a indicação da criação futura da Agência Europeia de Armamentos (entretanto já decidida em Salónica) deixa entender, para identificar lacunas, planificar, programar e gerir aquisições em conjunto, e no sentido expresso de reforçar a capacidade de segurança e defesa europeia, será, no entanto, um passo no bom sentido.

Perto de um milhar de reuniões ao ano se fazem para promover a coordenação intereuropeia nas Nações Unidas. Mais houvesse, e isso não bastaria para assegurar que a UE se comporta nas Nações Unidas, e menos no Conselho de Segurança, como um colectivo nas grandes questões da segurança internacional. Como foi notado com pertinência, nem os adversários acérrimos no Conselho de Segurança da intervenção militar para derrubar Saddam Hussein (França, Alemanha), nem os seus defensores mais aguerridos (Reino Unido, Espanha), fizeram um esforço sério para “europeizar”, mesmo que acessoriamente, as suas posições.

É justamente este o risco a que o texto constitucional, que o mesmo é dizer o consenso actual entre os governantes, não atalhou seriamente: de que o que é considerado pelos Estados fundamental fique no campo nacional, e o que é secundário fique no campo europeu, assim convertido num extra optativo.

É mimético das preocupações americanas o conceito estratégico europeu endossado em Salónica.

Se as inseguranças, quer do ponto de vista dos Estados quer dos cidadãos, são essencialmente as mesmas de um e outro lado do Atlântico, as visões respectivas para as confrontar, tanto no modo como no espaço e no tempo, não são de facto coincidentes. Preencher as lacunas em matéria de capacidade militar é necessário mas não basta para saber se a política e a defesa europeia será autónoma ou subsidiária da americana, nem mesmo para saber que parte dela será verdadeiramente comum. Com o novo tratado constitucional, a política externa, de segurança e defesa parece dar um passo possível mas não certo no caminho de uma mais marcada e útil actuação da Europa na cena mundial.

As esperanças, em suma, são ainda maiores que as diferenças.

 

Informação Complementar

UE e ONU

Somados os contributos nacionais, os quinze asseguram a maior fatia do orçamento da ONU, e 40% dos fundos que sustentam as missões de paz. A Comissão pretende, na esfera que lhe compete, melhorar a coordenação entre os países europeus nas matérias soft da acção externa da União, como a ajuda humanitária e a ajuda ao desenvolvimento, e aumentar a representação única da UE na ONU, inclusive para melhorar a cooperação em matéria de gestão de crises que se tem fortalecido entre as duas organizações.

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* Maria do Rosário de Moraes Vaz

Investigadora. Coordenadora do Programa de Defesa e Segurança no Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais – IEEI.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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