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Estudantes do espaço lusófono nas universidades portuguesas

Inês Costa Pessoa *

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No ano lectivo de 2001/2002 encontravam-se matriculados em estabelecimentos de ensino superior portugueses, 9.406 estudantes nacionais de países da CPLP. Os estudantes angolanos são os mais representados neste conjunto, sendo de destacar a progressiva importância do ensino superior privado ou cooperativo na atracção de estudantes nacionais dos países referidos. Destacam-se igualmente dois grupos: os que realizaram uma parte ou a totalidade da formação secundária em Portugal e os que se deslocam a Portugal propositadamente para realizarem a sua formação universitária.

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Encontravam-se matriculados nos estabelecimentos de ensino superior portugueses, no ano lectivo de 2001/2002, 9.406 estudantes nacionais da CPLP, mais 1.407 do que em 2000/2001.

Do conjunto de nacionalidades representadas, é a presença angolana que mais se destaca, à semelhança do que se verificara no ano anterior. A expressão numérica dos estudantes por nacionalidade não reflecte, em termos relativos ou proporcionais, a dimensão das respectivas comunidades de imigrantes instaladas em Portugal, hipótese por nós inicialmente postulada. De acordo com a base de dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), os cabo-verdianos são o grupo étnico de maior dimensão, deixando bastante para trás os brasileiros, os angolanos, os guineenses, são-tomenses, moçambicanos e timorenses (ver tabela correspondente).

A este propósito, destaque-se que o vasto colectivo de nacionais da CPLP inscritos nas universidades portuguesas ou em outros estabelecimentos de ensino superior é composto basicamente por uma dupla de agregados distintos: por um lado, o daqueles que, tendo nascido fora de Portugal, deslocaram-se para o país com os seus familiares no decurso da infância ou adolescência, ingressando no meio universitário depois de completarem a formação secundária, realizada (total ou parcialmente) na sociedade de acolhimento – alguns têm inclusive, dupla nacionalidade –; por outro, um segundo núcleo formado por indivíduos cuja vinda para Portugal se prende essencialmente com o desejo de obter formação de nível superior, complementar, ou especializado.

Este grupo, por seu turno, também se desagrega em dois, contemplando os jovens que vêm ao abrigo da modalidade “reagrupamento familiar”, reunindo-se com os parentes já instalados; e os que, não dispondo de família em Portugal, solicitam, junto das embaixadas e consulados, vistos de estudo ou mesmo de turista, ficando a sua estadia bastante mais condicionada temporalmente. Ao contrário dos restantes, os membros deste último subgrupo não figuram, em termos estatísticos, entre a população estrangeira residente no país, ou seja, não são titulares de autorização de residência permanente e integram o que podemos designar por mobilidade isolada. Dos principais factores de “atracção” que motivaram os estudantes “isolados” da CPLP a procurar as universidades ou institutos portugueses, constam a partilha de uma língua comum, os laços históricos entre o espaço hospedeiro e o seu meio de origem, em alguns casos as redes de conhecimento existentes em Portugal, os Acordos de Cooperação na área da cultura e educação estabelecidos entre os Estados emissor e receptor, e a obtenção de bolsas de estudo, entre outros.

 

Ensino Público “versus” privado e a macrocefalia universitária

Quanto ao tipo de ensino frequentado, apesar de o superior público (universitário e politécnico) reunir o maior número de nacionais da CPLP, não podemos deixar de realçar o importante lugar que o ensino particular e cooperativo ocupa em termos de acolhimento destes estudantes (ver tabela intitulada “Estudantes da CPLP por tipo de ensino”).

Com efeito, o crescente interesse e disponibilidade das universidades privadas em alargar e multiplicar as vias de cooperação com organismos de países da área CPLP, ao qual se adiciona o vasto conjunto de facilidades proporcionadas aos estudantes daí provenientes, nomeadamente aos mais carenciados (em termos de inscrições, pagamento de propinas cuja redução pode atingir ou ultrapassar os 50% de desconto, realização de exames em épocas especiais, etc.), revela, na generalidade dos casos, uma importante estratégia de compensação encontrada por estas instituições perante a reconhecida diminuição da procura do ensino privado a favor do público.

Curiosa é ainda a distribuição dos homens e mulheres pelos diferentes tipos e graus de ensino, registando-se não só uma maior representação destas face àqueles nos estabelecimentos particulares e cooperativos; a forte componente masculina do ensino militar e policial universitário; bem como a presença mais notória das mulheres em cursos de especialização, complemento de formação e qualificação para exercício de outras funções educativas (ver tabelas correspondentes).

Relativamente à distribuição geográfica dos estudantes da CPLP por universidades públicas, constatámos que, sem margem para competição, a área da grande Lisboa afirma-se como o pólo de atracção privilegiado, ocupando Coimbra o segundo lugar e Porto o terceiro. Como bem mostra a tabela intitulada “Total de Estudantes da CPLP por Universidades” os estabelecimentos do ensino superior público do Centro e Norte litoral do país predominam face aos do interior sul e das ilhas, tendência que reflecte, tal como ocorre para outros domínios, a feição macrocéfala da procura (e oferta) universitária em geral, bem como dos estudantes da CPLP em particular.

 

A inserção no país de acolhimento

A estadia em Portugal despertou sentimentos díspares nestes estudantes: para uns representou um sonho realizado, convertendo-se o país numa “segunda pátria”, para outros um sonho defraudado, tal é a distância entre a realidade encontrada e a antes idealizada.

Muitos são aqueles que obtiveram uma bolsa de estudos atribuída quer por organismos públicos e privados portugueses ou sedeados em Portugal (como o ICP/ APAD, as Fundações para a Ciência e Tecnologia, Gulbenkian e Cidade de Lisboa, embaixadas, empresas (1), etc.); quer pelo Governo (2), as câmaras municipais ou entidades dos países de onde provêm. Porém, o facto de esses subsídios cobrirem, na maior parte dos casos, somente as propinas, obriga alguns indivíduos a procurar trabalho a tempo parcial ou sazonal, sobretudo nas férias (no ramo comercial, hoteleiro, restauração, etc.), de modo a assegurar o seu sustento. Vem-se observando, ainda, a dilatação do contingente de estudantes da CPLP que decide instalar-se em Portugal por conta própria, para isso dispondo dos seus próprios meios de subsistência, geralmente rendimentos enviados mensalmente pelos progenitores.

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No domínio das sociabilidades, a preferência vai para os membros da comunidade de pertença matriculados no mesmo ou em outros organismos universitários, ou seja, quase sempre estudantes com idêntico grau académico. Por conseguinte, se a comunhão étnica é valorizada no estabelecimento de amizades, a partilha dos mesmos níveis de capital escolar, cultural, entre outros, não o é menos. Neste contexto, é importante sublinhar que muito embora as diferentes comunidades do espaço lusófono presentes em Portugal sejam, no domínio estatístico (e não só), muitas vezes retratadas como universos internamente indiferenciados, isto é, constituídos por indivíduos com perfis socioeconómicos e culturais idênticos, tais imagens, desfasadas, estão longe de traduzir uma realidade pautada pela diversidade, facto já constatado por autores como A. Saint-Maurice e F. L. Machado.

Não por acaso, alguns dos nacionais da área CPLP que decidiram residir em Portugal para frequentar o ensino superior ou complementar, procuram deliberada ou inconscientemente demarcar-se do ambiente comunitário de referência, isto é, dos conterrâneos trazidos para o país pelas vagas da chamada “imigração clássica”, numa tentativa de escapar aos preconceitos, à discriminação ou ao estigma que consideram atingi-los. Mesmo com eles mantendo laços de parentesco, bem como relações individuais de afectividade e solidariedade, nem sempre participam nas festas e celebrações culturais, ou seja, nas práticas comunitárias.

Com frequência, a mesma ideia de homogeneidade recai igual e erradamente, aos olhos de muitos portugueses, sobre uma suposta comunidade africana uniforme e indistinta, destituída de particularismos culturais, cujos membros se assemelhariam e relacionariam. Olhos que, a despeito do precário nível de desenvolvimento de muitos países africanos, somente vêem uma África em guerra, conflituosa, subdesenvolvida, quase tribal, imune à transnacionalização do capital, à globalização, ao intercâmbio com o exterior.

Ainda que existam denominadores comuns entre jovens africanos nacionais de diferentes países inscritos nas universidades ou institutos portugueses, em termos de condições de vida, aspirações, até mesmo de espaços de lazer partilhados (é o caso das discotecas como o Luanda, Mussulo, Convento e o Armazém F, este também frequentado por brasileiros), não é sobre os vectores de identificação que os representantes dos diferentes grupos étnicos nos falam, mas sobretudo de diferenciação, como é, por exemplo, o modo de estar dos membros de cada agregado: os angolanos “abertos, extrovertidos e abusados”, os moçambicanos “tímidos, discretos e introvertidos”, os cabo-verdianos, “orgulhosos e gregários” – de todos os grupos africanos são os únicos que possuem um dialecto próprio, o que sobressai como enorme barreira à interacção com os indivíduos das demais comunidades (3). Relatos sobre crispações ou mesmo sentimentos de animosidade interétnica foram-nos igualmente assinalados, contrastando com a referência a um entendimento aprazível, por vezes de alguma proximidade, com os colegas portugueses.

No atinente aos jovens destituídos de “bolsas de apoio” aquando da sua chegada a Portugal, deverá fazer-se uma breve referência ao papel das associações de estudantes que representam cada grupo étnico e cujo papel de defesa dos seus direitos e interesses, bem como de auxílio à integração no meio de acolhimento é fundamental, senão mesmo vital para muitos, em especial na fase de primeira instalação.

É destes dinâmicos “portos de abrigo” ou “casulos protectores” que os estudantes obtêm a mediação com as embaixadas, recebem importantes orientações sobre residências, espaços de lazer e outras questões básicas (certas associações têm, inclusive, acordos com algumas linhas aéreas que concedem descontos nas passagens de avião para os países de partida), sendo também no interior deles que muitos tecem as primeiras amizades com os conterrâneos. Enquanto são assolados pela estranheza da sociedade receptora é em torno das associações de estudantes que organizam os seus quotidianos.

Depois de terminado o curso coloca-se a questão de permanecer em Portugal ou voltar aos países de referência (ou ainda, como sublinhámos em outras ocasiões, optar por novo destino).

O complexo panorama económico-laboral que Portugal atravessa desde há uns tempos tem constituído, para alguns dos recém-licenciados da área CPLP, um factor estimulante ao regresso à terra natal, sendo este sucessivamente adiado para os que optam pelo prolongamento dos estudos ou pela aquisição de experiência profissional no meio receptor e sempre ponderado em função da conjuntura político-económica de ambas as sociedades, de acolhimento e de partida – no caso particular de Angola, a normalização da situação política e militar do território com a concomitante chegada da paz, em paralelo com a sempre necessária presença de quadros superiores especializados (também extensível aos restantes países africanos do espaço CPLP) figuram como elementos extremamente estimulantes ao regresso.

Porém, se a vinda para Portugal e respectiva inserção permaneciam um risco e uma incógnita, a reinstalação nos países de onde saíram implica algumas certezas: a garantia de um bom emprego e o desejo profundo de contribuir para o seu desenvolvimento social, cultural e económico.

__________
1 - No caso dos estudantes angolanos foram destacadas empresas privadas como a Fina-Elf e a Sonangol, o Ministério dos Petróleos de Angola, Governos distritais (como o de Cabinda), o INAB (Instituto Nacional de Bolsas de Estudo de Angola), a FESA (Fundação Eduardo dos Santos), entre outras, o Exército Angolano e a Polícia Nacional.
2 - De acordo com a Embaixada de Cabo Verde em Portugal, o Governo de Cabo Verde atribuiu no ano de 2002 cerca de 604 bolsas de estudo (licenciatura e pós-licenciatura).
3 - Exemplo dessa propensa segmentação são as chamadas “Toucatinas”, designação atribuída aos encontros entre estudantes universitários cabo-verdianos que se reúnem em casa de um dos membros do grupo para se divertirem e onde a música é a base de convívio.
Nota: Parte da informação que figura neste artigo resultou do cruzamento dos dados estatísticos fornecidos pela Direcção Geraldo Ensino Superior, com entrevistas realizadas aos presidentes das Associações de Estudantes de alguns dos grupos étnicos representados, relatos relevantes tendo em conta a condição destes agentes enquanto testemunhas privilegiadas sobre a presença e vivência dos seus conterrâneos em Portugal.

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* Inês Costa Pessoa

Licenciada em Sociologia pela UAL. Investigadora do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Docente na UAL.

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Dados adicionais
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