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Moçambique: olhar para o futuro]

 
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Portugal–Moçambique: olhar para o futuro

Sérgio Nunes *

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Apesar de serem nações que partilharam um passado recente, Portugal e Moçambique têm vido a encontrar algumas dificuldades de relacionamento decorrentes do processo de descolonização. Não obstante essas dificuldades, ambas as nações entendem que podem aproveitar as vantagens duma troca de relações mais intensa e profunda. Faz-se assim um preâmbulo histórico desse relacionamento, uma breve caracterização da situação económica e financeira de Moçambique e o ponto de situação das relações bilaterais, com destaque para o comércio, o investimento e a dívida externa.

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Actualmente, Moçambique é membro da Organização Mundial de Comércio (OMC), do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED). A nível regional, é membro da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), do Mercado Comum de África Oriental e Austral (COMESA) e do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).

O processo de independência de Moçambique iniciado em 1974 foi, de todas as ex-colónias, aquele que decorreu de forma relativamente pacífica. Durante cerca de um ano, o governo português apoiou activa e logisticamente, na fase transitória, a implantação do novo governo monopartidário da Frelimo em Moçambique. Apesar disso, após a Independência, a 25 de Julho de 1975, o relacionamento entre os dois países tem sido marcado por algumas dificuldades e desencontros pontuais.

No período que se seguiu à Independência, a Frelimo optou por uma estratégia anti-Ocidente, identificando-o com um conjunto de problemas que eram a raiz do estado em que se encontrava a nação moçambicana: racismo, colonialismo, pobreza (desemprego, miséria urbana, baixos salários). Procurou então aproximar-se a um conjunto de regimes nacionalistas muçulmanos, muitos deles na órbita da ex-União Soviética.

Muitas foram as acções levadas a cabo pelo governo moçambicano que ajudaram a fomentar o distanciamento com Portugal. No ensino, o novo sistema baseava-se na doutrina marxista-leninista, veículo privilegiado de acicatar ódios contra Portugal e o Ocidente, identificando-os com a exploração humana e o capitalismo.

Em Fevereiro de 1976, o sector empresarial e o sistema de propriedade e a banca (esta em Janeiro de 1978) foram nacionalizados, contrariando o que havia sido estabelecido nos acordos de Lusaca entre Portugal e a Frelimo. No sector da Justiça também foram cometidos alguns atropelos, onde se salienta o facto de em 1977 existirem cerca de 200 portugueses presos sem qualquer julgamento, vindo alguns deles a serem posteriormente executados.

Durante o funeral de Agostinho Neto, em 1979, o Presidente da República português, Ramalho Eanes, fala informalmente com Samora Machel. No início de 1981, o número dois da Frelimo, Joaquim Chissano, visita oficialmente Portugal. Começam aqui a vislumbrar-se alguns indícios de uma lenta aproximação entre as duas nações. Enquanto isto, Moçambique afundava-se numa guerra civil que só teria fim em 1992 (250 mil mortos e 4 milhões de refugiados), com o acordo de paz alcançado em Roma.

Apesar de se pensar que este poderia ser o momento para um entendimento mais profícuo entre ambos, a ideia de que Portugal é o causador de todas as dificuldades do passado e do presente, está ainda bastante enraizada junto da população e das classes dirigentes. Isto mesmo se pode interpretar, do ponto de vista institucional, aquando da adesão de Moçambique à Commonwealth, oito meses antes da sua adesão à CPLP (1996), numa clara preferência pelos países de língua inglesa.

Também não é por acaso que no Programa Indicativo de Cooperação Portugal-Moçambique 1999/2001 se refere que o referido programa pretende “dar um novo impulso às relações de cooperação com Moçambique”. Este é um documento que se reveste de grande importância uma vez que de forma institucionalizada se procura conferir alguma racionalidade à cooperação entre os dois países, utilizando para isso critérios de programação e organização das acções a desenvolver no futuro.

 

Situação económica e financeira de Moçambique

Apesar das cheias que se abateram sobre Moçambique nos dois primeiros meses de 2000 e que destruíram parte significativa do que foi conseguido nos últimos sete anos, o desempenho da economia moçambicana tem-se mostrado, nos anos mais recentes, como um dos mais dinâmicos da África Subsariana. A situação de partida de Moçambique era extremamente frágil: em 1995, segundo o relatório das Nações Unidas para o desenvolvimento, Moçambique era o país mais pobre de todos os PALOP e num conjunto de 174 países aparece colocado na 167.ª posição, no ranking que avalia o desenvolvimento das condições sociais (educação, higiene e saúde).

Após um fraco crescimento económico em 2000, 2001 caracterizou-se pela retoma de níveis elevados da actividade económica, conforme se pode verificar no gráfico que mostra a evolução do PIB real entre 1991 e 2003. Imediatamente no ano posterior às cheias, a economia moçambicana conseguiu recuperar vigorosamente, muito tendo contribuído para este comportamento a recuperação de alguma produção agrícola, da actividade de (re) construção, o investimento directo estrangeiro (de 1997 a 2001 o IDE em Moçambique tem crescido a uma taxa média anual de 87%) e, principalmente, o início da laboração efectiva da fundição de alumínio Mozal (megaprojecto cujo impacto sobre o PIB de 2001 se estima em cerca de 30%), dando um forte contributo à indústria transformadora. O impacto deste projecto fez-se também sentir ao nível das contas externas, traduzindo-se pela melhoria dos saldos comercial e corrente. A forte subida de exportações de alumínio fez baixar substancialmente o défice comercial do país, conforme se pode observar pela tabela intitulada “Comércio Externo de Moçambique”.

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As principais dificuldades têm-se registado na esfera monetária, com problemas de controlo da massa monetária. A taxa de crescimento da massa monetária tem-se mantido na ordem dos 40%, conduzindo à desvalorização do metical face ao dólar norte-americano. Como consequência o valor das importações tem vindo a crescer, não porque se importe mais, mas pela alteração do preço desses produtos. A subida destes preços tem consequências directas e concomitantes nos preços internos, tendo como resultado altas taxas de inflação, a qual chegou a atingir valores próximos dos 22% em 2001 (estima-se um valor próximo dos 16% para 2002).

O governo moçambicano pretende estabilizar a inflação em cerca de 8% nos períodos seguintes e para tal as principais medidas passam pela contenção da massa salarial da administração pública e os gastos em bens e serviços e procurando limitar o aumento da massa monetária, referenciando-o praticamente às necessidades de crédito por parte do sector privado.

 

Relações bilaterais

Em termos de comércio, as relações são favoráveis a Portugal, tendo o coeficiente de cobertura registado um valor superior a 140% em 2002. A evolução da balança comercial portuguesa com Moçambique está descrita na tabela intitulada “Comércio de Portugal com Moçambique”.

Os valores apresentados devem, contudo, ser relativizados em função da distribuição geográfica do comércio. Só assim se pode aferir com maior validade da importância relativa que cada país representa como parceiro comercial. Observando os dois gráficos sobre a distribuição geográfica do comércio moçambicano (Exportações e Importações) conclui-se que o grosso do comércio moçambicano se faz com a África do Sul. Em termos das importações moçambicanas, não se pode deixar de realçar a posição que Portugal tem vindo a assumir, ocupando o lugar imediatamente a seguir ao seu parceiro privilegiado, ao contrário da França, da Itália e do Reino Unido que têm vindo a perder dinamismo enquanto fornecedores de Moçambique. Face ao passado entre ambas as nações, não pode deixar de se considerar positiva a posição de Portugal nesta matéria.

No que respeita ao Investimento Directo Estrangeiro (IDE), Portugal ocupa uma posição de destaque no mercado moçambicano, embora se venha a verificar, desde 2001, uma forte quebra nos valores registados, ainda que mais acentuados nos que se referem ao IDE de Moçambique em Portugal. Muito do investimento que sai de Moçambique está certamente a redireccionar-se para Angola e Brasil, dois destinos privilegiados por parte dos portugueses, principalmente agora que parecem terminadas as hostilidades em solo angolano, fomentando a confiança necessária aos investimentos dos diversos agentes económicos.

Para além da posição cimeira ocupada em termos de IDE, importa salientar o número de postos de trabalho criados e o número de projectos desenvolvidos por Portugal. Este é um aspecto que não deve ser entendido apenas segundo critérios de mera racionalidade económica. Este facto permite uma troca cultural e de experiências a todos os níveis desejada e a possibilidade de uma maior aceitação e convivência entre ambos os povos após um período conturbado, decorrente dos traumas e das sensibilidades após um processo de descolonização.

Outro aspecto importante é o da dívida de Moçambique a Portugal. A dívida oficial de Moçambique a Portugal era, em 21-12-2001, de 239 milhões de USD (19,4% da dívida dos PALOP). O valor da dívida tem vindo a decrescer (em 2001 cerca de 2,1% do seu valor no final do ano anterior) e resulta do pagamento de cerca de um terço da sua dívida de médio e longo prazo garantida pelo Estado.

A dívida deste país foi reestruturada seis vezes desde 1987, a última das quais em 1996 no âmbito do Clube de Paris. Foi então celebrado um acordo de reescalonamento com prazo de consolidação até Junho de 1999. Em Junho de 1999, Moçambique foi declarado beneficiário de assistência excepcional no âmbito da “Iniciativa da Dívida para os Países Pobres Altamente Endividados” (HIPC), do FMI e do BM.

Neste sentido está para breve a assinatura de um acordo entre os dois países, para a redução do montante da dívida bilateral. A dívida directa que Moçambique ainda tem com Portugal exclui a dívida da Hidroeléctrica de Cahora Bassa que, no final de 1998, orçava em 2 mil milhões de dólares. Num mundo de economias cada vez mais globalizadas e de sociedades interligadas faz pouco sentido que nações que já detêm algum capital relacional não o aprofundem e dele retirem vantagens que se podem espalhar a todos os sectores económicos e sociais.

Por um lado, Moçambique necessita de activos materiais e humanos como forma de desenvolver e consolidar o seu frágil sistema produtivo. Face aos investimentos realizados, observa-se uma forte correlação positiva entre o investimento directo em projectos estruturantes e o crescimento das indústrias fornecedoras locais com efeitos multiplicadores para a restante matriz socioeconómica. Moçambique pode também, e deve, aproveitar mais-valias que só Portugal detém (em domínios como a língua, a geografia, a agricultura, as pescas, a geologia, a antropologia) e que podem proporcionar ganhos de tempo na resolução de problemas inadiáveis do seu desenvolvimento, nomeadamente na saúde, educação e construção de infra-estruturas.

Por outro lado, Portugal deve ver Moçambique como um mercado emergente para os seus investimentos, não só em matéria de turismo e serviços mas também de instalação de algumas indústrias transformadoras. Moçambique é um mercado privilegiado de acesso aos cerca de 200 milhões de habitantes da região do SADC. Para além deste aspecto, Portugal deve ver Moçambique como parte integrante de uma aposta estratégica no âmbito de uma política integrada de cooperação (CPLP), tirando partido, à escala de três continentes, da transversalidade de interesses dos seus membros. Não há forma mais nobre de enterrar o passado do que empenhar-se na construção de um futuro.

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* Sérgio Nunes

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Economia e Gestão do Território pelo ISEG. Docente no Instituto Politécnico de Tomar.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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