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Evolução histórica do Direito Internacional Em primeiro lugar, trata-se de uma evolução marcada por uma constância: a da necessidade/possibilidade de um ordenamento jurídico para o sistema interestatal. A fragmentação da paisagem político-jurídica em Estados-nação, simbolicamente originada nos Tratados de Vestefália de 1648, determinou a emergência de um corpo de regras de relacionamento entre os Estados centrado em torno de uma preocupação estratégica: a preservação das soberanias. O Direito Internacional nasce, portanto, vocacionado para ser garantia, acima de tudo, da horizontalidade e da descentralização da sociedade de Estados-nação europeus iniciada em Vestefália. Neste contexto, a garantia das soberanias territoriais, a regulação (por mínima que fosse) da paz e da guerra e da distribuição de competências entre os diferentes Estados constituíram o núcleo de preocupações centrais que deram razão de ser ao Direito Internacional. O Direito Internacional tradicional, produzido e pensado por/para um tal sistema de relações sociais, apresentava quatro traços característicos fundamentais. Em primeiro lugar, a sua interestatalidade. O Direito Internacional tradicional apresentou uma vocação marcadamente minimalista, oferecendo-se como destinado a garantir a coexistência entre Estados que procuravam sobretudo ignorar-se reciprocamente. Quer do ponto de vista de formas e fontes (primazia absoluta dos tratados bilaterais), quer do ponto de vista dos conteúdos das decisões estruturantes deste corpo de regras (de tribunais arbitrais ou mesmo judiciais), o Direito Internacional nascente aparece indissociavelmente ligado a uma lógica competencialista defensiva. Em segundo lugar, a territorialidade. O Direito Internacional tradicional seguiu uma lógica segmentada de regulação, orientada pelo princípio estruturante do respeito pelas fronteiras e pela integridade territorial de cada Estado, tendo como consequência o primado da jurisdição territorial de cada Estado em matéria, quer de elaboração das leis quer de administração da justiça. Em terceiro lugar, o bilateralismo. A reciprocidade foi a filosofia estruturadora de todo o Direito Internacional tradicional. Isso evidencia-se, desde logo, na sua elaboração, como se comprova pelo papel determinante atribuído ao consentimento dos Estados, quer expresso (nas convenções internacionais) quer tácito (na formação de normas de costume internacional). Finalmente, uma quarta marca: o relativismo. A qualificação do Direito Internacional como um bric-à-brac, avançada pela literatura de referência, revela essa sua natureza débil. A relevância da vontade de cada Estado na definição de obrigações jurídicas internacionais, a discricionaridade da sua apreciação por cada Estado e, mais que tudo, a alegada neutralidade do Direito Internacional relativamente à orientação valorativa, quer da ordem internacional no seu todo quer da política interna dos Estados, são expressões cabais desta fisionomia relativa do ordenamento jurídico interestatal. Os processos de universalização, socialização e humanização que marcaram a evolução do Direito Internacional ao longo da segunda metade do século XX, transformaram esse tradicional ordenamento competencialista num Direito Internacional “de regulamentação”, que penetra no reduto soberano dos Estados, limitando-o, em vista da satisfação de interesses comuns da comunidade internacional no seu conjunto. São várias as grelhas de análise propostas pelos autores para captar esta mudança. Refiro duas: a do argelino Mohamed Bedjaoui, para quem o Direito Internacional oligárquico, dos Estados e de coordenação, terá dado lugar a um Direito da comunidade internacional, para os seres humanos e de finalidades; e a de Bruno Simma, segundo o qual a grande novidade imposta no Direito Internacional pela inovadora centralidade da protecção internacional dos direitos humanos, da protecção transnacional do ambiente e do combate por uma solução justa dos desequilíbrios Norte-Sul, é a superação do velho direito bilateral-minded, minimalista e fundado numa escrupulosa reciprocidade, por um direito community-minded. São fundamentalmente três as evoluções que marcaram esta trajectória do Direito Internacional, de Vestefália para a era da globalização.
Pluralidade de abordagens teóricas Esta diversidade assenta, segundo R. Beck, na resposta a quatro questões: que relação existe/deve existir entre as regras internacionais e a moral?; o que leva os actores internacionais a cumprirem as regras internacionais?; que influência têm os factores de política interna no comportamento face às regras internacionais? E, como são formuladas as normas internacionais? Assim se pode obter, segundo aquele autor, uma matriz construída segundo dois eixos. O primeiro incide sobre o método. Esse eixo tem como referências, de um lado, o empirismo (com o positivismo como sua expressão maior) e, do outro, a teoria crítica. O outro eixo da matriz estrutura-se em função dos objectivos fundamentais perseguidos por cada escola, indo das abordagens explicativas – centradas sobre a análise descritiva dos mecanismos de vinculação internacional dos Estados – às abordagens prescritivas, preocupadas principalmente com a enunciação das regras que obrigam no sistema internacional e com a proposta de novas regras, em função de critérios valorativos como a justiça, a dignidade humana ou a igualdade. Esta cartografia plural das abordagens teóricas do Direito Internacional fornece uma base para a resposta à “pergunta fatal”: mas afinal que influência real têm as normas de Direito Internacional no comportamento efectivo dos Estados e dos demais actores principais do sistema de relações internacionais? A resposta a esta questão há-de ser também ela plural, oscilando entre os pólos extremos do desdém realista por um Direito Internacional visto como puro “epifenómeno” e o juridicismo que olha o mundo sob o prisma exclusivo do cumprimento ou incumprimento de regras. A. C. Arend identifica três grandes abordagens deste problema. A primeira é a do realismo estrutural, em que pontuam autores como K. Waltz, R. Gilpin ou J. Mearsheimer. Nesse pensamento, não há lugar para o reconhecimento de força independente às normas internacionais. Com efeito, o primado absoluto da conquista de poder como forma de acautelar os interesses nacionais num contexto de permanente dilema de segurança conduz os Estados, de acordo com os realistas, a entender as normas internacionais como meros instrumentos de conveniência. Por outras palavras, o realismo estrutural aceita a existência de regimes e normas internacionais mas concebe o seu surgimento apenas quando servem os interesses dos Estados. A segunda abordagem é, para Arend, a do institucionalismo racionalista, cujo nome mais destacado é indiscutivelmente S. Krasner, seguido por toda a escola dos regimes internacionais. Para esta abordagem, o Estado age como um actor racional, em busca da permanente maximização dos seus interesses. Deste ponto de vista, a vinculação a normas internacionais pode ser vantajosa ou conveniente para os Estados, por diversas razões: redução dos custos de transacção entre eles, estabilização das expectativas, promoção da cooperação a longo prazo e criação de condições para a imposição da aplicação das regras, numa base de reciprocidade e não de centralização institucional. Em síntese, para a escola dos regimes internacionais as normas internacionais têm real influência sobre o comportamento dos Estados mas tal influência é determinada, em última análise, pela ponderação racional feita pelos próprios Estados. Finalmente, a proposta construtivista desenvolvida por autores como R. Cox, J. G. Ruggie, F. Kratochwil ou A. Wendt. Ao contrário da proposta realista, para a qual o poder no sistema internacional se afere por indicadores puramente materiais (poder militar, recursos naturais, capacidade económica), o pensamento construtivista sugere que a estrutura do sistema internacional é uma estrutura socialmente construída. O que significa duas coisas: em primeiro lugar, que há elementos não materiais, como as normas e as instituições internacionais, que integram a estrutura do sistema internacional tal como os elementos materiais; em segundo lugar, que os próprios elementos materiais só ganham sentido na estrutura do sistema à medida que os Estados desenvolvam sobre eles expectativas partilhadas através da interacção. Como exemplo, Wendt refere que “500 armas nucleares britânicas são menos ameaçadoras para os Estados Unidos do que 5 armas nucleares da Coreia do Norte, porque os britânicos são amigos dos Estados Unidos e os norte-coreanos não, e a amizade ou inimizade é função de expectativas partilhadas”. Por outro lado, para os construtivistas a identidade e os interesses dos Estados não são dados fixos e muito menos predeterminados. Quer dizer, ambos são criados, pelo menos em parte, pela interacção e podem mudar por força da mesma interacção. Enquanto os teóricos dos regimes internacionais condicionam a criação e desenvolvimento de instituições e regimes à respectiva coincidência com os interesses racionalmente definidos pelos Estados, os construtivistas admitem que a vinculação de um actor internacional a uma norma internacional pode mudar a sua identidade e a representação que faz dos seus interesses. Com base nestes dois pressupostos, a proposta construtivista sublinha que as normas internacionais fazem parte do sistema internacional out there. De duas maneiras. Em primeiro lugar, desempenhando uma função constitutiva do próprio sistema, conformando-o tal como é. As regras jurídicas que cumprem essa função são princípios de primeira ordem [first-order principles] sobre os quais assenta todo o sistema jurídico internacional. Em segundo lugar, as normas internacionais desempenham, na sua esmagadora maioria, uma função reguladora, sobretudo definindo competências e a sua respectiva articulação e atribuindo valor normativo a pretensões e acções dos actores internacionais.* José Manuel Pureza Professor Associado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Coordenador da Licenciatura em Relações Internacionais. Coordenador do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais. Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Abordagens Teóricas das regras internacionais
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