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Onde estou: | Janus 2004 > Índice de artigos > O direito e a justiça em acção > Portugal no ornamento jurídico internacional > [O espaço europeu de liberdade, segurança e justiça] | |||
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A criação de condições de segurança e de liberdade para todos os cidadãos num espaço onde todos mereçam o mesmo tratamento perante as instâncias judiciais, quer estejam ou não no seu Estado de origem, são elementos essenciais para a protecção dos valores basilares da União num espaço de livre circulação: a liberdade, a democracia, o respeito pelos direitos fundamentais e o Estado de Direito.
Definição e objectivos Desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça, tal como está previsto nos Tratados da União Europeia (TUE) e da Comunidade Europeia (TCE), consiste em “assegurar que a liberdade, que inclui o direito de livre circulação em toda a União, possa ser desfrutada em condições de segurança e de justiça acessíveis a todos” (1). Ambiciona-se criar uma União em que as pessoas e os factos jurídicos possam circular com liberdade e segurança. A liberdade de circulação, apesar das vantagens que apresenta, facilita também a mobilidade dos agentes criminosos e dos proventos das suas actividades. A necessidade de desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça tornou-se ainda mais evidente devido aos trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos da América: enfrentamos hoje ameaças que não conhecem fronteiras e que têm de ser combatidas a um nível supranacional. É necessário reconhecer que num espaço de livre circulação há fenómenos transfronteiriços em relação aos quais uma política meramente nacional não é eficaz: são problemas comuns que reclamam uma abordagem comum. O Conselho Europeu de Tampere de 1999 fixou a agenda da União Europeia em matéria de justiça e assuntos internos, apontando as prioridades: uma política comum em matéria de asilo e imigração, a criação de um espaço europeu de justiça, melhorar o acesso à justiça, promover o reconhecimento mútuo das decisões judiciais, a convergência em matéria civil e a luta contra a criminalidade. A criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça envolve assim diversos domínios, previstos quer no Tratado da União Europeia (o chamado “terceiro pilar”), quer no Tratado da Comunidade Europeia (o “primeiro pilar”).
Asilo O direito ao asilo está consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, estando os Estados membros individualmente vinculados à Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951, e ao Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, relativos ao estatuto dos refugiados. O tratamento desta questão nos diferentes Estados membros é bastante diverso, o que se explica, em parte, pelas suas diferenças históricas e culturais. Deve poder assegurar-se a protecção das pessoas que legitimamente procuram protecção na União Europeia, evitando contudo o “asylum shopping” (a situação frequente de os candidatos ao direito de asilo percorrerem diversos países procurando aquele em que a concessão de asilo é mais fácil), bem como a multiplicação de pedidos de asilo em diferentes Estados membros para gozar de regimes transitórios consecutivos. É neste contexto que se revela necessária uma política europeia de asilo, ancorada nos princípios do reconhecimento do direito a requerer asilo e da “não repulsão”, ou seja, o não reenvio do requerente de asilo de volta ao país onde é perseguido. Foi celebrada a Convenção de Dublin, que entrou em vigor em 1997 (2), onde se fixaram critérios de determinação do Estado responsável pela análise e decisão do pedido de asilo. Subsequentemente, com a entrada em vigor do Tratado de Amsterdão, o artigo 63. ° do TCE passou a preconizar a adopção de medidas comuns no âmbito do asilo e da protecção aos refugiados e pessoas deslocadas. Desse modo foi aprovado em 18 de Fevereiro de 2003 um Regulamento que estabelece os critérios de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo, substituindo a supramencionada Convenção (3). Foi também recentemente criado o sistema Eurodac (4), ainda em fase de implementação: uma base de dados de impressões digitais de todos os requerentes de asilo que permite às Administrações de cada Estado membro saber, através da comparação de dados, se certa pessoa submeteu um pedido de asilo noutro Estado membro.
Imigração Gerir eficazmente os fluxos migratórios, encorajar a integração de todos os que procuram a Europa, e cooperar com países de origem e de trânsito – eis, em síntese, a essência de uma política comum de imigração, que não poderá esquecer assuntos tão diversos como vistos ou documentos de viagem. A necessidade de uma política europeia nesta área é fácil de perceber à luz da livre circulação: só assim poderão os Estados membros garantir um controlo efectivo sobre a imigração, assegurar o tratamento condigno dos que procuram uma vida melhor na UE e atacar o tráfico de seres humanos que se aproveita da imigração ilegal. O Tratado de Amesterdão dotou a UE de competência neste domínio, e desde então os Estados membros comprometeram-se a definir uma política comum em matéria de imigração, tendo em vista a construção de um quadro jurídico comum e de métodos de coordenação. Alguns exemplos de instrumentos que têm sido aprovados nesta área: a Directiva 2001/40/CE do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativa ao reconhecimento mútuo de decisões de afastamento de nacionais de países terceiros, que tem por objectivo permitir o reconhecimento de uma decisão de afastamento tomada por um Estado membro (autor) contra um nacional de um país terceiro que se encontre no território de outro Estado membro (onde a decisão será executada); o Regulamento (CE) n.º 539/2001 do Conselho, de 15 de Março de 2001, que fixa a lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas e a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação; ou ainda o Regulamento (CE) n.º 415/2003 do Conselho, de 27 de Fevereiro de 2003, relativo à concessão de vistos na fronteira, incluindo a marítimos em trânsito.
Cooperação policial e combate à criminalidade A criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça implica também o reconhecimento da existência de ameaças que, nos dias de hoje, assumem uma natureza transfronteiriça: o terrorismo, o crime organizado, o branqueamento de capitais, a contrafacção de moeda ou o tráfico de drogas são alguns exemplos. Para impedir que um espaço interno sem fronteiras possa beneficiar os agentes do crime, estão a criar-se, a nível da União, mecanismos que permitam a recolha e troca de informações, bem como a cooperação entre autoridades policiais. São exemplos o Europol (Serviço Europeu de Polícia) e a Academia Europeia de Polícia (5), a possibilidade de criação de equipas de investigação conjunta (6) e o Eurojust (7). O Eurojust é uma unidade composta de procuradores dos Estados membros, cuja missão é apoiar e facilitar a cooperação nas investigações e acções penais que envolvam dois ou mais Estados membros, quanto a crimes e infracções nos domínios da criminalidade informática, fraude e corrupção e de todas as infracções penais que lesem os interesses financeiros da UE, do branqueamento dos produtos do crime e da participação em organizações criminosas.
Cooperação judicial em matérias civil e criminal Podemos afirmar que as diferenças entre sistemas judiciais são das últimas fronteiras internas que subsistem no espaço da União. Para ultrapassar este tipo de obstáculos são aprovados diversos instrumentos na UE que permitem a cooperação judiciária, baseados no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais: os Estados membros, embora reconhecendo e aceitando as diferenças entre os respectivos sistemas judiciais, confiam suficientemente uns nos outros para aceitar, reconhecer e aplicar as respectivas decisões judiciais. A cooperação judiciária e o reconhecimento mútuo das decisões judiciais são fundamentais para o funcionamento da União, e em especial para o bom funcionamento do mercado interno. A confiança e protecção dos cidadãos exige que os conflitos transfronteiriços sejam resolvidos com uma eficácia que se aproxime tendencialmente daquela que existe na resolução de litígios dentro das fronteiras de cada Estado membro. O carácter transnacional das relações jurídicas não pode constituir um impedimento para a administração da justiça. Alguns exemplos de instrumentos jurídicos no âmbito civil são o Regulamento (CE) n.º44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial, o Regulamento (CE) n. °1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial, o Regulamento (CE) n.º1347/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal, e o Regulamento (CE) n.º 1206/2001 do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil e comercial. No domínio penal, actualmente abrangido pelo chamado “terceiro pilar” (Título VI do TUE), importa frisar o mandado de detenção europeu, que irá substituir, a partir de 1 de Janeiro de 2004, o actual sistema de extradições, permitindo a detenção de indivíduos procurados pelas autoridades judiciárias de um Estado membro noutro Estado membro (8). Com o mandado de detenção europeu as autoridades judiciárias nacionais (autoridade judiciária de execução) irão acatar, ipso facto, e mediante controlos mínimos, um pedido de entrega de uma pessoa, apresentado por uma autoridade judiciária de outro Estado membro (autoridade judiciária de emissão). Deve mencionar-se ainda a decisão quadro relativa à luta contra o terrorismo (9) (que obriga os Estados membros a tipificar determinadas infracções como actos terroristas, prevendo sanções mais gravosas para actos praticados com essa intenção), bem como a decisão quadro relativa à luta contra o tráfico de seres humanos (10).
Controlo das fronteiras externas Num espaço onde não existem fronteiras internas, é crucial dotar a UE de mecanismos de coordenação dos sistemas de controlo das fronteiras externas. Os Estados membros comprometeram-se, no Conselho Europeu de Laeken em 2001, a proceder a uma melhor gestão dos controlos nas fronteiras externas da União para lutar eficazmente contra o terrorismo, a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos. Na perspectiva da segurança, a ausência de controlos nas fronteiras internas tem de ser logicamente compensada pelo controlo das fronteiras externas. As autoridades aduaneiras de cada Estado membro têm acesso ao Sistema de Informação de Schengen, que reúne informações relativas a documentos e procedimentos de acesso ao espaço interior da União. Além disso, existem diversas medidas legislativas que têm em vista nomeadamente o combate ao tráfico de estupefacientes, à importação ilegal de objectos de carácter cultural e de espécies protegidas da fauna e flora selvagem (11). Existe também um sistema de informação aduaneira, para troca de informações e cooperação entre autoridades nacionais.
Informação Complementar A Convenção sobre o futuro da Europa O alargamento da UE aos novos Estados membros constitui também um alargamento do espaço de liberdade, segurança e justiça. A Convenção sobre o Futuro da Europa foi o reflexo da necessidade de reestruturar a UE, e de adaptá-la às novas exigências. Os anos de 2002 e 2003 ficarão assim inevitavelmente marcados pelos trabalhos da Convenção: pretendeu-se renovar o quadro jurídico e a estrutura institucional da União, aproximar as instituições dos cidadãos, simplificar métodos e procedimentos, aumentar a clareza e segurança jurídicas – enfim, forjar uma nova União capaz de responder aos desafios de uma Europa a vinte e cinco ou mais Estados membros. A Convenção constituiu um método diferente de revisão dos Tratados, com reuniões e debates públicos, documentos disponíveis na internet, e uma participação que incluía representantes dos governos e parlamentos dos Estados membros e dos países candidatos, bem como da Comissão Europeia. No âmbito da justiça e assuntos internos, foi proposto na Convenção o abandono da estrutura de pilares: o primeiro pilar, composto das políticas de vistos, asilo, imigração e cooperação judiciária em matéria civil (Título IV do TCE) e o terceiro pilar, que corresponde à cooperação policial e judiciária em matéria penal (Título VI do TUE). As diferenças principais entre um e outro regime são o método de aprovação dos instrumentos e a jurisdição do Tribunal de Justiça (no primeiro pilar domina tendencialmente o método comunitário e a competência do Tribunal; no terceiro pilar a regra é a aprovação por unanimidade e um reduzido controlo jurisdicional sobre os actos normativos). A “fusão de pilares” proposta pela Convenção teve pois os objectivos de estender a aprovação de actos normativos em co-decisão com o Parlamento Europeu e a jurisdição do Tribunal de Justiça à generalidade das políticas na área da justiça e assuntos internos. Por fim, defendeu-se também na Convenção a integração da Carta dos Direitos Fundamentais nos Tratados Europeus, com força jurídica vinculativa e estatuto constitucional, bem como a adesão da União à Convenção Europeia dos Direitos do Homem: à evolução das competências da União, deveria corresponder uma evolução em igual sentido da protecção dos direitos dos cidadãos ao nível da UE. Um verdadeiro espaço de liberdade, segurança e justiça é também, por definição, um espaço de tutela dos direitos fundamentais.
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