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Janus 2004



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Portugal e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

Ireneu Cabral Barreto e Abel Campos *

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O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) foi criado no âmbito do Conselho da Europa e no contexto da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Esta Convenção, para além de reconhecer certos direitos aos indivíduos, proporciona-lhes o acesso, através do Tribunal, a um sistema de garantias dos mesmos, podendo os Estados ser responsabilizados pela violação de tais direitos. Esta situação vem elevar o indivíduo ao estatuto de sujeito, ultrapassando a mera posição de objecto de Direito Internacional.

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O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) foi criado no âmbito do Conselho da Europa, a primeira organização internacional especificamente europeia. Nascido em 1949 com o intuito de promover, defender e garantir o respeito pelos Direitos Humanos, bem como a cooperação internacional em diversas áreas, o Conselho da Europa apostou desde cedo em dotar a Europa de uma carta comum de direitos e liberdades capaz de resumir os valores políticos e culturais das democracias ocidentais e assim impossibilitar a instalação de regimes ditatoriais e a renovação das atrocidades ocorridas durante a II Guerra Mundial. Essa carta comum, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), foi assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 e entrou em vigor em 1953, data do depósito do 10° instrumento de ratificação.

Se, ao nível do seu conteúdo, a CEDH não apresenta grandes diferenças relativamente à sua fonte de inspiração directa, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), realizada no âmbito das Nações Unidas em 1948, já o mecanismo de controlo por ela criado representa uma das maiores inovações da história do Direito Internacional.

Com efeito, pela primeira vez deu-se ao indivíduo o acesso a um sistema internacional juridiscionalizado de protecção dos Direitos do Homem: a CEDH não só reconhece certos direitos aos indivíduos como lhes dá acesso a um sistema de garantia de tais direitos, através do qual os Estados podem ser responsabilizados pelas violações das suas obrigações internacionais a este nível. Quer dizer: pela primeira vez o indivíduo passou a ser sujeito, e já não apenas objecto, de Direito Internacional. Tal sistema concretizou-se pela criação de um sistema tripartido: a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, que filtrava as queixas dos cidadãos, o TEDH, que examinava e declarava a existência de uma violação da CEDH, e o Comité de Ministros do Conselho da Europa, que controlava a execução pelos Estados das decisões do TEDH.

Em 1998, este sistema foi modificado, dando ao TEDH competência para examinar todas as queixas introduzidas pelos indivíduos e eliminando-se a Comissão Europeia dos Direitos do Homem. Actualmente, o indivíduo que se considere vítima de uma violação dos seus direitos e liberdades por parte de um Estado Parte na CEDH, pode dirigir-se, em plena liberdade e em igualdade de circunstâncias relativamente ao Estado em causa, ao TEDH, solicitando uma decisão obrigatória que venha reparar a situação da qual ele se queixa.

 

Direitos garantidos, competência e processo

Como se disse, o catálogo de direitos protegidos pela CEDH não difere, no essencial, das liberdades fundamentais previstas na DUDH. Entre esses direitos, salientem-se o direito à vida, a proibição da tortura, o direito à liberdade e à segurança, o direito a um processo equitativo, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, o direito à liberdade de expressão, de reunião e de associação, o direito à protecção da propriedade, à instrução e a eleições livres. Se este catálogo pode parecer modesto e desactualizado, lembre-se que, através do labor interpretativo do TEDH, ele tem vindo a cobrir situações e realidades que seriam extremamente difíceis de prever no momento da sua redacção. Com efeito, o direito convencional é sobretudo jurisprudencial e os preceitos da CEDH só ganham todo o seu alcance quando devidamente interpretados, de maneira dinâmica e evolutiva, pelo TEDH.

Se o acesso ao TEDH é formalmente fácil – basta uma simples carta escrita na língua materna do requerente para desencadear o processo, não sendo sequer necessária, na fase inicial de tal processo, a representação por advogado – as queixas deverão respeitar vários requisitos substanciais.

Nos termos do artigo 35° nº 1 da CEDH, a queixa deve ser apresentada depois de esgotadas todas as vias de recurso internas e num prazo de seis meses a contar da data da decisão interna definitiva. A regra do esgotamento prévio dos recursos internos tem fundamento no carácter subsidiário da CEDH relativamente aos sistemas nacionais de garantia dos Direitos Humanos: antes de demandar o tribunal internacional, o requerente deve conceder ao Estado responsável a possibilidade de remediar, pelos seus próprios meios internos, as violações alegadas. O prazo de seis meses destina-se a evitar que a situação em causa possa ser eternamente contestada pelos indivíduos. Visa-se assim garantir a segurança jurídica.

A competência do TEDH está ainda limitada ratione personae – só pode queixar-se a pessoa física, a organização não governamental ou o grupo de particulares que se pretenda vítima de uma violação, por um dos Estados Contratantes, da CEDH – ratione materiae –, só os direitos consagrados na CEDH podem ser invocados – ratione temporis –, só podem ser examinados factos posteriores à data da ratificação da CEDH pelo Estado em causa – e ratione loci – e só os factos ocorridos nos territórios onde se aplica a CEDH podem ser examinados.

O processo divide-se em duas fases: admissibilidade e mérito. Se a queixa é declarada admissível, por se encontrarem preenchidos os requisitos substanciais e formais de aplicabilidade da CEDH, o TEDH deverá pronunciar-se sobre o mérito de tal queixa através de um acórdão, que constatará, ou não, a violação da CEDH.

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Portugal e a CEDH

Portugal ratificou a CEDH em 9 de Novembro de 1978, data do depósito do instrumento de ratificação (a Lei n° 65/78, de 13 de Outubro) junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa. A CEDH vincula assim o Estado português na ordem jurídica interna e na ordem jurídica internacional. Na hierarquia das fontes de direito, a doutrina mais significativa defende para a CEDH, como de resto para os outros instrumentos de direito internacional pactício, uma posição intermédia entre a lei constitucional e as leis ordinárias: subordinada hierarquicamente à Constituição, a CEDH tem, no entanto, valor supralegal.

As queixas apresentadas no TEDH ao longo destes 25 anos de vigência da CEDH em Portugal não apresentam grandes diferenças de perfil relativamente aos outros Estados Partes. As queixas que passaram o crivo da admissibilidade, e que não foram portanto sumariamente rejeitadas, relacionam-se, em regra, com vicissitudes processuais (artigo 6° da CEDH). Existe no entanto uma percentagem assinalável de queixas por lentidão da justiça. Reflecte-se assim também ao nível internacional um mal endémico da justiça portuguesa. Outras queixas em que o TEDH examinou questões relativas ao artigo 6° da CEDH versavam a qualidade da defesa oficiosa em processo penal, sobretudo quando estão em causa arguidos não portugueses, a intervenção de agentes provocadores no quadro de um inquérito por tráfico de droga e a participação do Ministério Público nos tribunais superiores. No âmbito do artigo 5° (direito à liberdade e à segurança), foram analisadas certas questões relativas ao internamento de inimputáveis. Uma condenação por abuso de liberdade de imprensa (artigo 10° da CEDH) levou também à adopção de um acórdão. Outros casos do mesmo tipo encontram-se pendentes.

Enfim, o sistema de indemnizações relativas às nacionalizações e expropriações efectuadas em Portugal no período pós-revolucionário deu também já origem a algumas decisões, sendo que vários outros casos do mesmo tipo se encontram pendentes.

 

Conclusão

O perfil das queixas apresentadas contra Portugal não é muito distinto do da generalidade dos Estados Partes na CEDH. Existe uma grande percentagem de casos rejeitados sumariamente, por não preencherem certos requisitos formais e materiais. Dos casos cujo mérito foi analisado pelo TEDH, aqueles que alegam a violação do artigo 6° da CEDH são a maioria. Entre estes, uma percentagem assinalável diz respeito à duração excessiva de processos judiciais.

 

Informação Complementar

Atraso na Justiça

O elevado número de queixas apresentadas contra Portugal relativas ao atraso da justiça justifica que se faça breve referência a três decisões extremamente importantes proferidas recentemente pelo TEDH. Na primeira destas decisões (Tomé Mota, 2.12.99, Colectânea oficial do TEDH, vol. 1999-IX, p. 401), o TEDH considerou que o pedido de aceleração processual, introduzido pelo Código de Processo Penal de 1987 (artigos 108° e 109°), podia ser considerado como um recurso eficaz, nos termos do artigo 35° n° 1 da Convenção Europeia (CE), e susceptível de ser utilizado em caso de duração excessiva de um processo crime.

O TEDH atribuiu uma grande importância ao teor das decisões tomadas, in concreto, quer pelo Procurador Geral da República (se o processo estiver sob a direcção do Ministério Público) quer pelo Conselho Superior da Magistratura (se o processo decorrer perante o tribunal ou o juiz) e que determinavam a aceleração do processo. Para o processo civil, foi preciso esperar por duas decisões de 22 de Maio de 2003. Nestas decisões (Paulino Tomás e Gouveia da Silva Torrado, disponíveis no sítio do TEDH: http://www.echr.coe.int), o TEDH examinou se a acção de indemnização por responsabilidade extracontratual do Estado, interposta nos termos do Decreto-Lei nº 48051 de 21 de Novembro de 1967, seria apta a permitir ao interessado queixar-se, ao nível interno, do atraso de um processo cível. Depois de analisar a evolução jurisprudencial dos tribunais administrativos portugueses nesta matéria (referindo-se nomeadamente ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo “Pires Neno” de 15 de Outubro de 1998, publicado nos Cadernos de Justiça Administrativa nº 17), o TEDH decidiu que a acção referida é um recurso eficaz e adequado que deve ser exercido pelos interessados antes de se dirigirem a Estrasburgo. Chamou, no entanto, a atenção das autoridades portuguesas para o facto de que tal carácter adequado dependerá também da eficácia que os próprios tribunais administrativos deverão demonstrar no tratamento célere deste tipo de acções. Estas decisões vêm demonstrar a importância que o TEDH dá a uma outra exigência da CE, prevista no artigo 13° desta última: os Estados devem incluir no seu ordenamento jurídico um recurso efectivo susceptível de poder ser utilizado por todos aqueles que se considerem vítimas de violação de um dos direitos e liberdades garantidos pela CE.

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* Ireneu Cabral Barreto

Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

* Abel Campos

Jurista, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

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Dados adicionais
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