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Portugal e o Tribunal Internacional de Justiça

Patrícia Galvão Teles *

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O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) é o principal órgão judicial da ONU, criado desde a sua fundação, em 1945. Todos os membros da ONU são parte do Estatuto do TIJ, o que não significa que aceitem automaticamente a sua competência para a resolução de um caso concreto. Esta aceitação pode ser manifestada de diversas formas, sendo a mais usual a chamada “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória”, que, uma vez aceite, obriga o Estado declarante a aceitar a competência do Tribunal na resolução de controvérsias jurídicas em relação a qualquer outro Estado que aceite esta cláusula.

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Tribunal Internacional de Justiça é, segundo o artigo 92.º da Carta das Nações Unidas, o principal órgão judicial desta organização. É uma jurisdição permanente, de competência genérica para julgar todos os litígios que os Estados lhe queiram submeter, bem como todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou em outros tratados e convenções em vigor. O seu Estatuto é um anexo à Carta das Nações Unidas, dela fazendo parte integrante.

O Tribunal Internacional de Justiça, com sede em Haia, foi desta forma criado em 1945, em conjunto com as Nações Unidas, substituindo uma instância semelhante já existente no âmbito da Sociedade das Nações, que era o Tribunal Permanente de Justiça Internacional. Os Estados membros das Nações Unidas são automaticamente parte do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.

O facto de todos os membros das Nações Unidas serem também parte do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça não quer, no entanto, dizer que aceitem a sua competência em relação a um caso concreto. Esta aceitação pode ser concretizada através das várias formas previstas no artigo 36.º do Estatuto do Tribunal, sendo sem dúvida a mais importante a chamada “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória” (n.º 2 do artigo 36.º). Trata-se de uma declaração que os Estados são livres de fazer ou não, mas que, caso seja efectuada, determina a aceitação de uma competência para resolver controvérsias jurídicas passadas e futuras que é obrigatória e sem necessidade de acordo especial, em relação a qualquer outro Estado que aceite a mesma obrigação.

É curioso o facto de apenas o Reino Unido, de todos os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aceitar hoje em dia a competência do Tribunal Internacional de Justiça ao abrigo desta modalidade mais abrangente (ver tabela intitulada “Declarações de Aceitação da Competência do Tribunal”). Ao todo, apenas pouco mais de ¼ dos membros da comunidade internacional aceita automaticamente a competência do Tribunal, o que não quer contudo significar que os restantes Estados não a possam também aceitar pontualmente, caso assim o entendam.

Portugal emitiu a declaração de aceitação da competência do Tribunal ao abrigo do artigo 36.º/2 do Estatuto logo após a sua adesão à Organização das Nações Unidas. Com efeito, Portugal tornou-se membro das Nações Unidas e ipso facto parte do Estatuto do Tribunal em 14 de Dezembro de 1955; a sua declaração data de 19 de Dezembro, tendo poucos dias depois instaurado a sua primeira acção nesta instância judicial, conforme se dará conta mais adiante.

A actividade do Tribunal tem sem dúvida aumentado nos últimos anos (ver gráficos), quer em termos da quantidade dos casos que lhe são submetidos, quer pela importância política desses casos e pelo impacto das suas decisões. Contudo, o Tribunal continua a ser considerado como um órgão lento e pouco eficaz, dotado de uma atitude essencialmente conservadora. Este órgão judicial é composto por um corpo de quinze magistrados independentes, propostos pelos Estados partes no Estatuto e eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na composição actual do Tribunal (ver tabela respectiva), destaca-se a primeira mulher a integrar este corpo de juízes, de nacionalidade britânica.

Nunca houve até hoje um juiz português, tendo apenas sido nomeados pela parte portuguesa juízes ad hoc (só para o caso concreto) nalgumas das instâncias que envolveram Portugal. Foram três os casos perante o Tribunal Internacional de Justiça em que Portugal esteve envolvido até hoje: dois como autor, um como réu.

 

O caso do direito de passagem em território indiano (Portugal contra Índia)

Apenas três dias depois de Portugal ter depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas a sua declaração de aceitação da competência do Tribunal, instaurou uma acção contra a Índia relativa ao direito de passagem sobre o território indiano [Right of Passage over Indian Territory (Portugal v. India) (1955-1960)]. A primeira decisão, sobre os aspectos processuais, é datada de 26 de Novembro de 1957 e, ao dar razão aos argumentos de Portugal sobre a competência do Tribunal para julgar este caso, permitiu que o caso passasse para a fase em que seriam discutidas as questões de mérito, decididas em sentença lida no dia 12 de Abril de 1960.

Com esta acção judicial, Portugal pretendia ver reafirmada a sua soberania sobre as suas possessões coloniais na Índia, que esta contestava. Em concreto, Portugal pediu ao Tribunal Internacional de Justiça que confirmasse o direito de passagem de militares e civis (bens e pessoas) para os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli que sustentava ter base, quer convencional quer consuetudinária, designadamente em virtude de um costume bilateral existente entre os dois Estados.

Apesar de a sentença ter dado razão em grande medida às pretensões portuguesas, ao reconhecer o tal direito de passagem a civis, bem como ao reafirmar a soberania portuguesa, e de ter ficado famosa por nela ter sido consagrada pela primeira vez a figura do costume bilateral, a União Indiana invadiu e anexou em 1961 os territórios portugueses na Índia, poucos meses após a decisão do principal órgão judicial das Nações Unidas. Só após o 25 de Abril de 1974 Portugal veio a reconhecer a integração destes territórios na Índia, que havia já sido aceite tacitamente pela comunidade internacional em nome do princípio da autodeterminação

 

O caso de Timor-Leste (Portugal contra Áustralia)

Este mesmo princípio da autodeterminação foi a questão central da acção interposta por Portugal contra a Austrália a propósito da questão de Timor-Leste [East Timor (Portugal v. Austrália) (1991-1995)] em 22 de Fevereiro de 1991, decidida por sentença do Tribunal de 30 de Junho de 1995. Não obstante a Austrália ter deduzido excepções de natureza processual, as partes concordaram em discuti-las conjuntamente com o mérito, uma vez que elas se encontravam inextricavelmente ligadas. A acção foi suscitada pela conclusão pela Austrália (e Indonésia) do tratado do Timor Gap, assinado em 11 de Dezembro de 1989, que criou uma zona de cooperação para a exploração conjunta dos recursos petrolíferos existentes na plataforma continental na área entre a “província indonésia de Timor-Leste” e a Austrália.

Tratou-se essencialmente de uma acção de responsabilidade internacional. Portugal pretendia que o Tribunal reafirmasse os direitos do povo de Timor-Leste à autodeterminação, integridade territorial e soberania permanente sobre as suas riquezas e recursos naturais e a sua oponibilidade à Austrália e que este órgão judicial declarasse que, ao negociar, celebrar e executar o Tratado do Timor Gap, a Austrália ofendia os referidos direitos do povo de Timor-Leste, bem como os de Portugal enquanto Potência Administrante do território.

No seu acórdão de 1995, com uma maioria de 14 votos contra 2, o Tribunal acabou por dar razão a uma das excepções processuais apresentadas pela Austrália e absteve-se de tomar uma decisão sobre o fundo da causa, por considerar que não o poderia fazer em virtude da ausência como parte no processo de uma parte essencial, que era a Indonésia. No entanto, o Tribunal afirmou que, para as duas partes no litígio, Timor-Leste era ainda um território não-autónomo e o seu povo era titular do direito à autodeterminação.

Este direito à autodeterminação veio mais tarde a ser exercido, num referendo a 30 de Agosto de 1999, em que a maioria dos timorenses optou pela independência do seu território, que se viria a verificar no dia 20 de Maio de 2002.

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O caso da intervenção militar na Jugoslávia (Sérvia e Montenegro contra Portugal e outros)

A primeira acção judicial em que Portugal se vê sentado no banco dos réus no Tribunal Internacional de Justiça foi interposta pela República Federal Jugoslava, hoje Sérvia e Montenegro, em 29 de Abril de 1999, em resposta aos bombardeamentos da NATO contra o seu território, na sequência da crise do Kosovo, que a Jugoslávia considerou ilegais e em violação de obrigações internacionais que proíbem, designadamente, o uso da força nas relações internacionais, a intervenção nos assuntos internos e a violação da soberania dos outros Estados.

Com esta acção, a Jugoslávia pretendia que a agressão cessasse imediatamente (tendo feito para isso um pedido de medidas provisórias que foi negado pelo Tribunal) e que os dez Estados fossem declarados como incorrendo em responsabilidade internacional e, consequentemente, obrigados a indemnizar pelos danos causados pelos ataques. O caso foi designado por Legality of theUse of Force e visava a actuação levada a cabo contra Belgrado por dez parceiros da Aliança Atlântica: Alemanha, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos da América, França, Holanda, Itália, Portugal e Reino Unido. Este processo judicial não se encontra ainda concluído relativamente a oito desses dez Estados, incluindo Portugal, tendo apenas sido já encerrado no que diz respeito aos Estados Unidos da América e a Espanha, por questões processuais que dizem respeito à manifesta incompetência do Tribunal para julgar o caso concreto contra estes dois países.

Quanto aos restantes oito Estados, incluindo Portugal, o processo encontra-se ainda a decorrer, aguardando-se a reacção, sucessivamente adiada, da Sérvia e Montenegro às excepções preliminares apresentadas pelos réus e que essencialmente argumentam a incompetência do Tribunal Internacional de Justiça para se pronunciar sobre o mérito da causa, bem como a não admissibilidade do pedido jugoslavo.

 

Informação Complementar

Composição actual de Juízes do Tribunal Internacional de Justiça (2003)

China – Shi Jiuyong (Presidente)

Madagáscar – Raymond Ranjeva ( Vice-Presidente)

França – Gilbert Guillaume

Serra Leoa – Abdul G. Koroma

Rússia – Vladlen S. Vereshchetin

Reino Unido – Rosalyn Higgins

Venezuela – Gonzalo Parra-Aranguren

Holanda – Pieter H. Kooijmans

Brasil – Francisco Rezek

Jordânia – Awn Shawkat Al-Khasawneh

EUA – Thomas Buergenthal

Egipto – Nabil Elaraby

Japão – Hisashi Owada

Alemanha – Bruno Simma

Eslováquia – Peter Tomka

 

Declarações de Aceitação da competência do Tribunal

Austrália

Áustria

Barbados

Bélgica

Botswana

Bulgária

Camarões

Camboja

Canadá

Chipre

Colômbia

Costa do Marfim

Costa Rica

Dinamarca

Espanha

Estónia

Filipinas

Finlândia

Gâmbia

Geórgia

Grécia

Guiné

Guiné-Bissau

Haiti

Holanda

Hungria

Índia

Japão

Lesoto

Libéria

Liechtenstein

Luxemburgo

Madagáscar

Malawi

Malta

Maurícia

México

Nauru

Nicarágua

Nigéria

Noruega

Nova Zelândia

Panamá

Paquistão

Paraguai

Polónia

Portugal

Quénia

Reino Unido

Rep. Democrática do Congo

República Dominicana

Sérvia e Montenegro

Somália

Suazilândia

Sudão

Suécia

Suíça

Suriname

Togo

Uganda

Uruguai


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* Patrícia Galvão Teles

Doutorada em Direito Internacional Público pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra, Suíça. Professora Auxiliar na UAL. Consultora do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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