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AQUI! O Estatuto do TPI entrou em vigor em 1 de Julho de 2002, contando, presentemente, com 89 partes (139 Estados assinaram-no). Entretanto, desde essa data, o secretariado temporário já recebeu mais de 200 queixas de crimes referentes a situações muito variadas, ocorridas após a entrada em vigor, já que a competência do TPI não é retroactiva. Portugal assinou o Estatuto em 7 de Outubro de 1998 e ratificou-o em 5 de Fevereiro de 2002, juntando-se, assim, aos restantes membros da União Europeia, todos partes do mesmo. Aliás, Portugal teve um papel muito intenso durante as negociações, que se prolongaram desde os inícios de 1995 até meados de 1998 (o Estatuto foi aprovado em Roma, em 17 de Julho desse ano, e aberto então para assinatura), tendo depois sido completadas pela redacção de vários outros documentos fundamentais, aprovados em Setembro do ano passado, na primeira reunião dos Estados Partes. As negociações decorrem ainda relativamente ao crime de agressão, que, segundo o art. 5. ° do Estatuto, se encontra sob jurisdição do Tribunal mas para o qual não há ainda definição acordada (1).
Estatuto de Roma do TPI As tentativas de constituição de um Tribunal Penal permanente para julgar indivíduos que cometem crimes de relevância internacional são muito antigas, pelo menos datando dos princípios do século XX, tendo tido uma forma de institucionalização com os Tribunais de Nuremberga e de Tóquio, e tendo sido reatadas, sem sucesso, aquando da adopção da “Convenção sobre Supressão e Punição do Crime de Apartheid”, de 1973, após terem fracassado os Comités da Assembleia Geral para estudo de um Estatuto em 1951 e 1953. Contudo, o impulso mais próximo que gerou o actual processo de criação do Tribunal partiu de uma proposta de Trindade e Tobago, em 1989, no âmbito da Assembleia Geral da Nações Unidas, designadamente da sua 6ª Comissão (Assuntos Jurídicos). Esta Comissão solicitou à Comissão de Direito Internacional (um órgão subsidiário de peritos independentes) a elaboração de um projecto de estatuto de um tribunal penal internacional, que lhe veio a ser submetido em finais de 1994. De notar que, entretanto, os Tribunais Penais Ad Hoc para a Ex-Jugoslávia e para o Ruanda já tinham sido criados por resoluções do Conselho de Segurança (CS). Para discutir o projecto do TPI foi então criado um Comité Ad Hoc (aberto a todos os Estados) que, em 1995, foi substituído por um Comité Preparatório da Conferência de Plenipotenciários, que se veio a realizar em Roma em Junho/ Julho de 98, com a participação de 160 Estados e a presença de 124 ONG. Apesar dos esforços para aprovação por consenso, o Estatuto veio a ser submetido a votação, por pedido dos Estados Unidos, tendo havido 120 votos a favor, 21 abstenções e 7 votos contra (Estados Unidos, Israel, China, Iraque, Iémen, Líbia e Qatar). O momento da aprovação foi invulgarmente emocional, reflectindo bem o esforço não só técnico, mas também profundamente humano dos delegados presentes. O Estatuto prevê a competência do TPI para julgar indivíduos acusados de crimes de genocídio (definido no art. 6°, de modo semelhante ao da “Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio”, de 1948, isto é, como a destruição intencional de um grupo nacional, racial, étnico ou religioso), crimes contra a humanidade (constantes do artigo 7. °, que se traduzem em actos praticados como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer grupo da população civil, mesmo em tempo de paz, que tiveram como base várias convenções no âmbito dos direitos humanos e Direito humanitário, com inovações como os crimes sexuais e de género – violação, escravidão sexual, prostituição, gravidez e esterilização forçadas, etc – e o desaparecimento de pessoas), crimes de guerra (referidos no art. 8°, que codificam e actualizam, em certos aspectos, as Convenções da Haia e de Genebra sobre o tema e regulam as regras do conflito armado, indicando tácticas proibidas e pessoas e bens a proteger) e o crime de agressão (ainda não definido). Para além do Preâmbulo, o Estatuto é composto por 128 artigos, divididos em 13 Partes. Substantivamente, foram criados, pela primeira vez na ordem jurídica internacional, através do Estatuto, um Código Penal Internacional, um Código de Processo Penal, um Estatuto de um Tribunal e, em alguns aspectos, uma Lei Orgânica do mesmo, como se pode verificar pelas epígrafes das Partes referidas. O que seria um esforço que poucas ordens internas conseguiriam levar a bom termo num intervalo de cerca de quatro anos concretizou-se em negociações entre cerca de 190 entidades soberanas que consagraram um dos aspectos mais fundamentais da mudança de paradigmas na nossa ordem jurídica internacional.
O papel de Portugal nas negociações As negociações foram, evidentemente, árduas: os pontos fundamentais do Estatuto, e, consequentemente, os mais difíceis de negociar, foram, provavelmente, o da escolha e subsequente definição dos crimes sobre os quais o Tribunal tem competência, a questão da complementaridade face aos sistemas nacionais (o TPI só julga casos quando os tribunais nacionais não existirem ou forem incapazes de o fazer de forma adequada), os mecanismos pelos quais uma acção pode ser intentada perante o Tribunal (compreendendo as entidades que o podem fazer, que são os Estados Partes, o CS e o Procurador), e os Estados não-partes que terão de dar o seu consentimento, que são o da nacionalidade ou o do território, o papel do Procurador e o papel do CS da ONU. Em Portugal, assumiu um relevo quase exclusivo a questão da possibilidade de aplicação da pena de prisão perpétua face à nossa proibição constitucional relativamente à mesma, que não se limita à proibição da sua imposição pelos nossos tribunais mas também, no que somos caso único no mundo, em proibir a extradição sempre que os tribunais do Estado em causa possam vir a aplicar tal pena. Foi precisamente este ponto que constituiu a razão principal para o entendimento da necessidade de revisão constitucional, o que veio a ser concretizado pela Lei n. °1/2001, de 12 de Dezembro (5ª revisão constitucional) que introduziu um n. °7 ao art. 7.°, com o seguinte teor: “Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma” (2). Tendo Portugal sido um interveniente muito activo em todo o processo, tomou posições e fez propostas em relação a grande número de artigos do Estatuto e documentos suplementares, orientando-se sempre pela criação de uma jurisdição forte e independente do poder político internacional. Salientam-se aqui apenas, por limitações de espaço, algumas das principais áreas: a definição dos crimes (tentando incluir no genocídio a destruição de um grupo político, o que não se veio a concretizar; defendendo a inclusão de vários crimes de violência sexual no âmbito dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra, o que foi bem sucedido; tentando que os conflitos internos ficassem sujeitos a regras humanitárias tão semelhantes quanto possível às dos conflitos internacionais, etc.); a possibilidade de o Procurador intentar uma acção agindo motu próprio (o que veio a ser consagrado, após muita resistência a uma nossa proposta, pela primeira vez apresentada nas negociações em co-patrocínio com a Itália e a África do Sul); que o CS não ficasse a controlar todo o processo, como previa o projecto da Comissão de Direito Internacional, o que foi, em grande parte, conseguido, já que o Tribunal pode prosseguir com investigações e julgamento independentemente, tendo apenas que os suspender se o CS aprovar uma resolução impondo a sua moratória por um ano, que pode ser renovado); que o consentimento estatal para exercício dajurisdição pelo TPI fosse mínimo, o quefoi alcançado, já que se exige apenas oconsentimento do Estado em que ocorreramos factos ou (repare-se a importância dadisjuntiva) da nacionalidade do presumívelautor; que não fosse aplicada nunca apena capital (no que foi bem sucedido)e que fossem praticamente anuladas aspossibilidades de aplicação efectiva de penade prisão perpétua, através da exigênciade condições estritas para a sua aplicaçãoe pela criação de um processo obrigatóriode revisão da sentença após 25 anos decumprimento, só se mantendo em caso decomprovada não reabilitação do detido, nostermos das regras processuais; que pudesseexistir responsabilidade penal de pessoascolectivas (proposta co-patrocinada pelaFrança), sugestão esta que não veio a serconsagrada; que o crime de agressão fossedefinido nas linhas da Carta da ONU e nãoficasse totalmente dependente do juízoprévio pelo CS (proposta em co-patrocíniocom a Grécia, ainda em negociação) e assimsucessivamente. Muito poucos projectos jurídicos têm a dimensão e as implicações profundas do TPI, considerado, por muitos, como o desenvolvimento mais significativo desde a criação da ONU. Isso justifica tanto a adesão entusiástica de grande parte da comunidade internacional, com um número de ratificações do Estatuto que ultrapassou, num curto espaço temporal, as expectativas mais optimistas, mas também a oposição actuante de algumas potências mundiais, que se têm servido de vários mecanismos (resolução do CS, acordos bilaterais, legislação interna, etc.) para excluir os seus nacionais da jurisdição do TPI. Oxalá que os ventos corram de feição para os que defendem uma ordem futura em que o poder seja controlado pelo Direito, com o fim de que os estados fortes tenham o mesmo tratamento que os fracos e que estes sejam protegidos de abusos do poder pelos primeiros. Lista de estados participantes do estatuto do TPI
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