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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Portugal e a arbitragem internacional

Dário Moura Vicente *

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No Direito português a arbitragem consiste num meio de composição de litígios em que se atribui competência para proceder ao julgamento a uma ou mais pessoas, escolhidas pelas próprias partes ou por terceiros, cujas decisões têm a mesma eficácia que possuem as sentenças judiciais. As arbitragens internacionais que se realizem em território nacional são reguladas pela Lei nº 31/86, que incide sobre «interesses do comércio internacional», não incluindo a arbitragem entre Estados ou outros sujeitos de Direito Internacional.

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No Direito português a arbitragem consiste num meio de composição de litígios (e também de certos conflitos de interesses sem carácter contencioso, como os que se prendem com a revisão de contratos), que se caracteriza pela atribuição da competência para julgá-los a uma ou mais pessoas, escolhidas pelas próprias partes ou por terceiros, cujas decisões têm a mesma eficácia que possuem as sentenças judiciais.

A sede legislativa fundamental da matéria é hoje a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, sobre a arbitragem voluntária. Esta lei foi alterada pelo D.L. n.º 38/2003, de 8 de Março, que deu nova redacção aos seus arts. 11.º e 12.º, e complementada por diversos diplomas posteriores à sua entrada em vigor. Entre estes avultam o D.L. n.º 425/86, de 27 de Dezembro, que permite às entidades que pretendam promover, com carácter institucionalizado, a realização de arbitragens voluntárias requerer ao Ministro da Justiça autorização para a criação dos respectivos centros; e o D.L. n.º 103/91, de 8 de Março, que estabelece a isenção de custas para o exequente em acções de execução para obter o cumprimento de sentença condenatória proferida pelo tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo.

A determinação do objecto do litígio a submeter a arbitragem, prevista no art. 12.º, n.º 4, da Lei, é regulada pelos arts. 1508.º a 1510.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelos D.L. nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro.

 

A arbitragem internacional

Conceito e relevância actual – A arbitragem internacional é definida pelo art. 32.º da Lei n.º 31/86 como “a que põe em jogo interesses do comércio internacional”. Esta fórmula, inspirada no Direito francês, visa abranger todas as arbitragens que tenham por objecto litígios emergentes de operações económicas que envolvam a circulação de bens, serviços ou capitais através das fronteiras. Nela não se inclui a arbitragem entre Estados ou outros sujeitos de Direito Internacional (hoc sensu, a arbitragem de Direito Internacional Público), de que não curaremos aqui.

As arbitragens que se subsumam ao referido conceito ficam sujeitas ao regime especial instituído pelos arts. 33.º a 35.º da Lei no tocante à determinação do Direito aplicável, aos recursos e à admissibilidade da chamada composição amigável.

Em tudo o mais, as arbitragens internacionais que se realizem em território nacional estão sujeitas às regras gerais daquele diploma, nomeadamente os arts. 16.º e 23.º, n.º 3, que impõem, respectivamente, a observância de certos princípios fundamentais no processo arbitral e a fundamentação da decisão arbitral, e o art. 27.º, que sujeita a sentença a anulação judicial no caso de estas regras não terem sido observadas. É o que resulta do disposto no art. 37.º da Lei, segundo o qual: “O presente diploma aplica-se às arbitragens que tenham lugar em território nacional”. A Lei portuguesa não reconhece, portanto, a admissibilidade de arbitragens internacionais “deslocalizadas”, i.é, subtraídas a qualquer legislação nacional. Em contrapartida, assiste às sentenças proferidas nas arbitragens que decorram em território nacional, ainda que com carácter internacional, nos termos dos arts. 26.º, n.º 2, da Lei e 48.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a mesma força executiva de que goza a sentença do tribunal judicial de primeira instância, sem que seja necessário qualquer reconhecimento prévio dela.

Diferentemente, em França o Código de Processo Civil sujeita a impugnação e a execução da sentença proferida em arbitragem internacional ao mesmo regime que vale para a sentença arbitral estrangeira. Exige-se, por conseguinte, o reconhecimento da sentença arbitral por um tribunal estadual, ainda que a mesma haja sido proferida em França, a fim de que possa produzir efeitos em território francês. Não há, pois, na lei portuguesa uma contraposição entre arbitragem interna e arbitragem internacional equiparável à da lei francesa: a arbitragem internacional é entre nós uma modalidade da arbitragem interna. Nesta matéria a lei portuguesa apresenta maior semelhança com o Arbitration Act inglês de 1996, cuja secção 2.ª também submete as arbitragens internacionais que tenham lugar em Inglaterra às disposições desse diploma legal.

Nas relações comerciais internacionais a arbitragem constitui hoje um modo fundamental, e nalguns sectores de actividade mesmo o modo normal, de resolução de litígios (ver Informação Complementar). O que se explica por diversos factores, entre os quais sobressaem: a possibilidade de as partes escolherem os julgadores; a confidencialidade dos procedimentos arbitrais; a certeza que a convenção de arbitragem gera quanto ao modo pelo qual os litígios serão resolvidos; e as maiores garantias de neutralidade que as instâncias arbitrais oferecem, por comparação com as jurisdições estatais.

Direito aplicável – As regras processuais e de conflitos aplicáveis pelos árbitros são, quando a arbitragem tenha lugar em território nacional, as da própria Lei, por força do disposto no art. 37.º desta.

Relativamente ao Direito aplicável ao mérito da causa na arbitragem internacional, a Lei n.º 31/86 confere às partes, no art. 33.º, n.º 1, a faculdade de o escolherem. Consagra-se, assim, o princípio da autonomia da vontade em Direito Internacional Privado, que o Código Civil e a Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (em vigor em Portugal desde 1994) também acolhem. Note-se que a lei autoriza as partes a escolher um Direito, isto é, uma ordem jurídica, e não simplesmente a remeter para princípios gerais ou para os princípios comuns às ordens jurídicas conexas com o litígio. Na falta de escolha pelas partes, o tribunal aplicará, segundo o n.º 2 do art. 33.º, “o direito mais apropriado ao litígio”. A fim de determinar esse Direito, os árbitros devem examinar todas as circunstâncias da relação litigada, indagando quais as conexões que a mesma apresenta com os diferentes ordenamentos estaduais, por forma a sujeitá-la ao Direito do Estado em que essas conexões se revelem predominantes.

Em matéria de contratos, domínio por excelência dos litígios submetidos a árbitros, estes devem tomar especialmente em consideração o país da residência habitual, da administração central ou do estabelecimento principal da parte que se encontre vinculada a realizar a prestação característica, sendo legítimo presumir que é com esse país que a relação sub judice apresenta a conexão mais estreita. Esta é a solução adoptada, designadamente, pela referida Convenção de Roma, no seu art. 4.º, n.º 2, onde se acrescenta que se a prestação característica do contrato for devida por estabelecimento diverso do principal, será atendível a lei do país onde se situa essoutro estabelecimento. O que não prejudica, naturalmente, a possibilidade de os árbitros atenderem ao resultado material a que conduz a aplicação ao caso singular dos diferentes Direitos conexos com o litígio. Por força do princípio do favor negotii, que inspira o Direito Internacional Privado vigente, os árbitros podem em determinadas circunstâncias, por exemplo, considerar mais apropriado, dentre esses Direitos, o único que tenha o contrato como válido.

Os árbitros podem ainda atender aos usos do comércio internacional, em duas ordens de situações. Se as partes se tiverem referido expressamente a esses usos no contrato ou na convenção de arbitragem, devem os árbitros aplicá-los, na medida em que sejam compatíveis com as normas imperativas da lei aplicável à relação material litigada. Os usos podem nesta medida ser objecto de uma referência material, mas não de uma referência conflitual; por outras palavras, não podem ser o critério único de apreciação do objecto do litígio na arbitragem internacional. Se as partes nada tiverem dito a este respeito, podem os usos, ainda assim, ser tomados em consideração pelos árbitros como elementos de interpretação e integração das declarações negociais das partes.

Recursos – Quanto à arbitragem internacional consagrou-se o princípio da irrecorribilidade da decisão arbitral, com ressalva do caso em que as partes tenham acordado a possibilidade de recurso e regulado os seus termos: é o que dispõe o art. 34.º da Lei. Esta solução contrasta com o regime comum da arbitragem, consignado no art. 29.º, n.º 1, da Lei, nos termos do qual se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca.

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A composição amigável – Outra nota distintiva do regime da arbitragem internacional é a possibilidade, prevista no art. 35.º da Lei, de os árbitros, caso as partes lhes hajam confiado essa função, decidirem os litígios que lhes sejam submetidos “por apelo à composição das partes na base do equilíbrio dos interesses em jogo”. Consagra-se assim a admissibilidade da denominada composição amigável, figura de contornos pouco definidos. O amiable compositeur julga um litígio; mas deve procurar uma solução aceitável para ambas as partes, capaz de favorecer a prossecução das relações negociais entre elas. Não se trata, pois, de uma figura distinta da arbitragem, mas de um modo possível de julgar o mérito da causa. A composição amigável também não se confunde com a equidade, que envolve um juízo acerca da solução mais justa no caso concreto.

O árbitro a quem hajam sido conferidos poderes de composição amigável encontra-se, é certo, dispensado do dever de decidir segundo o Direito constituído. Mas, além de possibilitar uma solução equitativa, a cláusula de composição amigável visa permitir que os árbitros recriem entre as partes um clima pacífico e amistoso. A figura em apreço distingue-se, assim, da decisão segundo a equidade, constituindo uma figura intermédia entre esta e a conciliação ou mediação.

 

O reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras

Regimes aplicáveis e sua articulação – Em Portugal, a eficácia de sentenças arbitrais proferidas no estrangeiro pressupõe, em princípio, a sua revisão e confirmação pelo Tribunal da Relação competente para o efeito. Por força do disposto no art. 1097.º do Código de Processo Civil, o processo de revisão e confirmação das sentenças arbitrais estrangeiras rege-se, na parte em que o puder ser, pelos arts. 1094.º e seguintes desse Código, sem prejuízo do que se encontra estabelecido em tratados internacionais ratificados pelo Estado português.

Em matéria de arbitragem privada internacional, os principais tratados multilaterais a que Portugal se encontra vinculado são: a Convenção Para a Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras, assinada em Genebra em 1927 (ratificada por Portugal em 1931); a Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, concluída em Nova Iorque em 1958 (em vigor em Portugal desde 1995); a Convenção Interamericana Sobre Arbitragem Comercial Internacional, aberta à assinatura no Panamá em 1975(ratificada pela Assembleia da República em 2002); e a Convenção Para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos Entre Estados e Nacionais de Outros Estados, concluída em Washington em 1965(ratificada por Decreto do Governo em 1984).

O reconhecimento de sentenças arbitrais é também contemplado nos acordos bilaterais de cooperação jurídica e judiciária celebrados entre Portugal e Angola(assinado em 1995 e ratificado dois anos mais tarde), Cabo Verde(aprovado em 1976), a Guiné-Bissau(ratificado em 1989), Moçambique(assinado em 1990 e ratificado no ano seguinte) e S. Tomé e Príncipe(ratificado em 1976).

Nenhum destes tratados e acordos é de aplicação universal. Com efeito, a Convenção de Genebra prevê expressamente no seu art. 1.º que só será aplicável às sentenças proferidas no território de um dos Estados Contratantes; relativamente à Convenção de Nova Iorque, Portugal formulou, nos termos do n.º 3 do seu art. I, uma reserva, fundada no princípio da reciprocidade, por força da qual só a aplicará no caso de as sentenças arbitrais estrangeiras terem sido proferidas no território de Estados a ela vinculados; e a Convenção do Panamá só abrange, em princípio, os Estados membros da Organização dos Estados Americanos. Isto significa que o facto de Portugal ser parte destes tratados e acordos não exclui a possibilidade de o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras se reger pelo disposto no Código de Processo Civil.

Coexistem, assim, entre nós vários regimes em matéria de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras:

1.º, ao reconhecimento de sentenças arbitrais proferidas nos países africanos de expressão oficial portuguesa aplicam-se os acordos bilaterais entre Portugal e esses países; 2.º, ao reconhecimento de sentenças oriundas de Estados membros da Convenção do Panamá, as disposições desta; 3.º, às sentenças dimanadas do Centro Internacional Para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos instituído pela Convenção de Washington, esta última; 4.º, às sentenças arbitrais proferidas em Estados contratantes da Convenção de Genebra que não se achem vinculados pela Convenção de Nova Iorque, o regime daquela Convenção; 5.º, às sentenças proferidas em Estados contratantes da Convenção de Nova Iorque (com excepção dos que se encontrem abrangidos pelos acordos bilaterais acima referidos e pelas Convenções de Washington e do Panamá), as regras dessa Convenção; 6.º, às sentenças dimanadas de tribunais de países estrangeiros que não sejam partes de nenhuma das convenções anteriores, o regime dos arts. 1094.º e seguintes do Código de Processo Civil.

A Convenção de Nova Iorque – Entre estes regimes há a destacar o da Convenção de Nova Iorque.

Esta visa simplificar o mais possível os requisitos do reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras. Assim, a parte que requerer o reconhecimento e a execução tem apenas, nos termos do art. IV, que juntar ao seu pedido o original ou uma cópia autenticada da sentença e da convenção de arbitragem, bem como, se for caso disso, a respectiva tradução.

No art. V, n.º 1, da Convenção faz-se recair sobre a parte contra a qual for invocada a sentença o ónus de provar a verificação de algum dos fundamentos de recusa do reconhecimento, excepto quando os mesmos forem do conhecimento oficioso da autoridade competente para o efeito, nos termos do n.º 2 da mesma disposição.

A Convenção não prevê qualquer revisão de mérito da sentença arbitral estrangeira: o erro de facto ou de direito cometido pelo árbitro não é, assim, fundamento de recusa do reconhecimento da sentença; apenas certas irregularidades formais e a ofensa da ordem pública internacional do país de reconhecimento podem, nos termos do art. V, ser opostas ao reconhecimento. A Convenção encontra-se presentemente em vigor em 133 países.

Dado que nenhum instrumento internacional em matéria de reconhecimento e execução de sentenças judiciais estrangeiras logrou até hoje obter um número comparável de ratificações ou adesões, há que concluir que a eficácia internacional das decisões arbitrais se exerce actualmente num âmbito espacial muito mais vasto do que o das sentenças emanadas dos tribunais judiciais.

 

Informação Complementar

Alguns dados relativos à arbitragem internacional em 2001:

  • Foram apresentados no centro de arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (Paris) 566 pedidos de arbitragem;
  • respeitantes a 1.492 partes de 116 países diversos;
  • em 8,6% desses casos pelo menos uma das partes era um Estado ou entidade para-estadual;
  • os lugares dessas arbitragens repartiram-se por 42 países diversos;
  • foram designados ou confirmados ao abrigo do Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional árbitros de 61 nacionalidades diversas;
  • os montantes em litígio excederam um milhão de US dólares em 54% desses casos; e
foram proferidas 341 sentenças arbitrais.

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* Dário Moura Vicente

Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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