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Janus 2004



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Os prazos de prescrição

Fernando Silva *

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Os Estados variam entre a aceitação ou não do efeito temporal na extinção da responsabilidade criminal. De uma forma geral nos países que aplicam a Common Law britânica, não existe lugar para a imprescritibilidade, assim como no estatuto do Tribunal Penal Internacional. Nos restantes ordenamentos jurídicos predomina o sistema de prescrição sem restrições, cujo prazo varia em função da pena aplicável ou da natureza e classificação do crime, definindo alguns Estados crimes que consideram imprescritíveis: em Espanha, por exemplo não prescreve o crime de genocídio.

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Não podemos falar de um único sistema em matéria de prescrição criminal. A postura dos Estados nesta matéria varia entre a aceitação ou não do efeito temporal na extinção da responsabilidade criminal, bem como no modo como se determina esse efeito. Encontramos também divergência entre os sistemas que consagram esta matéria como uma questão substancial, tratada em sede de código penal, e os que o definem como problema de índole processual, consagrando a prescrição no código de processo penal. Verificamos hoje uma tendência para aceitar a sua natureza mista, e que, independentemente do diploma legislativo em que esteja consagrado, actua duplamente, impedindo que contra o agente se possa consubstanciar responsabilidade criminal e que possam ser desenvolvidos impulsos processuais.

 

Sistemas jurídicos em matéria de Prescrição

Sistema de imprescritibilidade

Em alguns ordenamentos jurídico-penais não é aceite a prescrição, podendo sempre haver determinação da responsabilidade criminal por um facto, independentemente do momento em que é tomada a iniciativa processual. Este sistema funciona nomeadamente nos países da CommonLaw.

Em Inglaterra apenas existe prescrição baseada em alguns preceitos dentro do Statute Law, mas o princípio determinante que preside nestes Estados é o de não haver nunca a prescrição, podendo o agente em qualquer momento ser chamado a responder criminalmente por um facto praticado.

No estatuto do Tribunal Penal Internacional, por força da natureza dos crimes nele contidos, está conferida a imprescritibilidade dos crimes. Este facto poderá ter consequências práticas relevantes, sempre que o agente tenha cometido um crime abrangido pelo estatuto do Tribunal Penal Internacional, pois poderá ver a prescrição operar no país em que desenvolveu essa actividade, e de acordo com o qual deveria ser punido, mas ver funcionar subsidiariamente o Tribunal Penal Internacional e ser punido nesta instância internacional.

 

Sistema de prescrição com alguns crimes imprescritíveis

Tendência essencialmente verificada nas instâncias internacionais, que se prende por definir, num sistema que reconhece a prescrição, o seu não funcionamento para os crimes considerados mais graves, particularmente quando estão em causa crimes contra a humanidade. Podemos verificar que em alguns sistemas são especificados os crimes não susceptíveis de prescrição: em Espanha não prescreve o crime de genocídio, na Alemanha a imprescritibilidade verifica-se em relação ao genocídio e ao homicídio, no Brasil em relação aos crimes de racismo e os praticados por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

 

Sistema de prescrição

Em ordenamentos jurídicos como o português, o francês, o italiano, o mexicano, o chileno, não são feitas quaisquer restrições em matéria de prescrição, podendo ela afectar todos os crimes, apenas variando o prazo. O tempo para a prescrição varia em função da pena aplicável ao respectivo crime, ou à classificação e natureza do crime, sendo certo que os prazos maiores abrangem os crimes mais graves. Podem ainda influenciar os prazos de prescrição as características pessoais do agente, como é exemplo o sistema brasileiro, no qual o prazo de prescrição para os crimes cometidos por menores de vinte e um anos ou por maiores de setenta é reduzido para metade.

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Análise comparativa dos prazos de prescrição do procedimento criminal em alguns países

Analisamos exclusivamente os prazos em sede de prescrição do procedimento criminal, ou seja, os que determinam a extinção da responsabilidade criminal, conduzindo à perda do direito de punir do Estado.

 

Países europeus

Em Portugal o prazo de prescrição é de quinze anos para crimes puníveis com pena máxima de prisão superior a dez anos, de dez anos quando a pena máxima é superior a cinco anos e inferior a dez, de cinco anos para crimes com pena entre um e cinco anos de prisão, e de dois anos para os restantes crimes (art.º 118º CP).

Na Itália a prescrição é de vinte anos para crimes com pena máxima igual ou superior a vinte e quatro anos, quinze anos para crimes com pena entre dez e vinte e quatro anos, de dez anos para penas situadas entre cinco e dez anos, de cinco anos para crimes punidos com pena de prisão inferior a cinco anos e com pena de multa, de três anos para as contravenções (art.º 157 CP).

Na Alemanha, com excepção dos crimes não sujeitos a prescrição, o prazo é de vinte e cinco anos para penas privativas da liberdade superiores a dez anos, vinte anos para penas entre cinco e dez anos, de dez anos para penas superiores a um ano e inferiores a cinco, de cinco anos para penas inferiores a um ano de prisão ou penas de multa superiores a trinta dias, de três anos para as restantes penas de multa (§79 StGB).

Em Espanha, os crimes sujeitos a prescrição vêem o prazo variar não apenas em função da pena aplicável, mas também da natureza do crime, estando submetidos aos seguintes prazos: vinte anos quando o crime seja punido com uma pena máxima igual ou superior a quinze anos de prisão, de quinze sempre que a pena aplicável ao crime seja de prisão superior a dez e inferior a quinze anos, ou seja, uma pena de inabilitação por mais de dez anos, prazo de dez anos quando a pena seja de prisão por mais de cinco e menos de dez anos, ou de inabilitação por mais de seis e menos de dez anos, de cinco anos para os restantes crimes graves, de três anos para os crimes menos graves, de um ano para os crimes de calúnia e injúria (art.º 131º CP).

 

Países da América do Sul

Na Argentina, a acção penal prescreve ao fim de quinze anos para crimes sujeitos a prisão perpétua, nos restantes após decorrido o prazo da duração da pena assinalada para o respectivo crime, desde que seja um crime sujeito à pena de prisão, nunca podendo o prazo ser superior a doze anos nem baixar dos dois anos. O prazo de prescrição será de cinco anos para crimes sujeitos a pena de inabilitação perpétua, e de um ano para os que são puníveis com pena de inabilitação temporal, a prescrição para os crimes sujeitos a pena de multa será de dois anos (art.º 62 CP).

No Brasil, a prescrição ocorre em função da pena máxima aplicável, aumentando o prazo proporcionalmente à pena. Assim, para pena até um ano será de dois anos o prazo de prescrição, pena máxima entre um e dois anos, será de quatro anos, para penas entre dois e quatro, prescrição ao fim de oito anos, pena de quatro a oito anos será de doze anos, pena de oito a doze, prazo de dezasseis anos, e finalmente a prescrição ocorre ao fim de vinte anos para crimes com pena máxima situada entre doze e dezasseis anos.

No México, a prescrição depende da pena aplicável. Deste modo, para crimes punidos com pena diferente da prisão, a pretensão punitiva prescreve ao fim de dois anos, e nos crimes punidos com prisão a prescrição será igual à pena máxima aplicável ao respectivo ilícito (art.º 97º CP).

No sistema chileno a acção penal prescreve ao fim de quinze anos caso o crime seja punido com pena de morte, ou de prisão, reclusão ou desterro perpétuos; para os restantes dependerá da natureza do ilícito: para os crimes, o prazo é de dez anos, para os simples delitos, o prazo é de cinco anos, e para as faltas, o prazo é de seis meses (art.º 94 CP).

 

Países da “Common Law”

Nos EUA, no Reino Unido e nos restantes países da Common Law não há prescrição para nenhum crime.

 

Regras sobre contagem da prescrição

São comuns algumas regras sobre a determinação da prescrição e a forma de contar os respectivos prazos. Assim, o início da contagem do prazo corresponderá, regra geral, ao momento da consumação do crime, salvo em casos excepcionais como os crimes permanentes, em que a contagem começa a fazer-se desde o dia em que cessa a execução, e nos crimes continuados ou nas tentativas em que a contagem se inicia com a prática do último acto de execução por parte do agente. A contagem efectua-se por dias.

O decurso da contagem pode estar sujeito a suspensão, sempre que ocorram factos de diferentes naturezas que impeçam a iniciativa processual ou a prática de actos com vista à prossecução do processo; o período da suspensão interrompe a contagem do prazo, reiniciando-se logo que a situação decorra. Pode ainda ocorrer a interrupção da prescrição, sempre que sejam praticadosactos de natureza processual, comoacusação, constituição de arguido,acusação, ultrapassada a circunstânciaque determinou a interrupção a contagemretoma, reiniciando a contagem do prazo,mas começando de novo.

De assinalar ainda a tendência geral para fazer aumentar os prazos da prescrição de forma proporcional às penas aplicáveis aos respectivos crimes, registando-se os prazos maiores para os crimes mais graves.

 

Informação Complementar

Prescrição: noção, fundamento e natureza

A prescrição penal corresponde a uma autolimitação do Estado no que diz respeito ao exercício do poder punitivo, e tem a sua ratio no não exercício, em tempo útil, do direito de prosseguir criminalmente contra o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado. Funciona como causa de extinção da responsabilidade criminal, impedindo qualquer tipo de punição para o agente, que seja relativo ao facto prescrito. O seu fundamento pode encontrar-se em razões várias, estando essencialmente relacionado com os fins da pena, ou melhor, com a necessidade de aplicação de uma pena, que assenta em princípios de prevenção especial ou geral preventiva, incidindo quer sobre o agente quer sobre a própria comunidade, cujo tempo se incumbe de desvanecer, tornando inútil a aplicação da pena.

Podemos justificar este instituto também por motivos de segurança jurídica ou de justiça material, partindo do pressuposto de que uma sentença condenatória aplicada a uma distância temporal excessiva dificilmente cumprirá funções de justiça ou de segurança; bem pelo contrário, a proximidade das decisões relativamente ao momento da prática do facto será mais adequada a cumprir esses fins. Podemos ainda invocar razões processuais para fundamentar a prescrição do procedimento criminal, relacionadas com a dificuldade de investigação e de recolha de prova, podendo mesmo conduzir a resultados falsos ou deturpados.

De uma forma geral, podemos concluir que o decurso do tempo torna o facto não carenciado de punição, conduzindo ao seu afastamento, deixando o acto praticado de relevar como acto criminoso para qualquer efeito. O decurso do tempo vai diminuindo a consciência de censura que sobre aquele facto recai.

 

Tipos de Prescrição

A prescrição pode assumir duas formas distintas, actuando sobre momentos diferentes e provocando efeitos também não coincidentes.

 

Prescrição do procedimento criminal – Corresponde ao tempo decorrido entre a prática do crime e o procedimento criminal com vista à atribuição de responsabilidade criminal por esse facto, determinando a extinção da responsabilidade criminal. Inicia a sua contagem a partir do momento da consumação do facto, dependendo este momento do tipo de crime e da forma do mesmo. Funciona como um pressuposto processual negativo, que actua automaticamente sem ser possível a renúncia ou a sua não aplicação. Para que possa haver atribuição de responsabilidade é necessário que a iniciativa processual seja dada antes de decorrido certo período de tempo.

 

Prescrição da pena (também aplicável às medidas de segurança) Corresponde à extinção da possibilidade de execução de uma pena aplicada por sentença condenatória transitada em julgado. Após a condenação, é conferido ao Estado um período de tempo para poder executar a medida aplicada, o que pressupõe a comprovação de ter sido cometido um crime e de o agente ter sido considerado culpado, por isso ter sido punido, mas a pena não foi aplicada em tempo útil.

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* Fernando Silva

Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Docente na UAL. Doutorando em Direito.

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