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Janus 2004



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Serviços prisionais

Luís de Miranda Pereira *

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Segundo W. Churchill, o desenvolvimento social de um país poderia ser avaliado pela forma como o Estado trata aqueles que são punidos com a privação da liberdade. Nos países democráticos, com a responsabilidade de garantir um sentimento de segurança, os serviços prisionais são encarados como o culminar do processo de justiça penal. A característica que marca negativamente o nosso sistema prisional é a sobrelotação, que se traduz no facto de no contexto europeu ocidental apresentarmos o maior número de presos por 100.000 habitantes, situação que se deve à longa duração das penas.

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Segundo terá referido Sir Winston Churchill, o nível de desenvolvimento social de um país afere-se, antes do mais, pela situação dos serviços prisionais e, consequentemente, pela forma como são tratados pelo Estado aqueles que são punidos com privação da liberdade. A tal noção não será estranha a importância que os países democráticos dão aos serviços prisionais respectivos. A forma como funcionam, a selecção e formação do pessoal, a estrutura organizativa, a racionalização e optimização dos custos de funcionamento e investimento, a segurança para o público, pessoal e reclusos, a avaliação de resultados, são aspectos determinantes na construção diária da resposta dos serviços.

Comum aos países democráticos é ainda a noção de que os serviços prisionais são os destinatários finais de todo um processo de justiça penal que a montante determina a realidade a que os serviços respondem. Como comum é a noção de que detêm a responsabilidade de contribuírem para garantir o sentimento de segurança da população e, ao mesmo tempo, de contribuírem também para a relevância social da noção de reinserção social, implicitamente contendo a “obrigação expectativa” de ajudar a recuperar os que cumpriram sanções privativas de liberdade.

Um ponto de união das políticas dos vários Estados e um pólo de cooperação internacional é a procura contínua da resposta mais adequada às necessidades do consciente comunitário organizado. Tal sucede através do permanente ajustamento sistémico, em muito condicionado pelas tendências conjunturais da chamada opinião pública (e da conquista de votos inerente à lógica de governo decorrente da concorrência partidária), pela investigação académica, e pela dinâmica normativa de instituições internacionais determinantes, como as Nações Unidas e o Conselho da Europa.

O caso português é um exemplo vivo das contradições paradoxais que surgiram compreensivelmente após 1974 e que, em alguns casos, ainda não foram resolvidas, entre objectivos de tratamento penitenciário e de sistema operativo, próprios da democracia, e da relativa incapacidade de adequar a herança estrutural e de meios do regime anterior. De facto, apesar da modernidade, para o tempo, da Lei de Execução das Penas de 1979, nunca foi possível sair das amarras limitadoras, culturais, de infra-estruturas, e de organização e orçamentação, existentes à época, e que nunca acompanharam adequadamente a evolução e alteração da realidade social relativamente à delinquência e aos normativos que a punem.

A lei de execução das penas, sendo o pilar essencial do tratamento penitenciário e da regulação dos direitos e deveres dos reclusos e da administração penitenciária, não passa de um guião de intenções e um parâmetro definidor de frustrações, se não for servida por uma rede moderna, ou actualizada, de estabelecimentos prisionais, bem localizados e com características de gestão e rendibilização de meios adequadas, para além de uma estrutura de pessoal motivado, com formação própria, e dimensão numérica ajustada às necessidades da segurança e do tratamento penitenciário.

Apesar das tensões que caracterizam a situação portuguesa não serem estranhas a outras administrações prisionais, já a situação que marca decisivamente e desestabiliza o funcionamento do sistema prisional é internacionalmente desabonatória da nossa realidade e está na base da sobrelotação, o factor que mais perturba e condiciona o funcionamento do sistema. É ela o facto de sermos no contexto europeu ocidental o país com mais presos por cem mil habitantes. Isto apesar do nosso baixo nível de criminalidade e de o número de decisões judiciais de prisão efectiva terem vindo a baixar nos últimos anos.

Este quadro sui generis resulta fundamentalmente da longa duração das penas em cumprimento e do endurecimento, com origem na reforma penal de 1995, no processo e condições de obter a concessão de liberdade condicional. Os presos entram por longos períodos e só saem em fase muito adiantada das respectivas penas, logo o número aumenta e cresce mais rapidamente que a capacidade do Estado em construir novas prisões e equipar o sistema de meios, de forma equivalente à pressão com que se defronta. Daqui o elevadíssimo número de presos por cem mil habitantes e a sobrelotação do sistema. Sempre que em outros países se verificou fenómeno semelhante, o resultado foi idêntico.

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No momento actual o sistema prisional assenta a sua estrutura operativa em 56 estabelecimentos prisionais em funcionamento. Destes, quatro centrais e um especial para mulheres foram construídos ou adaptados depois de 1974. Os restantes são os 13 centrais e os 3 especiais (mulheres, jovens e hospital) já antes a funcionar e os 35 regionais, assim classificados depois da extinção, nos anos sessenta, de dezenas de outras cadeias comarcãs então existentes. Pouco se evoluiu relativamente a uma realidade prisional assente em estabelecimentos centrais indiferenciados e regionais, herdeiros de uma estrutura de implantação justificada pela rede viária e de transportes dos anos cinquenta.

A resposta do século XXI está e continua, assim, refém da estrutura dos serviços da primeira metade do século XX. Ao que acresce ter a sobrelotação subvertido a lógica de distribuição de reclusos que tinha alguma coerência. Os EP regionais passaram a conter em permanência preventivos e condenados, por vezes mais condenados que preventivos, os EP centrais para preventivos a mesma coisa, a possibilidade de desenvolver regimes especiais para grupos ou tipos de reclusos, está praticamente impossibilitada. 

Investimentos relevantes foram entretanto feitos, nos últimos anos em muitos estabelecimentos, nomeadamente quanto à erradicação do balde higiénico e na tentativa de combater a sobrelotação.

O resultado conseguido não é, no entanto, salvo contadas excepções, de molde a ter melhorado o nível de resposta às exigências de aplicação da lei de execução das penas. De facto, utilizaram-se edifícios e estruturas desadequados à missão de estabelecimento prisional com consequências negativas relativamente a custos de construção e funcionamento e ao funcionamento em si mesmo. Para aumentar a lotação insistiu-se no uso intensivo de camaratas em vez das celas individuais, mas com efeitos perversos ao nível do tratamento penitenciário.

Nunca se investiu de forma estruturada na formação dos vários tipos de pessoal e as despesas de funcionamento nunca acompanharam em correspondência os efeitos dos investimentos. Noutro campo, os serviços foram marcados negativamente pela opção não efectivada de substituir nos estabelecimentos a acção do Instituto de Reinserção Social. O clima de estagnação provocado por tal opção prejudicou gravemente uma resposta que existia, sem clarificar o que fazer face ao vazio deixado, o que se procura agora remediar.

Os Serviços Prisionais portugueses vivem um claro momento de crise e também de expectativa. Apesar disso, há que realçar a enorme dedicação da generalidade do pessoal e aspectos pontuais de grande qualidade de intervenção, conseguindo--se um difícil e frágil equilíbrio assente fundamentalmente na acção dos que actuando no sistema – é de referir a intervenção dos professores do Ministério da Educação – têm conseguido escapar à tentação dos equilíbrios baseados na desistência de lutar pela aplicação de modelos positivos – o que é atractivo para a cultura negativa de reclusão – não desistindo de prosseguir a missão dos serviços. A questão prisional está, hoje, colocada ao nível da discussão das questões de Estado com a nomeação, pela Ministra da Justiça, da Comissão para o Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, presidida pelo Professor Doutor Freitas do Amaral.

Através do trabalho da Comissão, pretende-se criar as condições necessárias à obtenção de um consenso alargado ao nível nacional, que permita, numa visão estratégica que rompa com as amarras existentes, a aprovação de um programa de reforma e investimento a médio e longo prazo – contemplando as questões a montante do sistema, a actualização das leis de execução das penas e dos tribunais de execução das penas, uma nova estrutura de implantação dos estabelecimentos, as questões orgânicas, de pessoal e de funcionamento, as questões de articulação com outros serviços, etc.

Esta iniciativa é determinante para a inflexão da situação actual e para o materializar de caminhos de reforma que outros países percorreram ou vêm a percorrer há cerca de uma década. É tempo de olhar para o nosso país e podermos ler sem sobressalto a frase paradigmática de Churchill.

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* Luís de Miranda Pereira

Director Geral dos Serviços Prisionais.
Ex-Presidente do Instituto de Reinserção Social. Ex-Presidente do Conselho de Cooperação Penológica do Conselho da Europa. Ex-Vice Presidente da Conférence Europeénne de la Probation. Membro do Comité Director da Reforma do Sistema Penitenciário Russo (UE/CE). Fundador e Vice Presidente da APAV.

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Dados adicionais
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Link em nova janela Sistemas prisionais europeus: taxa de ocupação (2001)

Link em nova janela Taxa de detenção por 100.000 habitantes (2001)

Link em nova janela Sistemas prisionais europeus: taxa de reclusos preventivos (2001)

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