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A diversificação da economia portuguesa e a África Lusófona

Luís Saramago *

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País europeu mas com uma vocação universalista consolidada ao longo de séculos, Portugal viu acentuar-se nas últimas décadas a sua vertente europeia − reflectindo a dinâmica conjugada de diversos fenómenos cruciais, desde a abertura económica e a emigração dos anos 60 até à integração comunitária dos anos 80, passando pela democratização e a descolonização da década intermédia − assim se chegando à situação actual, em que o relacionamento externo da economia portuguesa se orienta, de forma acentuada, para a União Europeia, embora não menospreze a diversificação para espaços alternativos onde disponha, para além de um adequado manancial de conhecimentos sobre esses mercados, de afinidades de outra ordem − como linguísticas, de costumes ou de enquadramento jurídico.

É deste ponto de vista que mais interessa abordar os cinco países da África Lusófona (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa − PALOP), com os quais continuam a existir laços especiais, sobejamente conhecidos e ditados pela História. Importa, contudo, ter presentes as limitações objectivas dos PALOP enquanto mercados, que decorrem de factores como a dimensão económica dos mesmos (o PIB conjunto dos cinco representa hoje não mais que 13% do PIB português) ou a relativa debilidade das suas estruturas − físicas, económicas e administrativas, por exemplo (embora se deva sublinhar que os PALOP estão longe de ser homogéneos no tocante a este aspecto).

 

Por terras de mufete e calulu

É sobre Angola que as atenções habitualmente mais se concentram quando se fala da África lusófona no plano económico. Trata-se da maior economia, com um PIB que terá rondado 12 biliões de euros em 2002 (mais de 70% do total estimado para o conjunto dos PALOP), com um vasto potencial de desenvolvimento e com fluxos financeiros gerados em dois sectores de enclave (responsáveis por 61% do PIB angolano, em média, no período 1999/2003) que são o petrolífero, com uma extracção bruta que se aproxima dos 940 mil barris/dia (sendo o quarto maior produtor africano e segundo subsariano), e o sector dos diamantes, onde Angola é o quarto maior produtor a nível mundial, em termos de valor (além de se contar entre aqueles que fornecem gemas de melhor qualidade).

A sociedade angolana atravessa actualmente uma fase de mudanças consideráveis, determinada em primeiro lugar pelo fim do conflito armado generalizado, em Abril de 2002 (após quatro décadas de guerra, primeiro colonial e depois civil). Mas também, por uma maior abertura política (patente ao nível da comunicação social, do debate partidário ou de iniciativas da sociedade civil), a par de uma diversificação produtiva que se vai afirmando (crescimento a taxas reais estimadas em mais de 7% ao ano desde 2000) e, desde 2003, uma tendência para a estabilização nominal (abrandamento da cadência inflacionária associado a estabilidade cambial em contexto liberalizado), aceleração das reformas económicas − maior rigor orçamental, modificações operacionais na esfera monetária e cambial, fomento à iniciativa empresarial com novo enquadramento jurídico do investimento privado que aligeirou os procedimentos administrativos e reforçou as garantias de que gozam os investidores. Tradicionalmente presente no mercado angolano, Portugal foi, quase invariavelmente, o primeiro país de origem das importações angolanas, com cerca de 25% do total, em média, na década de 90 e uma estimativa de aproximadamente 16% no biénio 2002/03 (abrangendo uma vasta gama de produtos, com destaque para as Máquinas e Aparelhos e para os Bens Alimentares, mais 5 a 7 grupos de produtos com valores relevantes).

Angola passou a ser o nono maior mercado em 2000, cabendo-lhe dois anos depois uma quota de quase 2,0% das exportações totais (contra 1,2% em 1999, embora ainda longe dos 4,5% registados em 1992), a que não é estranha a presença como investidoras de empresas nacionais em sectores como a banca ou a construção, sendo os empresários portugueses, segundo dados oficiais angolanos, responsáveis por cerca de metade do investimento directo estrangeiro oficialmente registado em Angola na década de 90 (excluindo o sector petrolífero), tanto em número de projectos como em valor.

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De Angola à contracosta

Também no caso de Moçambique se constata que as empresas portuguesas prestam um contributo importante para o desenvolvimento, com destaque para a banca, a construção (que funciona como pólo para actividades como a gestão hoteleira e distribuição de automóveis), e o turismo, sector dos mais dinâmicos desde o fim da guerra civil, em Outubro de 1992. À data apontado como um dos países mais devastados e pobres do mundo, já então recebia encómios pela forma como vinha concretizando a abertura económica, encetada em 1986/87, e conduzindo a gestão macroeconómica, pese embora as catastróficas cheias de 2000, tendo a economia moçambicana evidenciado um significativo progresso global (embora concentrado na área de Maputo), patente no facto de o PIB per capita ter ultrapassado os 210 dólares em 2002, nível diminuto mas que representa uma melhoria assinalável face aos 60 dólares estimados uma década antes. 

Com a estabilidade política preservada, a estabilidade macroeconómica em consolidação, um ambiente relativamente favorável à iniciativa privada e os apoios da comunidade internacional a afluírem de forma significativa, Moçambique foi atraindo investimento estrangeiro, com destaque para o proveniente da África do Sul, (pela dimensão económica e proximidade geográfica), principal parceira de Moçambique em quase todos os domínios, embora deixando espaço para as empresas portuguesas se afirmarem na posição imediata.

 

Ilhas e tabancas

Cabo Verde é, de entre os cinco PALOP, o país cujos indicadores de desenvolvimento melhor evoluíram desde a independência, com um regime democrático consolidado e uma economia pujante que cresceu 6% ao ano desde a instauração do multipartidarismo, em 1991. Bem dotada (sobretudo no panorama africano) em recursos humanos ou infra-estruturas físicas e jurídico-administrativas, com um historial de estabilidade financeira globalmente positivo, a economia cabo-verdiana liberalizou-se e abriu-se ao exterior no decurso da década de 90, com reflexos na pujança e na modernização notória das actividades mais dinâmicas, como, os serviços e o turismo. Aproveitando de forma exemplar as afinidades existentes, as empresas portuguesas destacam-se claramente entre os parceiros da economia cabo-verdiana, assumindo o papel principal como fornecedoras de mercadorias (mais de metade do total no período 1998/2002, com tendência crescente) ou investidoras (nos mais variados sectores, sobressaindo a actividade financeira, o turismo, as telecomunicações e a energia), mas também, como clientes do reduzido sector exportador de mercadorias (mais de 90% do total em 2001/02). Portugal afirma-se ainda, na segunda ou primeira posição, como país de origem dos turistas e das remessas de emigrantes, definindo assim uma relação de proximidade sem par no contexto lusófono.

São Tomé e Príncipe tem estado em foco, nos últimos anos, sobretudo por duas razões: a instabilidade política e a extracção de petróleo − factor este que deverá marcar uma alteração crucial no funcionamento da economia santomense já a partir do ano em curso, quando derem entrada as primeiras receitas resultantes da atribuição das licenças de exploração (estimadas em mais que 250% do PIB), embora o início da produção só esteja previsto para 2012, caso se confirme a viabilidade comercial. Poderão, assim, abrir-se novas perspectivas para uma economia marcada pelo isolamento e pela estreiteza da base produtiva − onde predominam as actividades terciárias de baixo valor acrescentado e as primárias de subsistência (em paralelo com outras culturas, como o café e, sobretudo, o cacau, outrora florescente mas em acentuado declínio).

A concretização de tais perspectivas contará certamente com o contributo das empresas portuguesas, que também no caso santomense se destacam entre os parceiros externos, assegurando mais de metade das importações de mercadorias − a culminar uma tendência crescente encetada em meados da década de 90 (em paralelo com o desenvolvimento da actividade turística, incontestável ponto forte do país). Se a sociedade santomense tem sido afectada pela instabilidade política, a Guiné-Bissau pode queixar-se muito mais do mesmo − com a agravante de tal instabilidade ter chegado a redundar em conflito armado e de não haver a perspectiva do petróleo (as jazidas que se sabe existirem estão ainda longe de qualquer tipo de aproveitamento comercial).

Além do sofrimento imposto às populações, o golpe militar de 1998 e as suas sequelas resultaram numa contracção da economia equivalente a cerca de 23% até 2002, com uma significativa deterioração das infraestruturas e uma retracção generalizada do já escasso investimento estrangeiro. Foi o caso das empresas portuguesas, ainda as principais fornecedoras de mercadorias e fortemente presentes no reduzido mercado guineense até essa altura (desde a banca ao turismo, passando pela produção de cerveja).

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* Luís Saramago

Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Assessor do Administrador Executivo de Portugal no FMI. Técnico Assessor do Banco de Portugal.

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Dados adicionais
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