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Noruega: potência mundial da resolução de conflitos A Noruega especializou-se, nos últimos anos, no apoio a transições pacíficas em países em conflito. Sobretudo desde a sua coroa de glória – as negociações de paz no Médio Oriente –, este tipo de intervenção converteu-se numa prioridade da política externa de Oslo, com o desenvolvimento do que podemos designar “modelo norueguês”, que corresponde à invulgar cooperação entre autoridades governamentais e organizações civis. De facto, o envolvimento da Noruega em processos de paz tem sido frequentemente iniciado por organizações não-governamentais ou instituições académicas. A sua experiência e consequente conhecimento aprofundado da situação política no terreno, a sua rede de contactos e as boas relações com organismos governamentais e sociedade civil nos países em causa, construídas ao longo de largos anos, criam a base da participação nos processos de paz em estreita cooperação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros. A Noruega surge, neste contexto, como um facilitador relevante e útil no momento em que as facções beligerantes começam a explorar a hipótese de alcançarem um acordo negociado, o que lhe permite aceitar os desafios que outros recusam. De um modo geral, a Noruega empenha-se na manutenção da paz e segurança internacionais com base nas Nações Unidas, que apoia activamente. São, porém, várias as vantagens comparativas de que usufrui e que justificam a preferência pelo seu envolvimento no número considerável de tentativas para alcançar a paz que tem pautado a sua acção internacional dos últimos anos. Além de um país pequeno, sem interesses geoestratégicos ostensivos e sem um passado colonial, a Noruega goza de respeito generalizado como uma terceira parte imparcial, confiável e sem poder militar ou económico capaz de ameaçar as partes. Não age como um “mediador musculado” que usa meios coercivos para impor soluções às facções em conflito. Pelo contrário, o facto de a Noruega ser chamada a actuar como facilitadora de negociações políticas depende da genuína vontade das partes beligerantes de alcançar a paz e da sua opção justamente por este tipo de papel. Esta mais-valia permite a Oslo produzir, assim, resultados em locais onde os esforços multilaterais ou de grandes potências fracassaram. Outro dos seus trunfos é o facto de o tipo de intervenção levada a cabo pela Noruega jogar particularmente bem com os conflitos típicos do pós Guerra Fria – intra-estatais e com um forte elemento de assimetria (Estados contra rebeldes). A Noruega beneficia ainda da imagem de país pacífico e generoso, difundida mundialmente e por ela mesma cultivada. Anfitriã do prémio Nobel da Paz, doadora de quase 1% do seu produto interno bruto em ajuda externa e uma das grandes contribuidoras das operações de transição, a Noruega foi ganhando a reputação de principal exportadora de “agentes da paz”. Os vários acordos que ajudou a arquitectar construíram o perfil actual da Noruega enquanto superpotência da resolução de conflitos. A chave do seu relativo sucesso assenta na paciência e persistência. As conversações de paz prolongam-se, em regra, por vários anos e a Noruega tem demonstrado vontade e capacidade para se manter empenhada desde o período das negociações até à fase da reconstrução pós-bélica. Rico em petróleo e com um dos mais altos produtos internos brutos do mundo, o Estado norueguês investe esses fundos de forma sólida patrocinando financeiramente a construção da paz. A Noruega goza de estabilidade política, um alargado e consistente apoio político interno e um generalizado consenso em torno da sua participação nos processos de paz, independentemente do governo no poder, sustentada por um sentido de responsabilidade moral colectiva que se deve, em grande medida, à sua matriz protestante e respectiva vocação missionária. A ideia da Noruega enquanto construtor da paz global é unanimemente perfilhada pelos seus nacionais, não sendo alheio a este apoio incontestável o facto de os cidadãos noruegueses lucrarem muito directamente com esta política: despender tempo e dinheiro em países em conflito e em desenvolvimento tem-lhes garantido emprego em variadíssimas organizações. O papel que a Noruega tem vindo a desempenhar, na última década, em termos de resolução de conflitos não é, de facto, completamente altruísta. O seu maior benefício advém, porém, do facto de servir claramente os interesses definidos pela política externa de Oslo. A aposta em áreas do mundo tão dispersas quanto o Médio Oriente, o Sudeste Asiático, África e América Latina tem dado frutos e tem-se revelado diplomaticamente compensadora, conferindo à Noruega um estatuto de “potência moral” que lhe proporciona uma capacidade de influência nas relações internacionais – em especial no seio das Nações Unidas e junto da União Europeia e dos EUA – que excede o que, porventura, seria expectável para um pequeno país.
A intervenção norueguesa no conflito do Sri Lanka Na sequência de mais de 60.000 mortos em 18 anos de guerra civil, o Sri Lanka passou os dois últimos anos num processo de paz que, embora frágil, tem primado pela hábil facilitação da Noruega. Os esforços para alcançar a paz têm sido intermitentes, ao longo de um tortuoso caminho desde a independência, até à última declaração de cessar-fogo, em Dezembro de 2001, e subsequente assinatura de um “Memorando de Entendimento”, em Fevereiro de 2002, entre o governo do Sri Lanka e o LTTE, que serve de base às actuais negociações. A Noruega agarrou a “janela de oportunidade” que se vislumbrava no conflito do Sri Lanka e forneceu às partes envolvidas apoio para o recomeço do processo político, tirando, oportunamente, vantagem das mudanças nacionais e internacionais favoráveis. A exaustão da guerra por parte da própria população foi essencial para o início das negociações. No final de 2001, as sondagens de opinião reflectiam muito claramente o desejo de uma solução pacífica para o conflito. Outro factor crucial foi o reconhecimento por ambas as partes de que a solução para o conflito no Sri Lanka teria de passar por um acordo político negociado, dado o esgotamento da via militar. O LTTE viu as suas fontes de financiamento drasticamente diminuídas na sequência dos ataques do 11 de Setembro, falhou na tentativa de expulsar o exército da região tâmil e tinha perfeita noção de que, mesmo que o tivesse conseguido, nunca seria reconhecido como Estado independente, dado o seu passado enquanto organização rotulada de terrorista. Neste sentido, a paz dava aos rebeldes uma oportunidade de ganhar legitimidade e reconhecimento. Por sua vez, o governo apercebeu-se de que a resistência à penetração do governo na região tamil seria contínua e os rebeldes conseguiriam perturbar a estabilidade estatal. Além disso, o número de mortes tornava-se insustentável perante a comunidade internacional. O chamado “impasse mutuamente doloroso” era finalmente perceptível. A motivação e empenho de ambas as partes para iniciar o diálogo foram apoiados pelas transformações internas que ocorreram nessa altura. As eleições parlamentares de Dezembro de 2001 forçaram à coabitação entre os maiores partidos cingaleses, o que propiciou um acordo institucional importante para que não houvesse bloqueios ao processo de paz, como tinha acontecido anteriormente. Por sua vez, entre os tâmiles, a cooperação entre a Aliança Nacional Tamil e o LTTE trouxe o último de volta ao debate político. O processo de paz beneficiou visivelmente destas mudanças. Ao acentuar a sua pressão sobre o governo e sobre a rede internacional do LTTE que apoiava substancialmente a luta armada a nível ideológico e material, a comunidade internacional contribuiu indubitavelmente para a decisão de encetar negociações. O compromisso financeiro de fundos para a reconstrução do país alimentou igualmente um optimismo em relação ao processo de paz. Aproveitando os factores auspiciosos que se conjugavam, a Noruega encabeçou a tentativa de auxiliar a resolução do conflito. Agindo como facilitadora, desde 1998, de forma a reavivar a comunicação entre as partes, centrou, posteriormente, os seus esforços na promoção de uma conciliação entre as respectivas posições, que resultou no seu primeiro grande sucesso: o Memorando de Entendimento. Neste âmbito, encarregou-se, por sua vez, de chefiar a missão de monitorização, o que ajuda a criar confiança entre as partes e tem uma função de dissuasão, assegurando que as violações ao cessar-fogo tenham um considerável custo político. Garantiu, igualmente, o apoio alargado da comunidade internacional à resolução do conflito. O processo de paz foi, contudo, ensombrado por uma série de incidentes. Em 2003, parecia estar em ruínas, com a suspensão das negociações, lembrando um passado devastador de acordos fracassados. Mais arrasadora do que a intransigência de um LTTE reforçado politicamente na região norte e leste do país, tem sido a incapacidade dos principais partidos cingaleses em cooperarem entre si, tal como já tinha sucedido nos anos 50 e 60. Esta fragmentação política e falta de consenso foram dando espaço aos partidos da oposição e aos grupos budistas nacionalistas, opostos a quaisquer concessões de cariz federal aos tâmiles e adversos à crescente intervenção externa, e que representam, consequentemente, um sério obstáculo à paz. A competição entre partidos políticos cingaleses – característica inerente a uma democracia – tem, de facto, instrumentalizado a causa tâmil, impedindo os compromissos necessários ao fim da guerra civil. Os últimos desenvolvimentos não auguram facilidades para a continuação do processo de paz, com a crescente influência dos partidos nacionalistas na governação do país, desde as últimas eleições de Abril deste ano, e a consequente exigência da retirada da Noruega, acusada de favorecer o LTTE nas negociações. O imprescindível equilíbrio entre as divergentes aspirações e interesses tâmil e cingalês parece cada vez mais problemático. O sucesso das negociações e, em última análise, a solução para este conflito exigirá concessões dolorosas para ambas as partes e passará, inevitavelmente, por um renovado consenso, não só entre as partes como no seio dos partidos políticos cingaleses – algo que dependerá, em muito, do contributo decisivo da Noruega e da restante comunidade internacional.
Informação Complementar SRI LANKA: NACIONALISMOS EM CONFLITO Imediatamente após a transição do colonialismo para a independência – que se dá em 1948 de forma pacífica –, o Sri Lanka transforma-se num local de conflito entre projectos de Estados-nação em oposição, protagonizados pelos dois maiores grupos étnico-religiosos do país: cingaleses – maioritariamente budistas – e tâmiles (do Ceilão e de origem indiana) – predominantemente hindus. Baseado numa sólida noção de indivisibilidade do Estado, o nacionalismo cingalês emerge e impõe-se como força política dominante, não reconhecendo a constituição multiétnica do país e recusando a partilha de poder exigida pelo nacionalismo tâmiles. Beneficiando do acesso ao governo desde a independência, consegue traduzir para a política estatal a sua reivindicação de um domínio da maioria cingalesa na sociedade do Sri Lanka, instituindo um Estado fortemente comprometido com os interesses da maioria étnica e contrariando as vantagens, consideradas desproporcionais, de que os tâmiles gozavam no período colonial britânico. O Acto de Cidadania de 1948, a adopção do cingalês como língua única oficial em 1956 e, especialmente, a nova Constituição de 1972 (que marca o nascimento da República do Sri Lanka, até então Ceilão) reflectem a imposição do modelo de Estado unitário, a redução drástica das salvaguardas dos direitos das minorias e o reforço do estatuto da língua cingalesa e do budismo como religião do Estado. A discriminação contra a população tâmiles vai-se acentuando à medida que o Estado se identifica progressivamente com os interesses da população cingalesa e dos grupos nacionalistas extremistas. Durante a década de 60, a população tâmiles reage à discriminação e repressão de que é alvo através de exigências políticas e de um movimento de protesto não-violento (satyagraha). Os anos 70 evidenciam, porém, uma tendência crescente para o separatismo e a militância tâmiles, como consequência das políticas nacionalistas dos governos cingaleses. A exigência da criação de um Estado independente – Tâmiles Eelam – vai ganhando apoio e vários grupos de jovens são facilmente mobilizados para a luta armada, protagonizada pelo LTTE (Liberation Tigers of TâmilesEelam). O extremar de posições – em que o Estado é desafiado por uma rebelião secessionista no norte e leste da ilha – aumenta dramaticamente a tensão étnica e polarização da sociedade e dá azo a uma nova fase de confrontos violentos que conduzem, em 1983, ao início da guerra civil no Sri Lanka. GREER, Mark (2003) – “Norway’s Peace Role”. Medill News Service, www.medillnewsdc.com/ RUPESINGHE, Kumar (ed.) (1998) – Negotiating Peace in Sri Lanka. Efforts, Failures & Lessons. London: International Alert. WAGNER, Christian (2004) – “Sri Lanka – A New Chance for Peace?”. German Institute for Internationaland Security Affairs Series (BP 04/01), www.eias.org/publications/briefing/2004/srilankapeace.pdf Sri Lanca: divisão da região Tamil Eelam
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