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James Carter e as experiências de mediação

Mónica Rafael Simões *

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A emergência de actores não tradicionais relevantes envolvidos em actividades de mediação e de resolução pacífica de conflitos pode ser considerada como um dos desenvolvimentos recentes mais interessantes na cena política internacional.

 

Iniciativas informais de resolução pacífica de conflitos

A presença de Organizações Não Governamentais (ONG) em zonas de conflito e em actividades de construção da paz e a problemática sobre a politização da sua acção – nomeadamente a sua participação na governação global e a sua concorrência à hegemonia dos Estados como principal actor nas relações internacionais – não é hoje um fenómeno novo. Contudo, a crescente amplitude e variedade de actividades das ONG durante a última década, passando a englobar funções tradicionalmente desempenhadas por governos e organizações internacionais, traduz um alargamento significativo do papel e da relevância deste novo actor poderoso no cenário global.

De facto, as iniciativas de construção da paz através da diplomacia não oficial ou informal assumem uma relevância crescente na realidade internacional, questionando a concepção realista das relações internacionais em que o Estados e as organizações internacionais por estes criadas eram os únicos actores relevantes. Este tipo de intervenção assume variadas formas, podendo envolver a intervenção activa em processos de mediação entre facções em conflito, a formação e disseminação de conhecimento sobre formas de resolução não violenta de conflitos ou a parceria com entidades locais na implementação de ambos os tipos de acção.

 

Tipologia dos actores não-governamentais

O universo dos actores não governamentais especializados em resolução ou mediação de conflitos apresenta uma grande variedade de iniciativas, estatuto, valores, tipos de financiamento e orientação doutrinal. Podemos identificar os seguintes exemplos:

• Personalidades públicas com reconhecimento político ou moral internacional;

- Fundações e outros think tanks, universitários ou não;

- Associações humanitárias;

- ONG religiosas / ecuménicas.

O seu envolvimento local, nacional e internacional nos domínios da prevenção e resolução de conflitos, do alerta precoce, da mediação internacional, no reforço do estado de direito e na promoção de práticas democráticas é um desenvolvimento ainda mais recente que representa o ampliar do seu papel e influência. O trabalho destes actores em matéria de construção da paz cobre uma ampla gama de iniciativas e práticas, que vão de métodos tradicionais ou alternativos de mediação a medidas de acompanhamento de processos de reconstrução pós-bélica, havendo sem dúvida um importante conjunto de experiências a assinalar, das quais são exemplo as iniciativas de organizações como a InternationalAlert e Conciliation Resources, o Center forConflict Resolution, o Carter Center ou a Comunidade de Santo Egídio.

 

O exemplo do Centro Carter

O Centro Carter, criado em 1982 pelo 39.º presidente norte-americano James Carter e a sua mulher Rosalyn, é um interessante exemplo deste novo tipo de activismo. A inserção na Universidade de Emory garante ao Centro o acesso a pesquisa, conhecimento e experiência, traduzindo uma ligação considerada cada vez mais importante entre o meio académico e a sociedade civil, numa sinergia que beneficia ambas as partes. O Centro Carter, com actividades desenvolvidas em mais de 65 países, tem três regras gerais de funcionamento: não duplicar as actividades de outras organizações; preservar a autonomia das suas iniciativas relativamente à política externa norte-americana; e combinar o trabalho de análise científica com a concretização política no terreno.

Os principais programas do Centro Cárter incidem particularmente nas áreas humanitária e de resolução de conflitos. A actividade humanitária do Centro é constituída por projectos de saúde e nutrição, sendo os seus principais objectivos a erradicação e o controle de doenças infecto-contagiosas através da vacinação e da educação sanitária e o desenvolvimento económico das sociedades em vias de desenvolvimento. A segunda linha de trabalho é a promoção da paz, em que as principais actividades desenvolvidas incluem a promoção da democracia – através da monitorização/mediação de eleições, da promoção da transparência e do reforço da sociedade civil –, a resolução de conflitos, através da prevenção e da procura de soluções pacíficas para conflitos civis, e a prevenção de violações de direitos humanos.

 

A Rede Internacional de Negociação

Neste contexto, o Centro Carter, juntamente com a Universidade de Emory, criou a Rede Internacional de Negociação (InternationalNegotiation Network – INN), um órgão informal de resolução de conflitos constituído por laureados com o Prémio Nobel da Paz, antigos chefes de Estado, organizações internacionais, universidades, fundações, peritos em resolução de conflitos e ONG’s, inserido no seu Programa de Resolução de Conflitos, o qual monitoriza regularmente vários dos conflitos armados no mundo, numa tentativa de melhor compreender as suas causas, os principais actores envolvidos, as questões em disputa e os esforços existentes para a sua resolução. Os principais objectivos do trabalho da Rede Internacional de Negociação são os de dar a conhecer ao mundo os actuais conflitos internos violentos e as suas causas, acompanhar a sua evolução, estudar meios de resolução pacífica de conflitos e promover iniciativas de mediação.

 

Parceiros da Rede Internacional de Negociação

A INN foi concebida para funcionar como uma rede que combina vários recursos disponíveis internacionalmente a diferentes níveis, evitando a duplicação de esforços e colaborando com organizações existentes para responder de forma mais eficaz aos conflitos mais violentos. Desde o seu início tem trabalhado com líderes mundiais e em colaboração com entidades, tais como o Programa de Negociação de Harvard, o Departamento de Pesquisa em Paz e Conflitos da Universidade de Uppsala (DPCR) e o Instituto de Investigação para a Paz de Oslo (PRIO). Um exemplo de sucesso do trabalho desenvolvido pela INN foi um projecto no Báltico, que reuniu nacionais da Estónia, russos a viver na Estónia e russos de Moscovo, para debater a integração da comunidade de língua russa na sociedade estónia.

 

Os programas de paz do Centro Carter

Ao longo dos anos, o Centro actuou como catalisador de um conjunto de esforços bem sucedidos, incluindo a monitorização de eleições democráticas em países como o Panamá, Nicarágua, Gana e Zâmbia, iniciativas de combate à corrupção na América Latina, estratégias de desenvolvimento nacional no Mali, ou apoio a grupos da sociedade civil na Guiana e Moçambique. A neutralidade e o tipo de sucessos que o Centro Carter alcançou dão aos seus Programas de Paz a credibilidade necessária para operar a nível local, nacional e internacional na execução de várias dimensões da promoção da paz. Uma das bases de actuação do Centro prende-se com o entendimento da paz como algo mais que ausência de conflito, envolvendo ideais democráticos e a protecção de direitos humanos, bem como a criação e promoção de capacidades locais, com desenvolvimento de instrumentos e ferramentas que capacitam os cidadãos a usar a sua voz para influenciar políticas, promover a protecção de direitos humanos e exigir responsabilização e prestação de contas aos seus governos.

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O factor “James Carter”

O protagonismo e a credibilidade política do Presidente Carter munem o Centro de uma posição especialmente destacada relativamente a outras organizações informais que, evidenciando ausência de motivações estratégicas e políticas, têm também uma maior facilidade e flexibilidade que os actores tradicionais em processos de mediação ou na implementação de projectos de resolução de conflitos. De facto, a participação activa de James Carter nas actividades do Centro, associada às suas relações pessoais com vários líderes mundiais estabelecidas durante o seu tempo enquanto presidente dos EUA é uma característica fundamental para o sucesso das actividades do Centro.

Presidente dos Estados Unidos entre 1977 e 1981, James Carter pautou a sua actuação na Casa Branca por uma atenção particular às questões da paz e dos direitos humanos. O seu nome permanece associado aos Acordos de Camp David e ao encontro entre o presidente egípcio Sadat e o primeiro-ministro israelita Begin. A atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2002 ao presidente James Carter foi um reconhecimento simbólico importantíssimo da forma como a comunidade internacional encara hoje o carácter decisivo do papel que instituições como o Centro Carter assumem na construção de espaços para soluções pacíficas e dialogadas dos conflitos violentos no sistema internacional contemporâneo.

 

A dimensão pessoal da diplomacia do Centro Carter

A base para o sucesso das actividades do Centro – e nenhuma outra ONG possui esta vantagem comparativa – é a dimensão personalizada da sua intervenção, como se revela claramente na acção que este levou a cabo na Etiópia, no Sudão ou na Coreia do Norte. Na Etiópia, Carter reuniu-se com Mengistu (o presidente do país na altura) e dois grupos revolucionários, e as partes concordaram em encontrar-se para conversações de paz como resultado dessa reunião. No Sudão, Carter serviu de mediador entre o governo sudanês e a facção rebelde dominante, o Movimento de Libertação do Povo do Sudão, num esforço para reduzir as diferenças existentes entre ambos e promover a paz. Mais recentemente em 1999, Carter negociou o Acordo de Nairobi entre os governos do Sudão e do Uganda, no qual ambas as partes se comprometeram a suspender o seu apoio às facções combatentes.

A influência do antigo presidente foi particularmente notável durante a intervenção do Centro na Coreia do Norte em 1994. No contexto da retirada da Coreia do Norte da Agência Internacional de Energia Atómica, o governo americano pressionou as Nações Unidas para a imposição de sanções, receando que a Coreia do Norte estivesse a desenvolver um programa de armas nucleares. Pyongyang permitiu uma visita de Carter, mas recusou o pedido de vistos aos senadores americanos apontados por Clinton para uma missão à península coreana. O presidente da Coreia do Norte, Kim Il Sung, conferiu uma maior importância a um encontro com Jimmy Carter – que, desde a sua presença na Casa Branca, tinha seguido continuamente as questões coreanas e se tinha reunido periodicamente com funcionários coreanos durante anos – do que com os dois senadores, presumindo que Carter conseguiria ter um efeito mais positivo sobre as políticas de Washington. Após as conversações, o presidente Kim concordou em congelar o seu programa nuclear, uma concessão que facilitou a retoma do diálogo com os Estados Unidos.

 

Um outro estilo de diplomacia

O Centro projecta assim um estilo distinto de diplomacia. Enquanto os governos actuam no quadro da diplomacia oficial ou Track1 e as ONG promovem actividades não oficiais ou de Track 2, o Centro Carter ocupa um espaço intermédio único enquanto ONG com acesso ao nível oficial. Por um lado, a credibilidade pessoal de Carter garante ao Centro acesso aos media, a chefes de Estado, líderes religiosos e funcionários em altos cargos em organizações internacionais, e por outro, a sua experiência pessoal de diplomacia ao mais alto nível traduz-se numa mais-valia de valor incalculável para as actividades do Centro.

 

Informação Complementar

TEORIA DA DIPLOMACIA INFORMAL

O termo Track Two Diplomacy surgiu em 1982 com Joseph Montville, para descrever um amplo conjunto de contactos e interacções não oficiais com vista à resolução de conflitos. Nos primeiros anos de desenvolvimento deste conceito, o termo focava principalmente a tentativa de desenvolvimento de soluções criativas para conflitos internacionais que estavam simultaneamente a ser trabalhados (geralmente sem sucesso) ao nível oficial dos governos, a chamada TrackOne Diplomacy. Em 1991, devido ao facto de o conjunto de iniciativas não oficiais de resolução de conflitos ser demasiado variado e complexo para ser adequadamente representado pelo termo “diplomacia não oficial” ou TrackTwo Diplomacy, Louise Diamond e John McDonald (co-fundadores do Institute forMulti-track Diplomacy) apresentaram o conceito Multi-track Diplomacy, definindo nove níveis diferentes que, em conjunto, fazem parte de um sistema para criar a paz a nível internacional. O sistema inclui profissionais de resolução de conflitos de TrackOne (governo) e Track Two (não governamentais), mas reconhece também a influência de outros sete níveis: empresários; cidadãos privados; investigação, formação e educação; activismo; religião; filantropia e os meios de comunicação social, com a noção de que, dentro da crescente comunidade de praticantes da resolução de conflitos, cada indivíduo ou organização oferece algo diferente em termos de metodologia, valores, contexto conceptual ou abordagem geral. O quadro representa todos os níveis inter-relacionados num círculo, procurando demonstrar que nenhum deles é mais relevante que o outro e que são todos interdependentes, operando em conjunto como um sistema.

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* Mónica Rafael Simões

Licenciada em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Mestrado em Direitos Humanos e Democratização pelas Universidades de Deusto e Pádua. Investigadora do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

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Bibliografia

MARRET, Jean-Luc
(2001) – La fabrication de la paix, nouveaux confl its, nouveaux acteurs, nouvelles méthodes. Paris: Édition Ellipses.

RICHMOND, Oliver (1999) – “The Linkage Problematic Between ‘Track I’ and ‘Track II’ and The Emergence of a Third Generation of Multi-dimensional Peacemaking in Intractable Conflict”. Paper presented at a conference onManaging Pluralism, INCORE, 8-11 Junho, Moscovo.

SIGAL, León V. (1998) – “Jimmy Carter”. Bulletin of the Atomic Scientists, Vol. 54, No. 1, Janeiro/Fevereiro 1998.

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Dados adicionais
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(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Os nove níveis da Multi-Track Diplomecy

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