Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa | ||||
Onde estou: | Janus 2005 > Índice de artigos > Guerra e Paz nos nossos dias > Missões de paz da ONU e participação portuguesa > [Os jornalistas portugueses e a experiência dos Balcãs] | |||
|
A presença nos Balcãs, constituindo a primeira ocasião em que Portugal empenha oficialmente as suas forças num conflito no teatro europeu desde o envio de duas divisões para a Flandres (1916), representa a descoberta do Exército na sua dimensão propriamente militar pelos media e pela sociedade portuguesa, o que constituiu uma experiência inteiramente nova para os jornalistas que obrigará soldados e repórteres a um convívio e a um diálogo que, no caso português, representa uma experiência sem precedentes. A Guerra do Golfo (1991) servira já de revelador do peso crescente dos media na condução das questões políticas, tornando-os parte dos acontecimentos que cobrem, condicionando fortemente as opções dos responsáveis políticos e Militares (1), e obrigando os responsáveis militares a ter em conta a imagem por eles transmitida como elemento fulcral da própria acção militar. O “efeito CNN” e as novas tecnologias da comunicação teriam reflexos directos na programação e na condução das acções militares, tornando obsoleta a tradicional “censura de campo”. Na sequência da “Tempestade no Deserto” responsáveis do Pentágono e editores americanos sentaram-se à mesa para negociar regras de convívio entre militares e informação em cenário de guerra (2). Porém, nos anos seguintes, operações multinacionais envolvendo cálculos e perspectivas diversas, mandatos políticos e militares nem sempre isentos de equívocos e omissões, e uma forte mobilização das opiniões públicas, viriam a colocar desafios inteiramente novos a militares e jornalistas.
A experiência da “Joint Endeavour” No fundamental, os jornalistas cobriram o conflito da Bósnia a partir do único ângulo que oferecia algumas garantias de segurança – do lado dos “capacetes azuis” da Forpronu – a força de manutenção de paz enviada pelas Nações Unidas para a Krajina e Eslavónia, e depois para a Bósnia, a partir de Julho de 1992. E a maioria tendia naturalmente, a “colar-se” aos contingentes da respectiva nacionalidade. Tratando-se, embora, de missões internacionais, os interesses específicos de cada país estavam naturalmente presentes, sobretudo à medida que se iam destrinçando estratégias e interesses dos diversos membros da “comunidade internacional” em relação ao conflito da Bósnia, e os media reflectiam essa situação. Os militares de cada contingente correspondiam: britânicos e certos outros membros da NATO davam um tratamento claramente privilegiado aos repórteres nacionais – de quem esperavam que transmitissem uma imagem positiva da acção dos “our boys” no terreno – e que ratificassem a orientação política que protagonizavam no terreno. Os militares portugueses marcaram presença no teatro jugoslavo praticamente desde o início da intervenção internacional no conflito entre sérvios e croatas. Desde Julho de 1991, e sobretudo início de 1992, as Forças Armadas portuguesas estiveram no terreno como monitores, observadores ou oficiais de ligação no quadro da ECMM (missão de observação da Comunidade Europeia) ou em representação da ONU e da NATO na Eslovénia, na Krajina-Eslavónia e na Bósnia-Herzegovina e nas operações de vigilância das águas do Adriático (Sharp Vigilance, 1992; e Maritime Guard, 1993) e dos céus da Bósnia (No Fly Zone, 1992-95). Apesar das funções de elevada responsabilidade assumidas por vários oficiais portugueses, a verdade é que se tratava de missões individuais, pelo que, raramente mereceram aos media mais do que uma atenção pontual. A situação alterou-se completamente com o início da operação Joint Endeavour na Bósnia, no início de 1996. Portugal empenhou na missão da IFOR (Implementation Force) uma unidade de combate, outra de apoio de serviços e um destacamento de ligação à estrutura multinacional, com um efectivo total de mais de um milhar de homens (3). Em percentagem da população total, Portugal foi o país que forneceu à missão da SFOR o maior número de efectivos. Integrado na Brigada Multinacional Sarajevo-Norte (BMN-SN), sob comando italiano, o batalhão da BAI (Brigada Aerotransportada Independente) tinha a seu cargo uma zona de grande sensibilidade, no centro-leste da Bósnia, enquadrada pelas localidades de Rogatica, Ustipraca, Gorazde e Kukavice. Particularmente atenta à frente dos media, a NATO preparou cuidadosamente a política de informação da SFOR. A operação “Joint Endeavour” envolveu uma Info Operation (Operação de Informação) e mobilizou uma estrutura sofisticada, incluindo canais de comunicação directos com as populações da Bósnia, através da Radio IFOR, depois a TV IFOR ou do jornal Herald of Peace. Os contactos da IFOR com a imprensa internacional foram alvo de particular cuidado, dispondo cada contingente de um oficial responsável pelos contactos com os media – o PIO (Public Information Officer) e de uma mini-estrutura de relações públicas. A partida para a Bósnia do 2.º batalhão da BAI , em Janeiro de 1996, despertou um enorme interesse no seio da opinião pública e os media mobilizaram-se para a cobertura da missão portuguesa na Bósnia, sobretudo nos primeiros meses da missão. Só no primeiro semestre de 1996 visitaram as forças portuguesas na Bósnia mais de uma centena de jornalistas. O assédio dos jornalistas, com expectativas nem sempre realistas quanto a apoio logístico e facilidades de reportagem, a falta de traquejo nestas andanças, e sinais óbvios de falhas de coordenação entre o Ministério da Defesa, o Estado-Maior do Exército e as hierarquias militares no terreno valeram alguns embaraços aos militares portugueses nas relações com os media. O PIO do batalhão português enfrentou momentos particularmente críticos na gestão mediática do acidente que, logo no início da missão, a 24 de Janeiro de 1996, custou a vida a dois militares portugueses e um italiano (4).
Lições da Bósnia Sobretudo nas primeiras semanas de missão viver-se-ia um clima de certa desorientação nas relações entre o batalhão português e a comunicação social, com muitos militares a aproveitar o convívio com os jornalistas para emitir desabafos e queixas sobre as condições materiais da missão – com pronto e amplo eco junto dos repórteres carentes de histórias capazes de impressionar os editores e “agarrar” o público. Com o decorrer do tempo, a pressão mediática diminuiu. Os militares ganharam maior experiência e desenvoltura com as doutrinas da NATO em matéria de informação pública e as relações com os jornalistas entraram numa rotina mais fácil de gerir. A partir de 1997, os militares destacados para a Bósnia passaram a contar com a distribuição de um pequeno texto de apoio, com alguns princípios para a relação com os media, à imagem do que acontecia, por exemplo, com o contingente britânico (“Operação Grapple”, em 1992) (5). Quatro anos depois, em Fevereiro de 2000, viver-se-ia um processo semelhante com a missão portuguesa em Timor envolvendo cerca de mil militares dos três ramos, parte dos quais integrados na missão mobilizada pela ONU para acompanhar o processo de transição, a UNTAET-PKF. O cuidado em ministrar aos militares alguma formação e linhas de orientação sobre relações com os órgãos de comunicação social e o facto de se tratar de uma missão rodeada de um ambiente de grande consenso nacional não impediram alguns embaraços e desencontros no relacionamento entre militares e jornalistas (6). Portugal esteve ainda presente nas missões da KVM (missão de observadores da OSCE, 1998-99) e depois da KFOR (Kosovo Force), entre Junho de 1999 e Abril de 2001, altura em que o Governo de António Guterres mandou retirar a unidade portuguesa, mantendo-se apenas alguns oficiais de ligação, e na UNPREDEP (Macedónia, 1999). A missão no Kosovo teria, porém, cobertura mediática e impacto mais escasso junto da opinião pública portuguesa, dada, entre outros factores, a premência do próprio evoluir da acção aérea da NATO contra a Jugoslávia e o precipitar dos acontecimentos em Timor no Verão de 1999. Destas experiências ficaram lições que seriam depois analisadas pelos responsáveis do Exército. “Enquadrados em estruturas OTAN ou ONU, as forças do exército, empenhadas em missões de apoio à paz, tiveram uma dura aprendizagem na Bósnia em 1996, fruto da falta de planeamento adequado e instrução e do enorme interesse que a missão despertou nos OCS (órgãos de comunicação social) nacionais” – escreveu o capitão Miguel Machado, porta-voz do contingente português na IFOR, num balanço destas experiências, adiantando ainda que, no caso português, tal como noutros países, a participação em missões internacionais – caso da Bósnia, do Kosovo ou de Timor –, serviu de catalisador de uma atenção crescente da instituição militar às relações com os media. “Do comandante ao soldado, passando pelos oficiais subalternos e sargentos, todos devem estar aptos a falar com a comunicação social” (7). E segundo este oficial, especializado nas relações com a comunicação social, a experiência daria alguns frutos, porquanto, ao sabor das missões no estrangeiro, na BAI (Brigada Aerotransportada Independente), na BLI (Brigada Ligeira de Intervenção) e na BMI (Brigada Mecanizada Independente) “amadureceu pouco a pouco um grupo de oficiais que ganharam experiência nessa área do contacto com os jornalistas”. Sinal evidente da atenção crescente às relações com os media foi a criação em Portugal da SIRP (Secção de Informação, Protocolo e Relações Públicas) no Gabinete do CEME (Chefe do Estado-Maior do Exército), encarregado da ligação entre a imprensa e o Exército, bem como a criação de estruturas semelhantes de informação pública pela Armada e Força Aérea (8). A experiência da participação nas missões de paz nos Balcãs, tal como noutros pontos do globo, representou uma experiência igualmente importante para os jornalistas portugueses, na medida em que proporcionou o contacto com realidades inteiramente novas, constituindo um factor de enriquecimento. O acompanhamento da missão dos militares portugueses teve ao mesmo tempo o efeito de despertar maior interesse dos media pelas Forças Armadas – o que não deixaria de marcar o início de um novo tipo de protagonismo dos militares no plano nacional. Estabeleceu-se assim um diálogo mais intenso e mais aberto entre a instituição militar e a comunicação social, que se traduziria, entre outros, na organização de estágios de sobrevivência em cenário de guerra para jornalistas no CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais) de Lamego, em 2001 e 2003.
Informação Complementar OS MILITARES FACE AOS JORNALISTAS: OS REPAROS DOS MILITARESA nova sensibilidade à projecção mediática das suas missões conferiu também aos militares envolvidos em missões de paz um outro sentido crítico em relação aos media. E se o convívio com os militares mereceu algumas queixas e recriminações aos jornalistas, aqueles não se coibiram igualmente de tecer algumas críticas ao trabalho dos jornalistas. Se na Bósnia o dispositivo português era talvez dos menos rodados nas relações com os media, os militares lusos tinham, em contrapartida, uma atitude mais aberta e mais descomprometida politicamente face ao conflito. Mesmo no meio de alguma desorientação, deram sinais de uma clara disponibilidade para colaborarem com os repórteres portugueses – tanto antes como depois de Dayton. Vários oficiais portugueses em serviço na Krajina e Bósnia, entre 1992 e Dezembro de 1995 (data da conclusão dos acordos de Dayton), e posteriormente ao início da missão da SFOR, queixaram-se em privado de certa falta de interesse dos repórteres deslocados para a Bósnia em aproveitarem as oportunidades de reportagem oferecidas, tecendo alguns comentários à cobertura da missão portuguesa na SFOR. Na perspectiva de vários oficiais envolvidos na operação, como Miguel Machado, na fase inicial da missão, muito poucos jornalistas se importaram com o que de facto se estava a passar na Bósnia em termos de implementação dos acordos de Dayton, e mais concretamente no sector do batalhão português, antes dando largo destaque às mais diversas peripécias vividas pelos militares portugueses, mas concentrando-se mais em faits divers do que propriamente na cobertura da missão. As grandes crises dos anos 90 e as missões de paz com que a comunidade internacional procurou gerir os conflitos constituíram afinal um processo de aprendizagem exigente, tanto para repórteres como para soldados. E, para muitos jornalistas, essas experiências terão correspondido ao primeiro contacto com a instituição militar. Ensaiando um balanço do relacionamento entre militares e jornalistas, Miguel Machado não deixa, com efeito, de fazer algum reparo ao trabalho destes últimos considerando-os “(...) não (...) isentos de culpas neste processo”, afirmando a propósito que, salvo uns poucos jornalistas já com alguma especialização em assuntos militares, “os jornalistas que as redacções, ´por escala`mandam cobrir assuntos militares produzem, não raras vezes, notícias pouco claras e com erros, independentemente de serem ou não positivas para a instituição”. Fonte: MACHADO, Miguel Silva; CARVALHO, Sónia – Militares e Imprensa. Lisboa: ed. Prefácio, 2003; idem – “Exército e Imprensa”. In Jornal do Exército, Janeiro de 2001. SILVA, Major Ramos – O Exército e a Comunicação Social: contributos para uma política de informação. Lisboa: IEAM, 2002. MACHADO, Miguel Silva, e CARVALHO, Sónia – Militares e Imprensa, Lisboa: ed. Prefácio, 2003.
|
| |||||||
| |||||||||