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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Neste contexto de progressiva integração nas missões da ONU, que tiveram um grande incremento com as Agendas para aPaz (1992 e 1995) de Boutros Boutros-Ghali, então Secretário-Geral daquela organização, Portugal chegou a ser, em 2000, o 11.º país do mundo, e em 2001, o 10º com mais forças envolvidas nestas missões, que tinham aumentado exponencialmente a partir do período 89/91 (queda do Muro de Berlim/implosão da União Soviética), com a consequente desregulação do sistema de relações internacionais (entre 1948 e 88 haviam ocorrido 13 missões da ONU, entre 89 e 2000 iniciaram-se mais 41). É num duplo contexto de maior e prestigiada participação de Portugal nas missões de apoio à Paz e de uma maior necessidade de efectivos por parte da ONU que Portugal e o autor deste texto são encarregados do comando da MINURSO, Missão das Nações Unidas para o Sara Ocidental, um dos processos que se tem arrastado por falta de vontade política na sua resolução e cujas origens remontam aos anos 70.
Descolonização e Guerra Fria Depois de antecedentes independentistas que ocorreram desde 1957/58 e se prolongaram ao longo dos anos, em 1973 criou-se a Frente Polisário, que tinha como objectivo a independência do Sara Espanhol, da então potência colonial. Este processo também se inseria na lógica das independências de Marrocos, Argélia e Tunísia da Espanha e França que tiveram lugar nos anos 50 e 60, e num contexto mais global de Guerra Fria, com os campos capitalista ocidental e socialista de Leste em confronto claro, através de procuradores locais nas diferentes guerras de libertação que tiveram lugar no globo. Marrocos optou pela órbita ocidental com ligações à Espanha, França e Estados Unidos, a Argélia pelo mundo socialista, com ligações à URSS e seu satélites, como a Alemanha Oriental e Cuba, e a Frente Polisário, um movimento de cariz socialista e laico apoiou-se no bloco socialista e na Argélia, onde tinha o seu comando e santuário. Na lógica do poder pós-colonial, havia dois interessados na independência do Sara Espanhol (depois Sara Ocidental): a Argélia porque, tendo uma fronteira de 42 km com este território, poderia fazer escoar parte dos minérios do seu SW por El-Layoun, porto que fica no mesmo paralelo de Las Palmas; e a própria Espanha franquista, interessada em apoiar um outro movimento que fosse pró-espanhol após a independência, numa região onde dominavam a Argélia e Marrocos, como forma de manter de modo indirecto a influência espanhola na região (pescas e fosfatos).
A retirada da Espanha Em 1974 concretizou-se o recenseamento que anteciparia o referendo que Espanha havia prometido ao povo saraui do Sara Espanhol (Ocidental), em que apenas foram recenseadas 74.000 pessoas, já que, sendo um povo nómada, se encontrava distribuído por mais três unidades políticas: Marrocos, Argélia e Mauritânia. Sempre foi, desde essa altura, um dos grandes problemas a resolver: quem teria direito a ser recenseado e a votar nesse referendo? Mas os reflexos da revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974 e subsequente descolonização, a doença e morte do general Franco, o fim do regime franquista e as grandes interrogações sobre o futuro levaram a Espanha, em 1975, a não concretizar a realização do referendo e a retirar-se do conflito existente, ali apoiado pelo mundo socialista cuja face visível era a Argélia da FLN. Pelos Acordos de Madrid (14 de Novembro de 1975), a Espanha concordou em retirar-se do território, cedendo os dois terços a Norte para Marrocos e um terço a Sul à Mauritânia. Foi um processo vergonhoso, na perspectiva dos sarauis e da Frente Polisário, que prosseguiu a luta, concentrando-se no Sul, sobre o elo mais fraco, a Mauritânia, que acaba em 1979 por se considerar derrotada cedendo o seu terço à entretanto criada República Árabe Saraui Democrática (Frente Polisário), cujos órgãos de governo estavam sediados em Tindouf no SW da Argélia.
Da ocupação marroquina ao cessar-fogo Com o abandono da Mauritânia, não foi a Frente Polisário que ocupou o território a sul mas sim Marrocos, tendo a luta continuado, agora exclusivamente contra Marrocos, que saíra também de um processo de libertação contra a França e a Espanha, mas em confronto de interesses estratégicos com a Argélia (com a qual tem vários diferendos, incluindo de fronteiras), em cujo contexto se insere o conflito do Sara Ocidental, um território de 266.000 km 2 (três vezes Portugal) e uma população de 250.000 almas, distribuídas por quatro unidades políticas, e para quem as fronteiras da Conferência de Berlim de 1885 nada significavam. O apoio pela OUA à Frente Polisário levou Marrocos a abandonar esta organização (1984) e ao bloqueio dos trabalhos da UMA (Unidade do Magrebe Árabe). As tentativas de mediação pela OUA e pela ONU conduziriam ao cessar-fogo em 1988, não sem que Marrocos construísse um muro contínuo de 2.400 km, vigiado a oeste por um Exército, Gendarmerie, Marinha e Força Aérea de mais de 120.000 homens, protegendo os pontos críticos mais importantes e as zonas de exploração de fosfatos, contra uma Frente Polisário, mal apoiada estratégica e juridicamente, e que deixou de poder chegar ao Oceano Atlântico.
A missão MINURSO no Sara Ocidental Aceite por Marrocos o cessar-fogo e a ideia de uma missão da ONU, após prolongadas negociações e atrasos burocráticos provocados intencionalmente, a missão da ONU só se instala em 06.09.1991, com um mandato de seis meses e o objectivo de garantir o cessar-fogo, o recenseamento, o referendo e a entrega do poder político à entidade que tal acto democrático viesse a vencer. Este voluntarismo onusiano, ligado a alguma ingenuidade e falta de honestidade consciente, apontou para este prazo de seis meses completamente irrealista, já que, independentemente da absoluta necessidade da boa vontade das partes, havia um problema que em si era difícil de resolver, ou seja, definir, encontrar, organizar todo um processo de recenseamento para populações dispersas e desconfiadas que teriam de vir aos Centros de Recenseamento da MINURSO. Assim, a estrutura da MINURSO incluía, além das componentes Político-Administrativa, da Força Militar, da Polícia Civil, uma grande Comissão de Recenseamento com mais de uma centena de funcionários civis da ONU. Mais uma vez toda a estratégia de Marrocos se concentrou no adiar da resolução (primeiro, dizendo que aceitara a ideia do referendo apenas como um acto confirmativo do desejo das populações sarauis em continuarem com Marrocos e depois, criando todo o tipo de problemas a qualquer acção que a MINURSO pretendesse realizar). Como consequência, o período da missão foi sendo prorrogado e vai este ano completar 13 anos. O autor deste texto foi o quarto comandante da Força Militar, tendo o primeiro sido um canadiano, M.Gen. Armand Roy (seis meses), o segundo peruano, B.Gen. Luis Block Urban (seis meses) e o terceiro belga, B.Gen. Andre Van Baelen (três anos e meio).
O comando português da missão Comandei a Força da MINURSO entre 31 de Março de 1996 e 30 de Novembro, tendo sido convidado a continuar por mais um ano, o que não aceitei por razões pessoais e de consciência. Independentemente de qualquer julgamento geopolítico que não lhe competia fazer, a MINURSO, localmente, teria de fazer cumprir um acordo que fora assinado por três partes – ONU, Marrocos e Frente Polisário – e foi essa a linha de orientação seguida. Com a minha nomeação, seguiram mais 5 oficiais portugueses (essencialmente de Comunicações e um observador que comandou posteriormente em Team-Site). Embora a missão estivesse com dificuldades devido aos permanentes bloqueamentos (em Novembro de 1995, o recenseamento havia parado por falta de concordância de ambas as partes, tendo atingido o máximo de 84.251 recenseados e 147.249 identificados) e ameaças por parte do Conselho de Segurança de a fazer retirar, ainda assim foi um processo de grande interesse pelos seguintes aspectos: • A Missão no seu total integrava representantes de 40 países e só na componente militar havia oficiais de 25 países; • As relações com a estrutura da ONU, quer no Sara Ocidental, quer com Nova Iorque (cuja burocracia é difícil de imaginar e de ultrapassar); • O jogo permanente com as partes em confronto, o obrigar a manter as regras do cessar-fogo, as tentativas de ambas as partes de enganarem os representantes da ONU, alguns conflitos e tensões graves que felizmente se resolveram sem perdas de vidas humanas. • O procurar fazer a ponte entre as partes em confronto, tentando encontrar soluções de compromisso e evitar uma nova irrupção de acções violentas. • O visitar em permanência os “Team-site” bem como as instalações marroquinas e da Frente Polisário. • O trabalhar e viver com as populações sarauis, compreendendo a sua situação de grande pobreza, isolamento, dignidade, para a qual não se tem encontrado uma solução. Embora não tenha sido possível até aqui encontrar uma solução política, o cessar-fogo tem sido mantido. Com Koffi Annan e com a presidência Clinton, procurou-se através da alta intervenção de James Baker soluções várias que não foram aceites. Entretanto a Missão tem-se mantido, sendo actualmente constituída por 224 militares (dos quais 197 são observadores), 4 polícias, 136 civis e 111 elementos de “staff ” local, contando com um orçamento anual de 43,4 milhões de dólares (2003/2004). Portugal participou na Missão, desde 1996, com 23 efectivos, tendo tido dois Comandantes da Força (a seguir a mim esteve também 8 meses o major-general Barroso de Moura), mas a presença portuguesa foi sendo reduzida e actualmente não existem portugueses na MINURSO. O período de comando português prestigiou Portugal e a ONU (todos os seus componentes) porque voltou a colocá-la no seu lugar com independência e imparcialidade, factos estes reconhecidos localmente e na sede da ONU, em Nova Iorque. Estas missões, para Portugal e para todos os países participantes, têm a grande virtude de envolver os seus quadros civis e militares em questões de grande sensibilidade à escala mundial, dando-lhes melhor conhecimento do mundo global em que vivemos, a sensação positiva de contribuírem para a resolução de muitas questões graves, além de que obriga a uma formação profissional e específica que se aproxima cada vez mais entre os militares dos diferentes países. É uma oportunidade e um privilégio a não perder, o poder trabalhar com a ONU, porque em todas as suas Agências e actividades está a procura dos difíceis caminhos para o futuro da humanidade.
Informação Complementar MARCHA VERDE Hassan II decidiu organizar uma marcha de 350.000 civis (homens, mulheres e crianças) com a intenção de ocupar pacificamente o Sara Ocidental. Esta operação, que teve lugar em 6 de Novembro de 1975, com grande cobertura mediática, designou-se por Marcha Verde, tendo os seus membros penetrado perto de uma quinzena de quilómetros no território. Recebeu o apoio logístico e de segurança de cerca de 25.000 militares marroquinos. Sara Ocidental: muro e dispositivo da MINURSO
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