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Tecnologia, novas capacidades e proliferação de armamento

José Luís Pinto Ramalho *

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A realidade actual, para a revolução dos assuntos militares, é que não basta, como no passado, utilizar a tecnologia como um elemento adicional da força que procurava a eficácia da sua aplicação, mas sim utilizar a informação e as tecnologias associadas para transformar a estratégia e a táctica, os sistemas de armas e ampliar os espaços da sua utilização.

A transformação estratégica da actualidade aplica a força para a obtenção de objectivos políticos, de uma forma mais rápida, mais ampla ou mais longe e, também, mais letal ou mais conclusiva; do ponto de vista táctico, a capacidade de actuação alarga as operações a todo o teatro de guerra (o teatro de operações confunde-se com o teatro de guerra) e os sistemas de armas actuam em todos os ambientes, ampliando-se para o espaço cósmico e ciberespaço, não sendo afectados pela noite e pela camuflagem.

Embora a comunidade internacional considere estes avanços e o aproveitamento da tecnologia disponível como desenvolvimentos positivos no controlo e contenção da conflitualidade, a verdade, também, é que reconhece que existem novas possibilidades para as duas grandes ameaças com que nos confrontamos no século XXI, seja para a proliferação, seja para o terrorismo.

Nesta avaliação da ameaça, proliferação e terrorismo surgem associados e constituem a preocupação mais premente e mais provável da conjuntura estratégica actual, dando corpo a um quadro conflitual em que Estados párias e actores não estatais podem, apesar da irracionalidade dos processos, adoptar novas estratégias e assumir capacidades assimétricas, num ambiente de afirmação ou choque de interesses, fora do quadro normal de relacionamento entre actores, pondo em causa a estabilidade e a paz internacional.

O 11 de Setembro de 2001 marca o momento estratégico do “antes e depois”, que caracteriza o actual terrorismo de carácter catastrófico, traduzido em grandes destruições ou grande número de baixas, sem limites éticos ou materiais para as potenciais acções, abrindo caminho ao emprego de meios de destruição diversificados, incluindo as armas de destruição maciça (ADM).

Também as ADM e a sua proliferação estão para além das tradicionais armas químicas, biológicas e nucleares e passam a contemplar, na actualidade, as capacidades radiológicas, as tecnologias de construção e lançamento de mísseis, os explosivos convencionais de alta intensidade, a biotecnologia, a nanotecnologia, as fontes avançadas de energia e a capacidade para afectar, de forma gravosa, o ciberespaço.

Também referida no quadro das ADM, considera-se como significativa ameaça o emprego das chamadas dirty bombs , tidas como uma arma radiológica, em que o material radioactivo é colocado num engenho constituído por explosivos convencionais; contudo, o mesmo procedimento pode ser conduzido relativamente a materiais biológicos ou químicos.

A necessidade de preparar a resposta operacional, neste quadro conflitual e de ameaças identificadas, estimula a utilização das tecnologias de informação, para que seja possível conhecer o campo de batalha, a sua evolução, as forças presentes e determinar, relativamente a estas, o seu comportamento operacional.

É este o objectivo da network centric capability warfare , que visa criar a capacidade para obter, reunir, integrar e disseminar, de forma precisa, informação em tempo real ou quase (NRT), que permita a compreensão da realidade do TO, a todos os comandantes aos vários níveis e possibilitar a opção mais conveniente para desencadear com êxito operações decisivas.

Esta capacidade nos domínios da informação procura atingir quatro objectivos operacionais: um melhor comando e controlo das operações; uma maior precisão na aplicação da força, através da aquisição e designação de objectivos e actuação em tempo real ou NRT; acelerar o ciclo de planeamento e o processo de decisão, através da interactividade e da conectividade, que possibilite observar, orientar, decidir, agir, e reiniciar o processo; por último, conhecer a situação operacional em permanência e, por essa forma, aumentar a segurança e a protecção das nossas forças.

Utilizando a informação como multiplicador do potencial de combate e da força, será possível ainda obter efeitos de massa, quer de fogos, quer de meios materiais, a partir de interceptores e unidades, geograficamente dispersas no ar, em terra e no mar, com maior precisão e com um carácter mais letal e decisivo.

É esta capacidade que permite executar as operações decisivas, com rapidez e no momento oportuno, apoiadas numa logística orientada, de velocidade idêntica à operacional, adequada às forças empenhadas, com uma resposta rápida e uma distribuição vocacionada para as necessidades específicas de cada interveniente.

Relativamente aos sistemas de armas, devem responder a dois requisitos operacionais fundamentais: ter a capacidade para detectar, empenhar-se e destruir os meios adversos, antes que o oponente o possa fazer e serem suficientemente robustos para sobreviver a um primeiro empenhamento, caso a iniciativa não seja sua.

Constituem assim prioridades da investigação e aplicação das tecnologias emergentes, as capacidades que podem influenciar positivamente o instrumento militar, surgindo a informação como objectivo-chave para o domínio e superioridade operacionais no campo de batalha; a redução da carga logística, mas cuja autonomia permita a condução de operações militares eficazes (rápidas, duráveis e a longas distâncias) e os ajustamentos no domínio da estratégia estrutural, que assegurem a gestão dos sistemas de armas do futuro, que se prospectivam como leves, muito letais, altamente transportáveis e projectáveis, auto-sustentáveis e com extrema sobrevivência em combate.

As principais áreas de investigação e desenvolvimento dos sistemas de combate do futuro são as tecnologias eléctricas de grande potência; as armas de energia dirigida, incluindo os laser ; as tecnologias informáticas, de telecomunicações e de simulação; os sistemas microeléctricos-mecânicos (nanotecnologia); os ambientes sintéticos e materiais compósitos; a biotecnologia; as fontes de energia inovadoras e de alta potência; interfaces homem-máquina; a automação; a robótica; a teledetecção e a digitalização.

A ampliação da actuação dos instrumentos militares para o espaço cósmico e ciberespaço decorre, por um lado, do impulso que a sociedade civil lhe tem dado, por força da sua utilização comercial e, por outro, da necessidade de garantir essa utilização em termos securitários. Estima-se que em 2015 a utilização comercial ultrapasse aquela que, do ponto de vista militar, tem vindo a ser desenvolvida, o que implica a necessidade de garantir a sua utilização em segurança, a vigilância, a gestão e a capacidade de intervenção sobre eventuais perturbadores.

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Importa referir que, no caso do ciberespaço, vive-se ainda uma situação de alguma fragilidade no domínio da segurança, pois muitas vezes somos confrontados com a perturbação do “sistema”, apenas quando ele colapsa; abre-se também aqui um novo espaço para a actuação estratégica, a information warfare – guerra da informação, em que a diversidade dos agentes perturbadores, vai do vulgar hacker ao ciberterrorista e a sofisticação das ciberferramentas varia entre o hacking , o MEMS/MESH e efeito EMP, passando pelas “bombas lógicas”, canhões HERF, E-bombs , etc.

Neste ambiente, como vimos durante a guerra do Iraque, o discurso é já acção e peça da estratégia directa, sendo possível associar à utilização da informação e das tecnologias da informação, a biotecnologia, a psicotecnologia, a procura da influência e controlo dos comportamentos e a introdução no sistema de informação do sentimento de medo e de ansiedade e provocar, assim, a inoperância do sistema.

Existem aqui áreas de investigação tecnológica extremamente importantes, como a miniaturização, os ambientes sintéticos, a parceria homem-máquina, as hipervelocidades e as novas fontes de energia e de nutrientes, que associem leveza, pequena dimensão e altíssimo rendimento.

Neste quadro, importa considerar que vivemos num mundo em que a economia evolui a um nível global, que a investigação e o desenvolvimento das novas tecnologias se situam muito mais do que a nível estatal, a nível privado, sejam empresas, ou universidades, e que o seu aspecto dual é uma característica dominante.

A tecnologia está assim acessível, podendo ser adquirida, quer pela integração de empresas fictícias ou não, ou de agentes no circuito económico/industrial que se desenvolve na globalização, quer pelo tráfego ilícito (tecnologias sensíveis, dioxinas, etc., e também material nuclear), sendo este o primeiro aspecto crítico do panorama da proliferação de ADM.

Paralelamente, a tecnologia, no curto prazo, pode transformar ou alterar substancialmente a natureza da ameaça colocada pela proliferação e pelas ADM, através da sua melhoria qualitativa no domínio da letalidade e miniaturização (proliferação vertical) e possibilitar, no futuro próximo, o aparecimento de novos actores com esta capacidade, em que o Irão e a Coreia do Norte poderão não ser os únicos (proliferação horizontal).

No que respeita ao nuclear, admite-se que a quantidade de material físsil necessário para uma arma venha a ser menor do que na actualidade, em virtude de novas técnicas de produção que exigirão menores infra-estruturas industriais, mais facilmente dissimuláveis e difíceis de identificar e verificar, podendo mesmo os países que adquirirem essa capacidade manter latentes as condições efectivas para a produção dos engenhos.

Quanto às armas biológicas e químicas, a biotecnologia e a bioquímica trazem novos avanços e capacidades inesperadas nestes domínios; constituem uma indústria sofisticada, desenvolvida a nível global, a par do aparecimento de agentes químicos e biológicos não tradicionais, em que a sua característica dual torna extremamente difíceis a vigilância e a percepção da evolução de opções militares nestas áreas.

A resposta à proliferação assumida até 1993--94 passou de uma atitude internacional de “não-proliferação”, liderada pelos EUA, para outra mais interveniente, que podemos designar por “contra-proliferação”, materializada em 1998 pelos bombardeamentos ao Iraque, face à sua recusa de desarmamento e levada a cabo sem o prévio consentimento do Conselho de Segurança da ONU. Os recentes desenvolvimentos internacionais, relativos ao Irão e à Coreia do Norte, são claros exemplos desta atitude, expressa actualmente num “discurso político-militar” dos EUA, que convive com um “discurso político-legal” dos europeus.

Como já se referiu, os avanços tecnológicos e científicos abrem perspectivas para o desenvolvimento de novas áreas, que rivalizam em letalidade com as actuais ADM – a biotecnologia, a nanotecnologia e as fontes de energia avançadas da próxima geração.

No domínio da biologia, a pesquisa sobre o genoma criou novas capacidades não previstas ou proibidas pelos mecanismos de controlo das ADM, caso dos aptamers , derivados do ácido nucleico e que actuam sobre a “célula” como antibiótico, afectando as funções vitais; os venenos celulares, constituídos por “nanopartículas” que alteram o funcionamento do metabolismo humano, ou a eficácia do sistema imunitário; as bombas genéticas, capazes de ler e actuar apenas sobre determinados sinais metabólicos, expressos na respiração humana; as bombas biológicas binárias, cujos efeitos são produzidos pela exposição humana a dois tipos patogénicos distintos, dificultando as actuais capacidades para detectar, diagnosticar e tratar os sintomas dessa acção.

No caso da nanotecnologia, esta pode permitir a criação de venenos moleculares ou “poeira explosiva”, muito mais potente que uma igual massa de explosivo tradicional, ou de “nanopartículas”, capazes de contaminar selectivamente ambientes biológicos.

Os avanços na produção da energia nuclear fazem pensar que a reacção termonuclear limpa possa ser em breve possível, eventualmente “pura fusão”, o que traz novas possibilidades para o armamento nuclear, associado à nanotecnologia, com uma diminuição significativa da contaminação derivada da radiação, permitindo potências explosivas menores do que as actuais armas nucleares, mas significativamente maiores do que os actuais explosivos convencionais.

A nanotecnologia estará ainda presente na concretização dos “nano-robôs” ou “robôs formiga” e “micro-robôs autónomos”, sem aptidão para pensar mas com capacidade para agir de forma programada sobre os sistemas electrónicos, informáticos ou anti-pessoal, caso das armas micro-high power microwave , cujos protótipos revelaram já essa capacidade.

De considerar ainda as novas tecnologias que procuram novas formas de projecção e transporte a longas distâncias (as fontes avançadas de energia), passando pelos veículos ultraleves, quer aéreos quer espaciais, (novos materiais resistentes a hipervelocidades), apoiados em sistemas propulsores tipo blast wave propulsion ou spiral mass accelerators .

Com importância em novos projectos de incidência militar, surge uma nova ciência a Biomimicry , que estuda os modelos da natureza e procura inspirar-se nisso para resolver problemas evolutivos ou de resposta a necessidades diversas; esta atitude visa entender e aplicar, por exemplo, o comportamento da folha de uma planta, ao rendimento da célula solar, da adaptabilidade do camaleão às necessidades de uma camuflagem em ambientes diversificados ou a resistência e autonomia de voo de um insecto face à sua dimensão real.

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Siglas e designações utilizadas
Acordo Wassemar – Criado pelos EUA em 1992, assinado por 33 países, controla a exportação de tecnologia sensível, dual use , com aplicação militar.
AIEA – Agência Internacional de Energia Atómica, criada em 1957, é a autoridade de verificação do TNP.
BWC – Biological Weapons Convention , em funcionamento desde 1975, proíbe a produção de armas biológicas.
Canhão HERF – Sistema de armas de radiofrequência de alta potência.
C2W – Comando e Controlo e demais actividade relacionada com Computadores, Comunicações, Aquisição/ Designação de Objectivos, Intelligence, Reconhecimento, Vigilância, Gestão do Campo de Batalha, etc. (W-Warfare).
Comité Zangger – visa minimizar a incompleta adesão ao TNP; procura controlar a exportação de material utilizado nas ADM (exige garantias de AIEA).
CTBT – Comprehensive Text Ban Treaty , concluído em 1996 proíbe o teste de armas nucleares, assinado por 165 Estados.
CWC – Chemical Weapons Convention , ampliado em 1993, reconhecido por 168 Estados, procura a interdição das armas químicas.
E-Bomb – Bomba de elevadíssima radiação electromagnética, neutraliza estruturas C2W.
EMP – Electromagnectic pulse – Impulso electromagnético.
Grupo Austrália – Criado em 1985, assinado por 33 Estados, limita a transferência de tecnologia e matérias-primas, ligadas ao fabrico de ADM.
Hacker – Perturbador informático menos gravoso.
Hacking – A actividade do hacker.
MEMS/MESH – Micro ElectroMechanical Systems/Macintosh Enhanced SCCI Hardware ( Small Computers System Interface ).
MTCR – Missile Technology Control Regime , estabelecido em 1987, visa controlar a proliferação de mísseis balísticos e veículos não tripulados, usados como vectores das ADM.
NBQR/CBRN – Nuclear, Biológico, Químico e Radiológico.
NRT – Near Real Time.
NSG – Nuclear Suppliers Group , criado em 1975, estabelece restrições à exportação de material nuclear.
PSI – Proliferation Security Initiative , Iniciativa de Segurança contra a Proliferação, lançado em 2003 pelos EUA, tem a adesão de 15 países, incluindo Portugal , visa uma atitude dinâmica e proactiva de combate ao transporte, comercialização e transferência de tecnologia e matérias-primas relacionadas com as ADM e materiais de dual use.
TG – Teatro de Guerra.
TNP – Tratado de Não Proliferação, em vigor desde 1970, reconhecido por 187 Estados (divide o mundo entre potências nucleares e não nucleares).

TO – Teatro de Operações

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* José Luís Pinto Ramalho

Para além dos cursos de formação e qualificação militar, na AM, EPA, CIAAC, IDN e IAEM, tem o curso de Selecção de Pessoal/CEPE, de Contra-insurreição/CIOE e de Comandos/CIC-RMAngola. Tem o Officer Advanced Course/EUA e o Curso Colégio Defesa NATO/Itália. Mestre em Estratégia pelo ISCSP-UTL. Director do IESM.

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