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Os jornalistas em cenários de conflito

Paula Monge Tomé *

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A maior parte do público está dependente há muito tempo, primariamente ou inteiramente, dos media para saber e compreender o que se passa num palco de conflito – neste sentido, a comunicação social seria apenas um intermediário. Porém, é muito mais do que isso: é um meio considerável para influenciar e condicionar, quer as opiniões públicas, quer os decisores políticos e militares. Na medida em que as “ guerras se travam nos campos de batalha mas também nas páginas dos jornais, nas imagens e palavras dos noticiários, nas páginas de web ”, a informação e a comunicação são cada vez mais um factor estratégico fundamental, através das quais se consegue o apoio ou a condenação das decisões e das acções operacionais; manter ou desgastar o moral e a motivação entre as forças envolvidas e a sociedade em geral; a mobilização de mais ou menos recursos; sustentar ou não o empenho num conflito; e desenvolver acções de propaganda, desinformação e contra-informação.

 

Jornalistas versus militares

É neste contexto que se situam muitos dos dilemas entre jornalistas e militares, provenientes de uma natural desconfiança mútua e do facto da posição de uns e outros face à informação ser diferente e, por vezes, contraditória – afinal, já Napoleão advertia que “ cinco gazetas hostis fazem um mal maior do que cem mil soldados inimigos no campo de batalha ” . Daí uma história repleta de avanços e recuos, num relacionamento sempre tenso. Há, desde logo, um desfasamento entre o tempo dos militares e o tempo dos jornalistas, pois o sistema militar não produz a informação à velocidade que os jornalistas normalmente procuram. Depois, o objectivo prioritário dos jornalistas de acederem às informações e divulgá-las choca muitas vezes com a estrutura hierárquica e com o culto do segredo e das “informações classificadas” do mundo militar. De qualquer forma, os militares estão hoje conscientes de que uma mentira, ainda que involuntária, é a pior coisa que podem dizer a um jornalista e procuram cada vez mais explicar diante dos media as suas opções e dar a sua versão dos acontecimentos – oficialmente, para informar a opinião pública mas, na realidade, também para controlar o discurso que os órgãos de comunicação fazem sobre o que se passa. Os mesmos motivos que produzem uma certa tensão e ambiguidade entre jornalistas e militares em situações de conflito levam-nos, paradoxalmente, a procurar encontrar e definir pontos de entendimento e de colaboração, na compreensão e respeito mútuo com base na respectiva responsabilidade social.

 

As pressões sobre os media

Por estas razões, a pressão exercida sobre os media , “por cima” (militares e políticos, de alguma forma tentando condicionar a informação e a comunicação, ou promover a autocensura em nome de «razões vitais») e “por baixo” (público e opinião pública, procurando estar devidamente informados, ver o desenrolar dos acontecimentos, perceber se as coisas se passam como deviam passar e confirmar se o que dizem os responsáveis corresponde à realidade, para, eventualmente, tomar posição), faz da informação um bem de produção e acarreta para os órgãos de comunicação várias consequências. Primeiro, incentiva-os a estar mais presentes, quantitativa e qualitativamente, nos palcos de conflito (ou, pelo menos, naqueles que julgarem credores de mais atenção do seu “público”), procurando ir mais longe, mais rápido, com maior amplitude na cobertura dos acontecimentos, mas também a desenvolverem a informação-espectáculo e uma lógica de antecipação como factores de distinção no seio de um espaço cada vez mais concorrencial. Segundo, no plano geral, reforça o papel, o prestígio e a influência dos media e dos jornalistas, tidos por fundamentais na “confirmação” das informações e no retrato dos acontecimentos. Paralelamente, no plano deontológico, coloca-se sempre a questão, ancestral mas sempre actual, da independência e da objectividade dos media e dos jornalistas, quer em função da lógica dos interesses privados (na relação sensível com os grupos proprietários dos órgãos de comunicação ou dos “ lobbies ”), quer do distanciamento em relação aos “interesses superiores de Estado”, quer ainda das perspectivas dos próprios jornalistas e a forma como encaram e relatam o que vêem e sabem, na medida em que, aquilo que percepcionam num teatro de operações são apenas pequenos fragmentos de um quadro muito mais vasto. Daqui acaba por decorrer também um certo tipo de pressão “por dentro”, isto é, entre os próprios jornalistas e media em geral.

A tudo isto somam-se outros factores particularmente relevantes, hoje, na equação entre jornalismo e guerra. A evolução tecnológica no domínio das comunicações, por exemplo, que se traduz numa muito maior velocidade e globalização das transmissões, exponencia a divulgação de imagens e de mensagens, alarga o tipo de canais e processos de transmissão, multiplica as fontes de informação, e privilegia o efeito do “directo”. No entanto, as inovações tecnológicas trazem riscos acrescidos. Desde logo, porque, se um erro for cometido, já não há tempo, como anteriormente, de telefonar para uma redacção a corrigir – o que é dito ou escrito corre o planeta em segundos e é imediatamente assumido por muitos. Por outro lado, o aumento significativo do volume das informações provenientes das mais variadas fontes, pelos mais diversos canais, e de uma grande multiplicidade de autores/actores implica novos processos de “filtragem” e de confirmação. Depois, a evolução do fenómeno guerra ou conflito dilui, em muitas ocasiões, a distinção entre militares e civis, combatentes e não combatentes, ou entre actos de guerra e acções de pura criminalidade. Além disso, uma vez que muitos dos novos conflitos não opõem dois “lados” tradicionais (por exemplo, naqueles em que forças externas intervêm para promoção e manutenção da paz, prevenção de conflitos e gestão de crises), subverte-se a aproximação habitual entre o “nós” e o “outro”, ou entre o “aliado” e o “inimigo”. Finalmente, por serem um elemento estratégico fundamental, os jornalistas são cada vez mais um alvo predilecto nalgumas zonas de conflito, o que pode condicionar a sua actividade.

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Os jornalistas em cenários de conflito

Por razões diversas – entre as quais os progressos tecnológicos, a apetência do público por mais e melhor informação sobre certos conflitos, ou o interesse dos poderes políticos na utilização dos meios de comunicação para divulgação de certas mensagens e posições –, a presença de jornalistas em teatros de conflito tem vindo a aumentar consideravelmente: o desembarque da Normandia, em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, foi acompanhado por cerca de 27 repórteres; durante a guerra do Vietname, calcula-se em cerca de 500 os repórteres que estavam na região da Indochina, com 30 ou 40 na linha da frente. Na guerra do Golfo, em 1991, havia cerca de 1.400 repórteres na região – destes, 192 foram integrados em “ pools ” de diversas unidades militares entre os quase 800 mil soldados aliados, e apenas 2 permaneceram em Bagdad. Em 1996, mais de 1.700 jornalistas noticiaram as fases iniciais das operações de paz no sector norte-americano na Bósnia. Em 2003, a intervenção no Iraque, a guerra mais mediatizada de sempre, foi acompanhada por perto de 3.000 jornalistas na região: desta vez, Saddam permitiu a presença de 300 jornalistas em Bagdad, e os 150 mil militares da coligação fizeram-se acompanhar por 800 jornalistas.

O progresso registado nos meios tecnológicos ao dispor dos profissionais da comunicação e a proliferação da cobertura jornalística das zonas de conflito não significam, porém, nem que o público está necessariamente melhor informado (a avalanche de informação mosaicada, confusa, deixa muitos detalhes para serem preenchidos pelos espectadores destinatários), nem que os jornalistas estão mais seguros no desempenho da sua actividade profissional. Além dos riscos inevitavelmente associados ao desempenho da missão num cenário de guerra, e precisamente pelo impacto dos media na condução das operações e nas decisões políticas de empenhamento e sobre governos e opiniões públicas, os seus profissionais (jornalistas e seus colaboradores) tornaram-se um alvo predilecto para certos actores em zonas de conflito, em particular daqueles que não se reconhecem vinculados a qualquer constrangimento jurídico, ético ou moral, como os grupos terroristas.

Os ataques contra os jornalistas e os equipamentos dos órgãos de comunicação são ilícitos, não podendo ser considerados como alvos legítimos, mesmo que sejam usados como meios de propaganda, salvo se usados para incitar actos de grave violação ao direito humanitário (Artigo 79 do Primeiro Protocolo Adicional da Convenção de Genebra). Um ataque deliberado que tenha como consequência a morte, ou signifique um atentado grave contra a integridade física de um jornalista, constitui uma infracção grave, ou seja, é considerado um crime de guerra. No entanto, nalgumas partes do mundo, as ameaças, raptos, prisões e morte são um risco constante do seu trabalho. Ao reportar uma guerra ou conflito os riscos tornam-se inacreditavelmente elevados e muitos jornalistas perdem a vida. De acordo com a Federação Internacional de Jornalistas, nos últimos 12 anos, morreram em trabalho 1.100 jornalistas e profissionais da comunicação, vítimas dos alvos das suas denúncias ou tão simplesmente por se encontrarem no centro de acontecimentos que pretendiam relatar. Só na primeira metade de 2005, 40 jornalistas pereceram em teatros de conflito (ver quadro). No Iraque, em particular, os jornalistas passaram à categoria de alvos preferenciais: pelo terceiro ano consecutivo, o país surge destacado como o lugar mais perigoso do mundo para o exercício da profissão, com 11 jornalistas mortos no primeiro semestre de 2005. Desde o início do conflito, em Março de 2003, morreram 63 jornalistas e profissionais da comunicação, e 2 permanecem desaparecidos. O conflito iraquiano é, assim, o mais assassino para os profissionais de comunicação social desde a guerra do Vietname, onde morreram 63 jornalistas no período compreendido entre 1955 e 1975. Ou seja, morreram tantos repórteres em três anos de conflito no Iraque como em vinte anos de guerra no Vietname!

Pelos riscos associados à presença de jornalistas em cenários de conflito e pelos desenvolvimentos da sua acção nestas zonas, entidades como os Repórteres Sem Fronteiras , International News Safety Institute e International Press Institute têm acentuado a necessidade de maior preparação e protecção dos profissionais da comunicação quando se deslocam para zonas de guerra, pelo que têm feito um esforço no sentido da criação e divulgação de códigos e normas de conduta de segurança para jornalistas em zonas de conflito e tensão (ver caixa). Além disso, consideram necessária a adopção de novos mecanismos para, por um lado, reafirmar o direito humanitário aplicável aos jornalistas e aos meios de comunicação restabelecendo, assim, a observância de normas fundamentais por vezes ignoradas e, por outro, melhorar o direito já existente para responder às exigências dos novos tempos como, por exemplo, o fenómeno dos jornalistas “ embedded ”. Quanto à própria segurança dos jornalistas em cenários de guerra ou de conflito, prevalece a ideia de que « a melhor protecção para os jornalistas continua a estar nas mãos dos que nos lêem, escutam e vêem », embora isso não invalide a necessidade de continuar a exigir, por todos os meios disponíveis, a investigação das mortes registadas, designadamente no Iraque, onde os crimes contra jornalistas continuam impunes.

E que devem os jornalistas fazer nas zonas de conflito que cubram? O mesmo de sempre: procurar a informação e reportá-la, com objectividade e apenas na busca da verdade.

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Informação Complementar

CÓDIGO DE SEGURANÇA DE JORNALISTAS EM ZONAS DE CONFLITO E TENSÃO (INTERNACIONAL NEWS INSTITUTE)

1. A preservação da vida e da segurança é soberana. É necessário mentalizar tanto o pessoal permanente como o pessoal independente que é inaceitável e desaconselhado correr riscos inúteis no exercício de uma tarefa. Exortam-se as novas organizações a preferirem a segurança às vantagens competitivas.

2. Os destacamentos para zonas de guerra e outras regiões perigosas devem ser voluntários e envolver apenas repórteres experientes e seus assistentes. Não deverá repercutir-se na carreira qualquer recusa de um destacamento perigoso. Os editores na base ou os jornalistas no terreno podem decidir pôr termo a um destacamento perigoso após consulta mútua pertinente.

3. Todos os jornalistas e pessoal noticioso deverão receber uma formação adequada sobre o ambiente hostil e ser sensibilizados para os riscos incorridos, antes de ser destacados para uma zona perigosa. Exortam-se os empregadores a tornarem esta exigência obrigatória.

4. Antes de ser destacados, os jornalistas devem ser plenamente informados pelos seus empregadores sobre as condições políticas, físicas e sociais prevalecentes na região onde devem trabalhar e estar a par das regras internacionais em matéria de conflitos armados estabelecidas pela Convenção de Genebra, bem como de outros documentos essenciais da legislação humanitária.

5. Os empregadores devem fornecer equipamento de segurança eficaz e garantias médicas e de segurança adequadas ao perigo incorrido a todo o pessoal permanente e independente destacado para zonas perigosas.

6. Todos os jornalistas devem beneficiar de um seguro pessoal enquanto estiverem de serviço em zonas hostis, incluindo cobertura contra ferimentos e morte. Não deverá haver qualquer discriminação entre o pessoal permanente e o pessoal independente.

7. Os empregadores devem proporcionar uma consulta confidencial aos jornalistas empenhados na cobertura de eventos envolvendo perigo. Devem formar pessoas capazes de reconhecer o stress pós-traumático e fornecer às famílias dos jornalistas destacados em zonas perigosas um aconselhamento pontual sobre a segurança dos seus entes queridos.

8. Os jornalistas são observadores neutros. Os membros da comunicação social não devem transportar armas de fogo no exercício da sua profissão.

9. Exortam-se os governos e as forças militares e de segurança a respeitarem a segurança dos jornalistas nas suas respectivas zonas de operação, quer estes acompanhem ou não as suas tropas. Não devem restringir desnecessariamente a liberdade de movimento nem comprometer o direito dos repórteres noticiosos a obter e divulgar informações.

10. As forças de segurança nunca devem perturbar, intimidar ou atacar fisicamente os jornalistas que exerçam honestamente a sua profissão.

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* Paula Monge Tomé

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Professora no Departamento de Ciências da Comunicação da UAL.

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Dados adicionais
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